A consanguinidade sobrenatural

Naquele tempo, 20 Jesus voltou para casa com os seus discípulos. E de novo se reuniu tanta gente que eles nem sequer podiam comer. 21 Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarrá-Lo, porque diziam que estava fora de Si. 22 Os mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, diziam que Ele estava possuído por Belzebu, e que pelo príncipe dos demônios Ele expulsava os demônios. 23 Então Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas: “Como é que satanás pode expulsar a satanás? 24 Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. 25 Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se. 26 Assim, se satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído. 27 Ninguém pode entrar na casa de um homem forte para roubar seus bens, sem antes o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa. 28 Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. 29 Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno”. 30 Jesus falou isso, porque diziam: “Ele está possuído por um espírito mau”. 31 Nisso chegaram sua Mãe e seus irmãos. Eles ficaram do lado de fora e mandaram chamá-Lo. 32 Havia uma multidão sentada ao redor d’Ele. Então Lhe disseram: “Tua Mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura”. 33 Ele respondeu: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?” 34 E olhando para os que estavam sentados ao seu redor, disse: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos. 35 Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3, 20-35).

Ser parente do Messias seria, pelos nossos critérios, uma honra inigualável. Para o Filho de Deus, ao contrário, mais importante é fazer a vontade do Pai Celeste do que ser parte de sua genealogia humana

Mons. João S. Clá Dias, EP

Maria Se apresenta para enfrentar os parentes

Conforme comentam certos Padres da Igreja, Nossa Senhora, sabendo que alguns planejavam fazer mal a Jesus, apresentou-Se para enfrentá-los: “Como os que estavam próximos do Senhor iam apoderar-se d’Ele por julgá-Lo louco, eis que acorreu sua Mãe, movida por um sentimento de amor e piedade”. 1 Bonita interpretação, que mostra a combatividade de Maria, aspecto frequentemente esquecido. Junto com Ela estavam os “irmãos”, termo que, na linguagem bíblica, designava os parentes em geral, como primos e tios.

Tão coesa era a muralha humana formada ao redor de Nosso Senhor, que impedia Nossa Senhora e seus acompanhantes de entrarem na casa e se aproximarem d’Ele. Os presentes, de acordo com o arraigado conceito familiar da época, consideravam a maternidade como algo supremo e, por isso, avisaram Jesus da chegada de sua Mãe, julgando normal interromper a pregação para atendê-La.

As relações sobrenaturais, muito mais fortes que as do sangue

Cristo, todavia, aproveitou a ocasião para contrariar a
tendência do povo judeu a um excessivo apreço à família. Se Ele, levantando-Se, fosse ao encontro de sua Mãe e de seus irmãos, respaldaria e solidificaria este afã… Em vez disto, sua resposta deixa clara a superioridade da relação espiritual sobre a natural. Prezam-se tanto os vínculos do sangue! Sem dúvida têm seu peso, mas não constituem o essencial e só adquirem sentido se considerados em função de Deus. Enquanto os laços humanos abrangem pequena quantidade de membros, os sobrenaturais incluem irmãos numerosos “como as estrelas do céu, e como a areia na praia do mar” (Gn 22, 17). Aplica-se, neste caso, o belo princípio de São Tomás: “os bens espirituais podem ser possuídos ao mesmo tempo por muitos, não, porém, os bens corporais”.

O Filho de Deus veio exatamente para nos tornar participantes da sua família, de forma a sermos seus irmãos e filhos, num imbricamento com Ele muito mais estreito do que o originado no sangue. “Não há senão um parentesco legítimo, o qual consiste em fazer a vontade de Deus. E este é um modo de parentesco melhor e mais importante que o da carne”. Assim, o Divino Mestre olhou para os mais fervorosos, isto é, aqueles que procuravam aproximar-se d’Ele com o desejo de ouvi-Lo e de ser por Ele instruídos, que estavam, portanto, com predisposição para aceitar e abraçar seus ensinamentos, e afirmou: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Incomparavelmente mais do que a qualquer pessoa na Terra, por muito que a esta devamos, precisamos ser gratos a Deus, abandonar-nos em suas mãos e obedecer-Lhe, pois fomos por Ele criados. Ele enviou seu Filho para nos redimir, a fim de que tenhamos a vida — a própria vida de Deus! — e a tenhamos em abundância (cf. Jo 10, 10).

Por tal motivo, o Menino Jesus, aos 12 anos de idade, quando após três dias de busca foi encontrado por Nossa Senhora e São José no Templo ouvindo e interrogando os doutores da Lei, declarou: “Não sabíeis que devo ocupar-Me das coisas de meu Pai?” (Lc 2, 49). Suas palavras nos recordam que nossa filiação primeira é a divina, e só em segundo plano havemos de considerar a do sangue.

Ao ser concebida, a criança encontra-se numa total sujeição aos pais e vai aos poucos crescendo, ainda amparada, orientada e governada por eles, até se tornar independente. No campo sobrenatural ocorre o oposto: a partir do nascimento, isto é, do Batismo, o relacionamento com Deus e a dependência d’Ele vão aumentando, e atingem o seu grau máximo quando a alma chega à visão beatífica. Permanece, então, numa inteira e completa familiaridade com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Um altíssimo elogio à sua Mãe Santíssima

Longe de desprezar Nossa Senhora — o que seria impensável! —, Jesus Lhe dirigia o maior elogio possível, pois afirmava ser Ela mais sua Mãe por fazer a vontade de Deus do que por Lhe ter transmitido a vida humana. “Não fala assim para negar sua Mãe, mas para manifestar ser Ela digna de honra não só pelo fato de haver engendrado Cristo, como também por todas as suas virtudes”. Ao longo de cerca de trinta anos de convívio com seu Filho, Maria foi perfeitíssima na realização da vontade d’Ele, guardando todas as coisas no seu coração (cf. Lc 2, 51). Porque acreditava que Jesus era a Verdade, a Virgem Santíssima — em contraste com aqueles que O julgavam louco — Se conservava sempre numa postura de submissão a Ele, mesmo em face daquilo que não entendia.

Sejamos familiares de Jesus, como o foram Maria e José

A Liturgia de hoje é de uma importância fundamental para compreendermos o valor desta “consanguinidade espiritual” com Nosso Senhor Jesus Cristo, à qual jamais podemos renunciar. Quantas vezes, infelizmente, nos comportamos de modo egoísta, nos colocamos no centro de tudo e cometemos uma falta! Fazer a vontade de Deus significa sermos retíssimos e íntegros, sob todos os pontos de vista, à semelhança da Mãe de Jesus.

Para isso precisamos admitir nossa debilidade, cientes de que, conforme nos ensina o Divino Mestre, a podridão nasce dentro do homem (cf. Mc 7, 21-23). Devemos, isto sim, nos surpreender quando praticamos um ato bom, reconhecendo que este provém da filiação espiritual que Ele nos concedeu pela graça. Se os fariseus sentissem a miséria que tisnava seu interior, talvez tivessem olhado para Nosso Senhor com despretensão e acolhessem em sua alma a salvação. No Céu estão, de fato, não apenas os inocentíssimos, mas também São Dimas ― o bom ladrão, canonizado em vida pelo Redentor (cf. Lc 23, 43) —, Santo Agostinho, Santa Maria Madalena… e tantos outros que se confessaram culpados e obtiveram perdão. Em sentido oposto, no inferno padecem todos os pecadores que, por orgulho, persistiram no erro. Eis o grande problema da natureza humana decaída.

Peçamos a Maria Santíssima o dom extraordinário da humildade, para nos serem abertas as portas da eterna bem-aventurança e chegarmos à plenitude da familiaridade com Nosso Senhor Jesus Cristo! ♦️


  1. TEOFILATO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Marcum, c.III,
    v.31-35
    Excertos de “O Inédito sobre os Evangelhos”, X Domingo do Tempo Comum, Ano B.

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