O homem foi feito para Deus, e não Deus para o homem

IX Domingo do Tempo Comum

A ridícula interpretação farisaica da Lei de Moisés evidencia
o erro, de funestas consequências, que o homem comete quando
substitui Deus pelas criaturas.

Por Mons. João S. Clá Dias, EP

Estarei eu com a mão seca?

Considerado misticamente, aquele homem da mão seca representa, como diz São Beda, “o gênero humano infecundo para o bem […], cuja destra se havia secado em seu primeiro pai, quando colheu o fruto da árvore proibida”. De fato, pelo pecado de Adão a humanidade tornou-se estéril, incapaz de conquistar méritos. Mas foi curada “pela graça do Redentor, quando estendeu as mãos inocentes na árvore da Cruz”. Desta forma, por sua Paixão, Nosso Senhor Jesus Cristo devolveu aos homens a possibilidade de dar frutos extraordinários.

Ora, quando alguém, tendo recebido no Batismo a “mão” das virtudes teologais e cardeais, e dos dons do Espírito Santo, e não a usa para a glorificação da Igreja, ela se resseca e passa a proceder de maneira indevida, em detrimento do Corpo Místico de Cristo. É o que acontece a todos os egoístas, aos ególatras, aos que encolhem a mão para não ajudar os seus companheiros, a quem abraça o pecado: as virtudes já não operam em benefício dos outros e tudo quanto fazem será ineficaz. Semeiam cactos e colhem abrolhos! Viverão na insegurança, na amargura e na escravidão, porque Deus não abençoa suas obras.

Em sentido oposto, sabemos que a alma de todo apostolado é a vida interior, e esta, por sua vez, se baseia na fé e na piedade. Então, quem está no máximo do seu fervor faz surgir a maravilha de uma obra missionária fecunda que poderá nascer até em terrenos arenosos! O homem estende a mão aos outros e quem dá o bom resultado é Deus, conforme a palavra de São Paulo: “nem o que planta é alguma coisa nem o que rega, mas só Deus, que faz crescer” (I Cor 3, 7).

Por conseguinte, se nós somos aqueles cuja atuação tem consequências inúteis, devemos nos perguntar: “Estarei eu com a mão seca?”. Neste caso, o único meio de curá-la é procurar Nosso Senhor Jesus Cristo no templo, aproximarmo-nos do altar e pedir-Lhe que faça o milagre de mudar a nossa mão inerte, dando-lhe agilidade. Ele não negará, pois está sempre disposto a sanar nossos defeitos morais e a conceder-nos a necessária força de alma. Só assim nos transformaremos em leões no apostolado. A ausência de frutos será, num instante, suprida pela graça de Deus.

Ódio irreconciliável entre o bem e o mal

Todavia, não nos enganemos: quando nos determinamos a fazer o bem, alguns agradecerão — de modo fraco, o mais das vezes… — e outros nos odiarão, com uma virulência muito maior, comparativamente, do que o reconhecimento dos primeiros. Qual a razão deste ódio?

Pensemos em Nosso Senhor: não era por ter curado o homem da mão seca ou porque violasse o sábado que os fariseus e os herodianos queriam matá-Lo. Tal era sua divina ação de presença que, ao manifestar-Se em público, Ele dividia os campos, conforme fora predito por Simeão: “Eis que este Menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações” (Lc 2, 34-35). Quem aceitava as graças de fé por Ele trazidas, acreditava logo; quem as rejeitava, odiava-O também imediatamente.

Com efeito, sempre que alguém levanta uma objeção contra o bem demonstra ser condescendente em relação ao mal, e a quem entra pelas sendas do mal ninguém pode compreendê-lo… Mistério da iniquidade! Neste ódio irreconciliável há um pecado contra o Espírito Santo — impugnar a verdade conhecida — que “jamais terá perdão” (Mc 3, 29). É uma rejeição total à Verdade, à Bondade, à Misericórdia em essência, isto é, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e, portanto, ódio a Deus. Diante desta má vontade, de nada adiantam os argumentos lógicos, nem o magnífico éclat da virtude consegue convencer.

Tal inimizade existe desde que, no Céu, satanás e seus sequazes se revoltaram contra Deus, e há de se prolongar até o fim do mundo (cf. Gn 3, 15). Assim como os ensinamentos e a sabedoria de Jesus iam transparecendo com maior fulgor durante sua vida terrena (cf. Lc 2, 52), também nos vários períodos da História a figura d’Ele, refletida na Igreja, se vai manifestando em seus múltiplos aspectos, e vemos a cada dia a verdade se tornar mais brilhante e a santidade, mais coruscante. Inclusive os ataques sofridos pela Igreja ou as heresias, que brotam às vezes, contribuem para isso (cf. I Cor 11, 19), porque exigem graças especiais do Espírito Santo que iluminem quem estuda para defendê-la. Desta maneira ela se torna mais explicitamente bela.

Ora, como já dissemos, o que acontece a Nosso Senhor e à sua Esposa Mística também se repete com os que Lhes pertencem pelo Batismo: o mundo verá em nós um raio da divindade de Cristo e, ainda hoje, Ele produzirá irritação nos que não creem e entusiasmo nos que creem. Como o próprio Jesus proclamou, Ele veio selecionar e escolher, salvar e santificar (cf. Mt 10, 34-35; Lc 10, 16). Ele continua sendo pedra de escândalo até a consumação dos tempos.

Na luta pelo bem, saibamos lidar com o mal

Nos dois episódios narrados no Evangelho deste 9º Domingo do Tempo Comum, Nosso Senhor mostra como aqueles que tomam o partido do bem têm de ser sábios, espertos e sagazes, e nunca devem cochilar, para não cair nas ciladas do mal; ao contrário, devem deixá-lo sempre em má situação. Eis uma lição a ser imitada! Aprendamos a lidar com o mal como o Divino Mestre, entendendo que ele é um adversário irredutível, capaz de chegar às últimas consequências, isto é, levar-nos ao martírio, como a Jesus.

Quando formos incompreendidos e perseguidos por amor à justiça, saibamos aceitar com resignação e alegria, pois nos aproximamos de Nosso Senhor. Ante a dureza de coração dos fariseus, Ele demonstrou ira e tristeza. Tal deve ser, exatamente, a nossa postura de alma: indignação contra o delírio de opor-se a Deus e pena que nos inspire a rezar pelos que nos perseguem.


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