De rejeitado a onipotente

Solenidade da Santíssima Trindade

Até que ponto o escândalo produzido pelo Filho do Homem em sua vida pública está na raiz da honra, poder e glória recebidas em sua Ressurreição?

Por Mons. João S. Clá Dias, EP

Jesus foi pedra de escândalo

Durante sua vida pública, Cristo dividiu os campos entre o bem e o mal, a verdade e o erro, o belo e o feio. Assim o mostrou, por exemplo, São Beda, o Venerável, ao afirmar: “Quando Jesus pregava e prodigalizava seus milagres, as multidões eram tomadas pelo temor e glorificavam o Deus de Israel; mas os fariseus e escribas acolhiam com palavras carregadas de ódio todos os ditos que procediam dos lábios do Senhor, como também as
obras que realizava”.

Já ao ser o Menino Deus apresentado no Templo, Maria ouviu de Simeão estas palavras: “Eis que este Menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições” (Lc 2, 34). O fato de Jesus ter sido pedra de escândalo é uma das causas de O terem odiado e de O tratarem como o Homem mais rejeitado da História. Este escândalo deu-se, sinteticamente, por três razões.

1. Por sua humildade e grandeza. A Pessoa Divina de Jesus une em Si dois extremos opostos: a humildade e a grandeza. Que o Messias nascesse em uma gruta, talvez ainda fosse aceitável para o orgulho humano, mas morrer na Cruz… Era levar esta virtude até limites inconcebíveis. De outro lado, Cristo, de dentro de sua inferior condição humana, demonstrou seu domínio sobre as enfermidades e a própria morte, sobre os mares, os ventos e as tempestades, causando espanto até aos seus mais íntimos. É-nos fácil compreender a humildade, contudo, vê-la harmonicamente subsistir com a grandeza, num mesmo ser, choca nossa débil inteligência. Entretanto, Jesus nos chama à prática destas virtudes opostas: por um lado, estarmos convictos de nossa contingência; por outro, vivermos na plena compenetração de sermos, pelo Batismo, filhos de Deus.

2. Jesus, ademais, escandalizou por sua doutrina. Não só por expô-la com clareza e integridade totais, mas por ser Ele a própria Verdade em essência: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai senão por Mim” (Jo 14, 6). Não é difícil compreender o espanto de muitos ao ouvir o filho do carpinteiro dizer isto!

Como afirma Donoso Cortés, célebre escritor do século XIX, o homem aceita verdades, todavia tem dificuldade em admitir a Verdade. A acirrada polêmica de Jesus com os fariseus tinha em seu cerne esta problemática: apontava o Divino Mestre para o grave dever moral de adequar a vida e os costumes à Lei de Deus. Mas, sobretudo, convidava seus ouvintes a aceitá-Lo como fonte e substância de tudo aquilo que pregava.

Os fariseus eram hipócritas, condutores cegos, serpentes, raça de víboras, etc. (cf. Mt 23, 13-33), e em seu orgulho estavam resolvidos a nunca aceitar a Verdade. Daí a perseguição até a morte, movida por eles contra o Verbo Encarnado.

3. Por fim, Jesus escandalizou por sua santidade: “Ora, este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, pois as suas obras eram más. Porquanto todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas” (Jo 3, 19-20).

Ainda hoje — e assim será até o dia do Juízo — o pecador, em sua concupiscência, tem horror ao justo, pois, à luz da vida deste, dá-se conta da maldade e feiura do vício que abraçou, e não querendo abandoná-lo, procura destruir ou denegrir o símbolo que o censura. A verdadeira santidade consiste em conhecer a Verdade, amá-la e praticá-la, ainda que isto possa levantar incompreensões e até rejeição. Disto Ele nos deu pungente exemplo no “consummatum est”(Jo 19, 30), do alto da Cruz: de sinal de escárnio e de ignomínia, ela foi transformada pelo Redentor em trono de honra, poder e glória.

Na rejeição está a origem de seu poder

Terminadas estas considerações, voltamos a nos perguntar: onde encontrar a base da onipotência dada ao Filho do Homem?

Enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Cristo é onipotente desde toda a eternidade. E, enquanto Homem, participa deste poder na sua plenitude, devido à união hipostática entre a natureza humana e a divina na Pessoa do Verbo.

Não é a esta origem de seu poder régio e universal que Jesus faz referência no trecho do Evangelho de hoje, pois afirma explicitamente: “Toda a autoridade Me foi dada no Céu e sobre a Terra”. Este versículo tem estreita relação com a realeza de Cristo por direito de conquista. Ou seja, pelo fato de ter redimido o mundo pela sua Paixão e Morte de Cruz. Trata-se de um domínio que Lhe foi dado no tempo, e não daquele seu eterno, como tão claramente transparece em Daniel (cf. Dn 7, 13-14), Lucas (cf. Lc 1, 32-33) e muito mais na Encíclica Quas Primas, de Pio XI: “Que coisa há mais doce e suave para nós que o pensamento de que Cristo impera sobre nós, não só por direito de natureza, senão, ademais, por direito de conquista, adquirido à custa da Redenção?”.

Eis o fundamento de “toda a autoridade” entregue a Cristo-Homem: sua Paixão e Morte, a Redenção do mundo. Ora, foi pelo escândalo produzido por Jesus, sem a menor fímbria de respeito humano, que Ele foi rejeitado e crucificado. Pela aceitação humilde desta total rejeição, fez-Se objeto de tão grande mérito: de rejeitado, tornou-Se onipotente Por este motivo, Ele mesmo disse aos discípulos de Emaús: “Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?” (Lc 24, 26). ♦️


Excertos de “O Inédito sobre os Evangelhos, Ano B. Solenidade da Santíssima Trindade.

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