V Domingo da Quaresma
Ao receber um sinal de sua Paixão próxima, Jesus vê chegar a hora da glorificação
Mons. João S. Clá Dias, EP
Naquele tempo, 20 havia alguns gregos entre os que tinham subido a Jerusalém, para adorar durante a festa. 21 Aproximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e disseram: “Senhor, gostaríamos de ver Jesus”. 22 Filipe combinou com André, e os dois foram falar com Jesus. 23 Jesus respondeu-lhes: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. 24 Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto. 25 Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. 26 Se alguém Me quer servir, siga-Me, e onde Eu estou estará também o meu servo. Se alguém Me serve, meu Pai o honrará. 27 Agora sinto-Me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-Me desta hora!’? Mas foi precisamente para esta hora que Eu vim. 28 Pai, glorifica o teu nome!” Então, veio uma voz do Céu: “Eu O glorifiquei e O glorificarei de novo!” 29 A multidão que aí estava e ouviu dizia que tinha sido um trovão. Outros afirmavam: “Foi um Anjo que falou com Ele”. 30 Jesus respondeu e disse: “Essa voz que ouvistes não foi por causa de Mim, mas por causa de vós. 31 É agora o julgamento deste mundo. Agora o chefe deste mundo vai ser expulso, 32 e Eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a Mim”. 33 Jesus falava assim para indicar de que morte iria morrer (Jo 12, 20-33).
A Liturgia seleciona o Evangelho deste domingo com vistas à preparação da Paixão de nosso Salvador. A Morte de Jesus se avizinha e, ao mesmo tempo, já se antecipam os primeiros lampejos de sua glorificação posterior. “Per crucem ad lucem!” — chegará aos esplendores do triunfo por meio da Cruz.
O sinal esperado por Nosso Senhor
Ao longo do Evangelho, várias vezes a natureza humana de Nosso Senhor aparece com maior intensidade, enquanto noutras ocasiões refulge sua divindade. No presente episódio, Ele reage como Homem àquele pedido dos gregos, com o qual ficou intensamente impressionado. Por quê? Porque estava à espera de um sinal claro de que sua hora estava chegando. A aproximação desses gentios — conforme comenta Santo Agostinho — era este sinal, pois dava a entender que povos de todas as nações haveriam de crer n’Ele depois de sua Paixão e Ressurreição. Indício, portanto, do caráter universal de sua pregação e missão, e da aproximação da hora em que seria glorificado.
Vinham mesclados, pois, o presságio da glorificação e o dos horríveis tormentos pelos quais Ele haveria de passar: “‘e Eu, quando for elevado da terra” — dirá pouco mais adiante — “atrairei todos a Mim’. Jesus falava assim para indicar de que morte iria morrer”. O enfoque dado por Jesus à sua Morte é de triunfo, de glorificação. Procuremos aprofundar este ponto.
Aproxima-se a hora da glorificação
Sabemos que a humildade é uma alta virtude, cuja prática é imposta a todos pelo Divino Mestre: “todo aquele que se exaltar será humilhado, e todo aquele que se humilhar será exaltado” (Lc 14, 11). E Nossa Senhora cantou no Magnificat: “Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou
os humildes” (Lc 1, 51-52).
A condenação dos orgulhosos encontra-se praticamente do início ao fim da Sagrada Escritura, na mesma linguagem contundente destes dois trechos.
Entretanto, vemos agora nosso Redentor afirmar: “Chegou a hora em que Filho do Homem vai ser glorificado”. Já em ocasião anterior Jesus havia dito: “Não busco a minha glória. Há quem a busque e Ele fará justiça” (Jo 8, 50). E mais próximo à Paixão, “Jesus afirmou essas coisas e depois, levantando os olhos ao Céu, disse:
‘Pai, é chegada a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho glorifique a Ti […]. Agora, pois, Pai, glorifica-Me junto de Ti, concedendo-Me a glória que tive junto de Ti, antes que o mundo fosse criado’” (Jo 17, 1.5).
Como explicar esta aparente contradição?
Na verdade, existe uma glória verdadeira ao lado da glória vã. Assim, Jesus não procura sua própria glória, mas não deixa de afirmar a máxima excelência de sua natureza divina e de manifestá-la aos outros, sempre que as circunstâncias o exijam. Há, então, uma exaltação e uma glória que são boas. Como se distinguem da vanglória? Com sua consagrada clareza, São Tomás de Aquino elucida este problema na Suma Teológica.
Glória e vanglória
O Doutor Angélico começa por se perguntar se o desejo de glória é pecado. Para responder, ele lembra que, segundo Santo Agostinho, “ser glorificado é receber um brilho”. E continua: “O brilho tem uma certa beleza que se manifesta diante de todos. É a razão pela qual a palavra glória implica manifestação de alguma coisa que os homens acham bonita […]. Aquilo que é brilhante em si mesmo pode ser visto por muitos e de muito longe. Por isto mesmo se usa o termo glória para indicar que o bem de alguém se torna conhecido de muitos e recebe aprovação geral”.
Tendo definido o sentido de glória, ele afirma: “Que alguém conheça e aprove seu próprio bem, não é pecado”. Igualmente “não é pecado desejar que suas boas obras sejam aprovadas pelos outros, porque se lê em São Mateus: ‘Que vossa luz brilhe diante dos homens’ (5, 16a). Por esta razão o desejo da glória, de si mesmo, não designa nada de vicioso”.
Em sentido contrário, explica São Tomás que o apetite da glória vã é vicioso e se verifica em três circunstâncias: quando a realidade da qual se quer tirar a glória não existe ou não é digna de glória; quando as pessoas junto às quais se procura a glória não têm opiniões confiáveis; e quando o desejo de glória não está relacionado com o fim necessário, isto é, a honra de Deus ou a salvação do próximo.
Na sequência de seu raciocínio, o Aquinate afirma: “o homem também pode desejar sua própria glória para o serviço dos outros, como consta no Evangelho: ‘Para que vejam vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos Céus’ (Mt 5, 16b)”. A glória que podemos receber de Deus não é vã, e ela está prometida em recompensa pelas boas obras.
É legítimo desejar a própria glória
O resultado é que se pode desejar o louvor ― continua o Santo ― “enquanto útil a alguma coisa, ou para que Deus seja glorificado pelos homens, ou para que os homens tirem proveito do bem que acaso vierem a descobrir em outro, ou até mesmo para que o próprio indivíduo, conhecendo pelo testemunho do elogio alheio o bem que tem em si mesmo, continue seu esforço para perseverar no bem e progredir mais ainda”.
Temos, portanto, de um lado a vanglória, e de outro a verdadeira glória, virtuosa desde que voltada para o louvor de Deus, para o fazer bem aos outros e para a própria santificação.
São Tomás conclui sua análise tratando da necessidade de cada um zelar por sua boa fama, e assevera: “É recomendável que alguém cuide de preservar seu bom nome, e de se fazer ver como bom diante de Deus e pelos homens. Mas jamais deleitar-se de maneira vã nos elogios humanos”.
Em vista disso, almejar a própria honra é uma obrigação. Assim nos exorta o Livro do Eclesiástico: “Cuida em procurar para ti uma boa reputação, pois esse bem ser-te-á mais estável que mil tesouros grandes e preciosos. A vida honesta só tem um número de dias; a boa fama, porém, permanece para sempre” (41, 15-16). O Livro dos Provérbios vai no mesmo sentido: “Bom renome vale mais que grandes riquezas; a boa reputação vale mais que a prata e o ouro” (22, 1). E São Paulo aconselha: “Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens” (Rm 12, 17). Analisemos agora as belíssimas palavras de Jesus, suscitadas pelo pedido daqueles gregos.
Duas lições
O Evangelho de hoje nos traz duas belas e importantes lições: para a glória de Deus, não só devemos aceitar o sacrifício de nossa própria vida, como também apartar-nos da vanglória; e, se necessário for, buscar a verdadeira glória para o bem dos outros e de nós mesmos.
“Christianus alter Christus — O cristão é um outro Cristo”. Temos a obrigação de ser outros Cristos no que tange ao fim último para o qual fomos criados e redimidos: “ad maiorem Dei gloriam”, para a maior glória de Deus, conforme o lema escolhido por Santo Inácio de Loyola para a sua Companhia de Jesus. ♦️
Excertos de “O Inédito sobre os Evangelhos”, ano B. V Domingo da Quaresma.
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