Jesus, fonte da temperança

V Domingo do Tempo Comum

A dor, este mal inevitável que acompanha todo homem, só encontra remédio na ação sumamente temperante do Divino Mestre

Por Monsenhor João S. Clá Dias, EP

Naquele tempo, 29 Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André. 30 A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus. 31 E Ele Se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los. 32 À tarde, depois do pôr do Sol, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio. 33 A cidade inteira se reuniu em frente da casa. 34 Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios. E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem Ele era. 35 De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus Se levantou e foi rezar num lugar deserto. 36 Simão e seus companheiros foram à procura de Jesus. 37 Quando O encontraram, disseram: “Todos estão Te procurando”. 38 Jesus respondeu: “Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que Eu vim”. 39 E andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios (Mc 1, 29-39).

O mistério da dor

A medicina alcançou, em nossos dias, um sucesso extraordinário, curando doenças antigamente consideradas mortais. Outrora era impensável um transplante de órgãos ― coração, fígado, rins ―, como hoje é feito com relativa frequência e facilidade. Quantas maravilhas a ciência realizou! Entretanto, eliminar por inteiro as enfermidades e a dor é impossível.

Se não é factível a extirpação dos males físicos, o mesmo acontece, e muito mais, com os espirituais: vemo-nos amiúde rodeados de decepções, dramas, aflições, incertezas, perplexidades, brigas, discórdias que destroçam as famílias… A vida está cheia de contrariedades e não nos é dado fugir totalmente delas, nem há dinheiro que compre uma completa satisfação nesta Terra. Como reagir, pois, em face da dor?

O homem tem necessidade de sofrer

Pensemos na felicidade do homem no Paraíso. Lá, onde os vegetais e os seres inanimados estavam sob o seu domínio, e os animais lhe obedeciam; admiravelmente equilibrado, ele desfrutava de um prazer enorme, inefável, pleníssimo, porque não existia nada que o fizesse sofrer, mas só motivos de alegria. Não havia tempestades, o clima era sempre ameno, favorecido por brisas suaves e serenas, e a tranquilidade da natureza era imagem da calma temperamental do homem, adornado pelo dom de integridade, graças ao qual estava livre de todo movimento desordenado de seus apetites sensíveis. Portanto, não conhecia a dor.

Nesta perspectiva, imaginemos que Adão e Eva não tivessem caído, e no Paraíso Terrestre se desenvolvesse uma sociedade em que as pessoas se relacionassem em harmonia, vivendo no gozo perfeito e sem experimentar padecimento algum. Suponhamos, ainda, que nesse ambiente se introduzisse um indivíduo com pecado original: ele conviveria com os outros sem a menor possibilidade de desentendimento com ninguém, sendo tratado com elegância e consideração, num bem-estar colossal por ser objeto de todo o desvelo, cuidado e carinho. No entanto, embora pareça um absurdo, este homem teria um sofrimento pavoroso… o sofrimento de não sofrer!

Procuremos agora conceber outra situação: um príncipe que, a cada instante, fosse atendido em todas as suas veleidades, sem margem a nenhum aborrecimento. Se ele pensasse em comer, trar-lhe-iam toda espécie de iguarias; se sonhasse com uma cama, teria à disposição, imediatamente, um colchão de plumas de ganso de inigualável suavidade; se sentisse sede, lhe ofereceriam os mais finos refrescos que pudesse haver no mundo, à temperatura que ele quisesse! Pois bem, a partir dos ensinamentos dos espiritualistas católicos conclui-se que este personagem hipotético, e qualquer outro semelhante, seria, mais do que ninguém, tomado de tremenda amargura de alma. Por quê? Porque a criatura humana, depois do pecado original, tem sede de sofrimento .

A necessidade de exercício e de movimentação de nosso corpo não é senão um reflexo, posto por Deus, de análoga necessidade do espírito em relação à dor. Quando alguém, por exemplo, quebra um osso do braço e se vê obrigado a imobilizá–lo durante certo tempo, ao retirar o gesso leva um susto por constatar que o braço se encontra emagrecido e flácido. Ser-lhe-á preciso fazer fisioterapia, a fim de que o membro recupere a força. Também a alma, sem o sofrimento, se torna esquálida, definha e perde o vigor.

O sentido católico da dor

Erram, portanto, as escolas filosóficas que procuram explicar o sofrimento de maneira diversa da visualização católica, afirmando que ele tem de ser evitado a todo custo ou ser assumido com espírito autodestrutivo. A única Religião que encara bem a dor é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Ela mostra quanto a dor é indispensável e deve ser compreendida.

Nós só a entendemos realmente ao olhar para Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz. Ele Se encarnou com o objetivo de reparar o pecado cometido pela humanidade, de restaurar a glória de Deus e a ordem; e quis fazê-lo através dos tormentos de sua Paixão.

Todos nós pecamos em nossos pais Adão e Eva, além de incorrermos em inúmeras faltas atuais durante a vida, atentando contra a glória do Criador. Ora, sabemos que o Sétimo Mandamento não se viola somente ao roubar o dinheiro ou a propriedade de outrem, mas também ao recusar a glória que a Deus pertence. E se, no primeiro caso, para ser perdoada a transgressão se exige a restituição daquilo que se furtou, não é menos imperioso devolver a Deus a glória que o pecado Lhe negou.

É esta, exatamente, a prova à qual Deus submete as criaturas inteligentes, Anjos e homens: a de nunca julgar seus êxitos e conquistas fruto dos próprios esforços, reputando-se a si mesmos fonte das qualidades que lhes foram concedidas, sejam energia, inteligência ou capacidade de trabalho. Antes, temos de reconhecer que os méritos vêm de Deus, pois é Ele quem nos dá tudo, quer no campo natural, quer, sobretudo, no sobrenatural, como disse Nosso Senhor: “sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15, 5).

Neste sentido, a dor é um meio de mover a alma a restituir o que recebeu e de passarmos bem pela prova, ao deixar patente quanto somos contingentes diante de Deus, fazendo-nos voltar para Ele. Nos sucessos, pelo contrário, é fácil fecharmo-nos em nós e, cegos de autossuficiência, esquecermos o Criador, acabando por nos desligarmos d’Ele. “A enfermidade e o sofrimento” ― assegura o Catecismo ― “sempre estiveram entre os problemas mais graves da vida humana. Na doença, o homem experimenta sua impotência, seus limites e sua finitude. […] A enfermidade […] pode tornar a pessoa mais madura, ajudá- la a discernir em sua vida o que não é essencial, para voltar-se àquilo que é essencial. Não raro, a doença provoca uma busca de Deus, um retorno a Ele”.

Ademais, o sofrimento é o melhor purificador de nossas almas, já que, através dele, nos arrependemos de nossas faltas, nos confessamos miseráveis e mendicantes da graça e do perdão divino. “Tomar sua cruz, cada dia, e seguir a Jesus é o caminho mais seguro da penitência”.

Abracemos a dor com os olhos fixos na Cruz de Cristo

Hoje somos convidados a aceitar a dor como uma necessidade, e a compreendê-la como um elemento fundamental para o equilíbrio da alma, a fim de ela não mais se apegar às criaturas e chegar à plena união com Deus. Se nos sentirmos inclinados a pedir-Lhe que faça cessar alguma dor, rezemos com confiança, certos de sermos ouvidos; porém, se recebermos a inspiração de suportar com resignação a adversidade ― seja ela uma doença, uma provação ou uma simples dificuldade ―, roguemos a Ele que nos dê as forças imprescindíveis para viver com alegria, da qual Ele mesmo deu exemplo, juntamente com sua Santíssima Mãe. Sobretudo, não cedamos à má tristeza, aquela que produz o desânimo, e mantenhamos no fundo da alma a determinação de cumprir a vontade de Deus; aí, sim, virá a paz. ⚜️


O Inédito sobre os Evangelhos, IV Domingo do Tempo Comum, ano B.


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