XXIX Domingo do Tempo Comum
Vivendo em harmonia e cooperação, a sociedade temporal e a espiritual proporcionam as condições para o verdadeiro progresso humano
Monsenhor João S. Clá Dias, EP
Naquele tempo, 15 os fariseus fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra. 16 Então mandaram os seus discípulos, junto com alguns do partido de Herodes, para dizerem a Jesus: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não Te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas um homem pelas aparências. 17 Dize-nos, pois, o que pensas: É lícito ou não pagar imposto a César?” 18 Jesus percebeu a maldade deles e disse: “Hipócritas! Por que Me preparais uma armadilha? 19 Mostrai-Me a moeda do imposto!” Levaram-Lhe então a moeda. 20 E Jesus disse: “De quem é a figura e a inscrição desta moeda?” 21 Eles responderam: “De César”. Jesus então lhes disse: “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 15-21).
O homem foi criado por Deus para viver em sociedade, sob duas autoridades: a temporal e a espiritual. Qual deve ser sua atitude ante uma e outra? Eis o tema do Evangelho do 29o Domingo do Tempo Comum.
O modo de ação do mal
Naquele tempo, 15 os fariseus fizeram um plano para apanhar
Jesus em alguma palavra.
Nesse episódio, merece igual atenção de nossa parte a maneira de agirem os maus. Quando deseja armar ciladas aos bons, o mal, antes de apresentar-se declaradamente, costuma preparar sua ação por um longo processo. Foi como agiram os fariseus com Nosso Senhor. De início, usaram a astúcia da serpente para, depois, se insurgir contra Ele de modo público e agressivo. Aqui vemo-los no decurso da primeira operação, desejando surpreender Jesus em flagrante, a fim de lançarem contra Ele a opinião pública.
Em nossa própria vida privada, quantas e quantas vezes, da mesma forma, não somos nós surpreendidos por este método farisaico utilizado pelo mal para perseguir os que se esforçam em seguir os passos de Jesus? Imitemos a sabedoria de Nosso Senhor Jesus Cristo: não nos deixemos surpreender…
A respeito das tais táticas farisaicas, consta mais este detalhe no Evangelho:
16a Então mandaram os seus discípulos, junto com alguns do
partido de Herodes…
É outra demonstração de sua maldosa astúcia: escolheram alguns jovens, alunos de escolas rabínicas, para causar a impressão de autenticidade, como se tivessem real interesse em aprender. E os instruíram a se aproximar do Divino Mestre com demonstrações de respeito. Sobre este particular, comenta o acatado exegeta Louis Claude Fillion: “Por isso, no princípio evitaram apresentar-se em pessoa, temerosos de excitar sua desconfiança. Enviaram-Lhe alguns de seus jovens talmudim ou discípulos, os quais, com candura aparente, vieram propor-Lhe um caso de consciência, esperando que o resolvesse de modo que ficasse numa situação muito difícil”.
Mas outro dado chama a atenção: enviaram-nos “junto com alguns do partido de Herodes”. Mesmo quando estão em campos opostos, é incrível a capacidade dos maus de se unirem contra o bem. Os fariseus anelavam a independência e supremacia de Israel, e odiavam os romanos; os herodianos apoiavam a família de Herodes, que recebeu seu poder dos romanos. Assim, embora encarniçados adversários, fariseus e herodianos encontram-se irmanados neste episódio, em busca de um fim comum: o deicídio.
Da astúcia da serpente faz parte a adulação insidiosa:
16b …para dizerem a Jesus: “Mestre, sabemos que és verdadeiro
e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não Te deixas
influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas um homem
pelas aparências”.
Com tais palavras, os fariseus condenam-se a eles mesmos. Com efeito, não eram sinceros e viviam preocupados com a opinião alheia a respeito de si próprios, só cuidando das aparências.
17 “Dize-nos, pois, o que pensas: É lícito
ou não pagar imposto a César?”
Se Jesus optasse pela obrigação moral de pagar o imposto exigido pelos romanos, prontas já estavam as tubas dos adversários para sublevar os israelitas contra Ele, pois não era admissível um Messias que Se manifestasse a favor da submissão ao estrangeiro gentio.
De outro lado, se Jesus negasse a liceidade do tributo, seria denunciado às autoridades romanas, que por certo o condenariam à morte. Aqui fica claro o papel dos herodianos nesse episódio. “Como adeptos do governo de Roma, seriam acusadores e testemunhas, se a resposta de Jesus lhes parecesse contrária aos interesses do Império”, comenta o já mencionado Fillion.
Jesus inverte os papéis
Na sequência do episódio evangélico, Nosso Senhor quiçá haja surpreendido seus adversários pela veemência da resposta:
18 Jesus percebeu a maldade deles e disse: “Hipócritas! Por que
Me preparais uma armadilha?”
Que grande diferença entre os métodos empregados respectivamente pelo mal e pelo bem! Os fariseus adulam para perder; Jesus increpa para salvar.
Não podiam os fariseus se queixar por receberem essa severa recriminação. Jesus, a Sabedoria Eterna e Encarnada, respondia em primeiro lugar à intenção oculta deles: tentar com hipocrisia. “Não lhes responde suavemente de acordo com as palavras pacíficas que Lhe haviam dirigido, mas com aspereza, segundo suas más intenções; porque Deus responde aos pensamentos e não às palavras”. E os desmascarava diante do público. Jesus continuou:
19 “Mostrai-Me a moeda do imposto!” Levaram-Lhe então a moeda.
Os romanos permitiam que moedas de cobre fossem cunhadas pelas autoridades do povo local. Nelas eram impressas figuras tiradas dos reinos vegetal e animal. O denário, entretanto, moeda de prata para uso em todo o Império, era monopólio de Roma. Com ele se pagava o imposto e tinha gravada a efígie do imperador, cingida de uma coroa de louros, com esta inscrição: “Tibério César, sublime filho do divino Augusto”.
Ao fazer os fariseus Lhe mostrarem uma dessas moedas, Jesus acabava de inverter os papéis. Deixava evidente que, embora em teoria rejeitassem o imperador como senhor do país, na prática o aceitavam, utilizando-se de seu dinheiro. Eles, de seu lado, perceberam para onde caminharia a resposta. Contudo, em sua maldade e cegueira, iludiam-se, esperando ainda uma possível falha de Nosso Senhor. Podemos imaginar a atmosfera de suspense formada nesse instante.
20 E Jesus disse: “De quem é a figura e a inscrição desta moeda?”
Método de suprema sabedoria em responder: obrigar o adversário a tirar a conclusão da própria afirmação que fez. Os inquiridos passaram a ser os fariseus.
21 Eles responderam: “De César”. Jesus então lhes disse: “Dai
pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
Eis a resposta que se gravou para sempre nos céus da História. Quem utilizava o dinheiro de César, que lhe pagasse o imposto devido, ainda mais tendo em vista os benefícios proporcionados à Palestina pela administração romana.
Em se tratando de uma nação essencialmente teocrática, como era a judaica, compreende-se a perplexidade na qual muitos podiam se encontrar. Porém, havia uma situação, de fato, da qual não se podia prescindir.
O ensinamento de Jesus sobre a harmonia entre a ordem espiritual e a temporal
As coisas de Deus e as coisas da Terra não devem ser antagônicas. Pelo contrário, entre elas deve haver colaboração. Na harmonia entre ambas as esferas, a temporal e a espiritual, está o segredo do progresso. E a História nos mostra que nada pode haver de mais excelente do que seguir o conselho de Nosso Senhor: “Buscai antes o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Lc 12, 31).
Seja dito de passagem, nessa conjugação e colaboração entre o espiritual e o temporal é que, segundo o seu carisma, esforçam-se os Arautos do Evangelho: atuar procurando a consecratio mundi, a sacralização da ordem temporal, enquanto leigos, e sendo filhos amorosos da Igreja, fiéis ao Papa, como instrumentos da Nova Evangelização.
Harmonia dentro de nós
Pode-se dizer que há uma espécie de convívio entre as duas esferas dentro do homem, uma vez que temos para conosco deveres referentes à nossa vida espiritual e às necessidades de nosso corpo. A tal respeito, comenta Orígenes: “Também podemos entender essa passagem no sentido moral, porque devemos dar ao corpo algumas coisas, como o tributo a César, isto é, o necessário; mas tudo o que corresponde à natureza das almas, isto é, o que se refere à virtude, devemos oferecer ao Senhor. Os que ensinam a Lei de modo exagerado e ordenam que não cuidemos em absoluto das coisas devidas ao corpo […] são fariseus, que proíbem pagar o tributo a César; e os que dizem que devemos conceder ao corpo mais do que devemos, são herodianos.
Nosso Salvador quer que a virtude não seja desprezada, quando prestamos demasiada atenção ao corpo; nem que seja a natureza oprimida, quando nos dedicamos com excesso à prática da virtude”.
Concluamos, seguindo o conselho de Santo Agostinho: se nos preocupamos com as moedas nas quais está gravada a efígie de César, muito mais devemos nos preocupar com nossas almas, nas quais Deus gravou sua própria imagem. Se a perda de um bem terreno nos entristece, muito mais nos deve contristar o causar dano à nossa alma pelo pecado.
O inédito sobre os Evangelhos. Comentários aos Evangelhos dominicais. Ano A. Vol. II.
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