Como encontrar Jesus na aridez?

Domingo da Sagrada Família
Comentário ao Evangelho

Há momentos de nossa vida espiritual em que também nós
“perdemos o Menino Jesus”. Ou seja, com ou sem culpa, a graça
sensível pode desaparecer. Para reencontrá-Lo, devemos procurá-
-Lo por meio da oração e dos seus ensinamentos.

Por Mons. João S. Clá Dias, EP

Uma vida de aparência normal

Não devemos supor que na Sagrada Família tudo era absolutamente místico, sobrenatural e pleno de consolações.

Do Menino Jesus não se pode dizer que vivia de fé porque sua alma estava na visão beatífica. Entretanto, quis que seu Corpo tivesse o desenvolvimento normal de um ser humano. Assim, por exemplo, não nasceu falando, embora pudesse falar todas as línguas do mundo.

Nossa Senhora e São José levavam também uma vida inteiramente comum na aparência e, como todos os homens, sofreram perplexidades e angústias. Disto nos dá um exemplo o Evangelho deste domingo: “Teu pai e Eu estávamos, angustiados, à tua procura”.

Aflição de Maria e José

4 Pensando que Ele estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois começarama procurá-Lo entre os parentes e conhecidos.
45 Não O tendo encontrado, voltaram para Jerusalém à sua procura.

Podemos bem calcular a grande dor de Maria e José, atônitos diante desse fato, para o qual não encontravam explicação.

Sabiam que o Messias deveria ensinar toda a sua doutrina e depois seria condenado à morte. Isto os deixava receosos, como afirma a Glosa, de que “aquilo que Herodes tentara levar a cabo em sua primeira infância, agora, encontrando uma ocasião oportuna, o fizessem outros, matando-O nessa idade”.

Procuravam-No, então, pelo caminho — com que angústia! —, temendo achá-Lo morto. Ao sofrimento da dúvida sobre a causa do desaparecimento de Jesus, somava-se o da incerteza sobre a ocasião. Como fora acontecer agora? Transida de dor, Nossa Senhora certamente Se lembrava da profecia de Simeão: “Uma espada transpassará a tua alma” (Lc 2, 35).

Preocupação, aflição e angústia, sim, mas numa superior paz de alma. Maria Santíssima talvez Se poria o problema de ser Ela a culpada pelo acontecido, por alguma falta de amor a Deus. A separação do adorável Filho seria, nesse caso, uma divina repreensão. Daí estar Ela na aflição das aflições e sentir no coração a espada de dor! Ela e José talvez julgassem não terem sido dignos da guarda daquele Tesouro, de não terem correspondido à missão que receberam. E isso os deixava em grande desolação.

Quando afinal O encontraram, a Virgem Mãe e São José, absortos pelo sofrimento, nem se deram conta da admiração causada pelo Menino Jesus aos doutores — “maravilhados com sua inteligência e respostas” —, como ressalta o grande exegeta Lagrange: “A aprovação dos doutores seria de molde a lisonjear os pais, e sobretudo teria dado ocasião à doce complacência de uma mãe; mas Maria estava assumida pela dor e tomada de surpresa”.

Diante dos mestres da Lei, o Menino Jesus estava dando testemunho de sua missão, dezoito anos antes de iniciar sua vida pública, conforme comenta São Beda: “Para provar que era Deus, respondia-lhes de uma maneira sublime quando O interrogavam”. Agindo assim, estava ajudando aquelas pessoas a se aperceberem de que chegara a hora do Messias e da libertação do povo judeu. Libertação não do domínio romano, mas espiritual, em ordem à salvação eterna: as portas do Céu iriam ser abertas!

Maria e José dão-nos aqui exemplo de como devemos nos comportar quando a graça sensível se afastar de nós. Antes de tudo, evitar qualquer atitude de revolta; se aconteceu, foi porque Deus quis. São os percalços da vida, os dramas, as dificuldades que a Providência permite para unir-nos mais a Ela.

Aceitemos tudo com o mesmo estado de espírito dos pais de Jesus. E quando revirmos Nosso Senhor, teremos também admiração.

Na pergunta feita por Nossa Senhora, não se nota uma manifestação de queixa. Com sua retíssima consciência, Ela demonstra aflição e perplexidade, desejando uma explicação para, assim, melhor servir a Deus. Essa deve ser também nossa atitude, resignada e amorosa, face aos problemas que se nos deparam ao longo da vida.

Oração e doutrina

Que aplicação tem esta passagem do Evangelho para nossa vida espiritual? Há momentos de nossa existência nos quais temos a sensação de ter “perdido o Menino Jesus”, isto é, com ou sem culpa nossa, a consolação espiritual desaparece e nos sentimos de samparados. O que fazer quando percebemos que estamos sem graças sensíveis, sem aquilo que nos dava ânimo e sustentação para praticar a virtude?

Esta passagem do Evangelho ensina-nos a imitar Maria e José: ir atrás do Menino Jesus, isto é, pôr-se à procura da graça sensível, quando ela se retirar. Quando estivermos aflitos, na aridez, devemos procurar Jesus no Santíssimo Sacramento. Não há nada, absolutamente nada do necessário para nossa santificação que, se pedirmos a Jesus Eucarístico, não acabemos por obter.

Contudo, não nos esqueçamos de que, no Templo, Nosso Senhor estava entre os mestres da Lei, o que bem pode significar a importância da doutrina para nos sustentar na hora da provação. Daí decorre para nós a necessidade de uma boa e sólida formação doutrinária.

Como quem vai fazer uma longa viagem providencia com antecedência documentos, roupas apropriadas e tudo o mais, assim precisamos fazer nós: rezar muito e conhecer bem a doutrina, a fim de estarmos preparados para atravessar os períodos de aridez. Se tivermos os princípios bem vincados na alma, quando bater o vento da provação, as folhas estarão firmes na árvore da fé. ♦️


Excertos da obra “O Inédito sobre os Evangelhos”. Vol. V. Domingo da Sagrada Família.

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