A verdadeira procura da felicidade

No décimo quinto ano do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judeia, Herodes administrava a Galileia, seu irmão Filipe, as regiões da Itureia e Traconítide, e Lisânias a Abilene; 2 quando Anás e Caifás eram sumos sacerdotes, foi então que a palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias, no deserto. 3 E ele percorreu toda a região do Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, 4 como está escrito no Livro das palavras do profeta Isaías: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas. 5 Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados. 6 E todas as pessoas verão a salvação de Deus’” (Lc 3, 1-6)

II Domingo do Advento
Comentário ao Evangelho

Em busca da felicidade, muitos se arriscam por vias equivocadas
que terminam na frustração. A mensagem de São João Batista
surge na História como um farol seguro a iluminar o caminho
para encontrá-la.

Por Mons. João S. Clá Dias, EP

A procura da felicidade

Quem se detivesse a fazer uma breve análise das pessoas do próprio meio ou até de outras menos próximas — incluindo antepassados, personagens históricos, figuras destacadas no contexto mundial hodierno ou de outrora —, perceberia que, apesar da diferença de mentalidade, aptidões ou estilo de vida, é possível nelas distinguir um traço comum, norteador de seus atos: o desejo de ser feliz. Entretanto, apesar de todos, sem exceção, procurarem a felicidade com infatigável ardor, muitos chegam ao fim de seus dias sem a terem encontrado…

Qual será a causa desses esforços frustrados? O problema é que “todos querem ser felizes e nem todos desejam viver do único modo como se pode ser feliz”, observa Santo Agostinho. Ao invés de orientar sua existência para Deus, Bem supremo e fim último do homem, único Ser que sacia por completo esta aspiração, muitos são ludibriados pelo mundo e acabam trilhando vias paralelas ao verdadeiro caminho. Nunca serão felizes, pelo simples fato de seguirem um itinerário que não conduz a Deus.

Alguns, por exemplo, enredam-se nas ilusões do dinheiro. Veem o equilíbrio financeiro como sinônimo de prestígio, poder e influência na sociedade, bem como garantia de um futuro despreocupado. Não é raro, porém, que a existência de quem muito possui tenha características bem diversas de uma estável tranquilidade, sobretudo quando entesouram para si mesmos e não são ricos para Deus (cf. Lc 12, 21). Vivem na insaciável ambição de acumular cada vez mais — pois quem “ama a riqueza nunca se fartará” (Ecl 5, 9) — e, quanto maior for a opulência, tanto maiores serão suas aflições para administrá-la e conservá-la.

Já para outros, a ilusão será a ciência. Aspirando a dominar assuntos de difícil compreensão para o geral das pessoas e obstinados pela ideia de serem laureados pela erudição, consomem o tempo em estudos, pesquisas e escritos. Fazem do saber a finalidade última da existência, esquecendo-se de que ele é apenas um meio dado por Deus ao homem para conhecê-Lo melhor e remontar a considerações mais elevadas. Por ser limitado, o conhecimento humano jamais satisfará a sede de felicidade da alma, que anseia pelo Infinito. Por isso, muitos intelectuais, mesmo sendo aplaudidos pelo mundo, terminam seus dias na amargura.

E, às vezes, esses falsos caminhos levam não só à frustração, como também ao absurdo. É o que se verifica em nossos dias, por exemplo, com pessoas que se submetem a dietas rigorosas para se adequarem aos padrões de beleza física impostos pela moda. Julgando que se sentirão plenamente satisfeitas com os elogios e a admiração provocada por uma exagerada magreza, prescindem não só do nobre prazer do paladar temperante, mas inclusive da saúde. Em casos extremos, essa enganosa via da felicidade torna-se um atalho para abreviar a própria vida…

Nessa perspectiva, nossa consideração recai sobre uma figura ímpar na História, contemplada neste 2º Domingo do Advento: o Precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo. Que relação podemos encontrar entre sua mensagem e a busca da felicidade?

Um Precursor à altura?

Devido aos diversos fatos extraordinários relacionados com o nascimento de São João Batista (cf. Lc 1, 5-25.57-66), as notícias a seu respeito se propagaram “por todas as montanhas da Judeia” (Lc 1, 65), despertando a admiração popular. A esse início cheio de celebridade, porém, sucederam-se anos de completo apagamento aos olhos do mundo.

Apartando-se do convívio social, João “viveu no deserto até o dia em que se apresentou diante de Israel” (Lc 1, 80). Tal deserto corresponde a uma região agreste, quase toda desabitada, compreendida entre o Lago de Genesaré e o Mar Morto, e que se estendia a partir da margem ocidental deste último até os limites das terras férteis da Judeia. Ali o menino cresceu e fortificou-se em espírito (cf. Lc 1, 80) pela prática de um rigoroso ascetismo, vestindo-se de pele de camelo e alimentando-se de mel silvestre e gafanhotos (cf. Mc 1, 6; Mt 3, 4), até à idade de mais ou menos trinta anos, quando começou a exercer seu ministério. Esse estilo de vida permite-nos imaginá-lo como “um homem profundamente recolhido, de uma grande delicadeza de alma e extrema modéstia, tão absorto em Deus que se tem a impressão de que só com esforço ele consegue sair de sua contemplação”.

À primeira vista, tão misteriosa austeridade pode parecer o extremo oposto da glória infinita do Verbo Encarnado, de quem João era Precursor. Da mesma forma como a entrada do Menino Deus no mundo havia sido anunciada aos pastores por um Anjo refulgente de luz (cf. Lc 2, 9) e aos Reis Magos pela estrela que os conduziu a Belém (cf. Mt 2, 1-12), seria de se esperar que o começo de sua vida pública também fosse precedido por aparições semelhantes ou por extraordinários fenômenos da natureza. Bem diferente, entretanto, foi o anúncio feito por João Batista, pois sua grandeza não era aparatosa. “Sua autoridade lhe vinha desta pureza mais que terrestre e da majestade da graça que o destacava aos olhos do povo como um homem superior ao resto da humanidade, encarregado de censurar e repreender, é verdade, como também investido de uma missão de inefável misericórdia”.

A essência da verdadeira grandeza

Entre outras razões, Deus procedeu desta forma para não tirar aos judeus a possibilidade de adquirir o mérito da fé, crendo na divindade de Jesus quando O vissem pessoalmente. Com efeito, se as exterioridades do arauto de Cristo correspondessem às pompas do cerimonial prestado à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade pela corte celeste, ter-se-ia extinguido o estado de prova dos contemporâneos de Nosso Senhor em relação ao mistério da Encarnação. Pela força da evidência, o aspecto esplendoroso de João Batista seria suficiente para concluir que o Mestre por ele anunciado era o próprio Deus.

Por outro lado, quis a Providência nos ensinar que o verdadeiro valor do homem está em seu interior, embora muitas vezes o mundo não o reconheça. Não foi entre os líderes da política ou da religião em Israel, cujos nomes abrem o Evangelho de hoje, que Deus escolheu o seu Precursor.

O eleito para esta missão de importância ímpar na História foi um homem sui generis para os costumes da época, sem qualquer prestígio social. Não obstante, sua excelência sobrenatural fê-lo ultrapassar em grandeza a todos os homens, conforme o próprio Jesus revelou: “Em verdade vos digo, não surgiu entre os nascidos de mulher alguém maior que João Batista” (Mt 11, 11). Portanto, como é próprio à ação divina, também neste caso a Providência escolheu o que havia de melhor. O anunciador de Cristo possuía a mais nobre das qualificações: fora santificado ainda no ventre materno, tornando-se cheio do Espírito Santo e, por isso, era “grande diante do Senhor” (Lc 1, 15).

Daí decorre também ser São João Batista um exemplo do quanto, para Deus, mais vale o homem pelo que é do que por aquilo que faz. Nossos atos exteriores nos obtêm mérito sobrenatural mais pela disposição interior que nos anima, do que pelo esforço empregado ao realizá-los. Modelo supremo, nesse sentido, é Maria Santíssima, cujo amor a Deus e fervor de intenção fê-la dar “mais glória a Deus pela menor de suas ações — por exemplo, fiando na roca, dando pontos de agulha —, que São Lourenço sobre a grelha, no seu cruel martírio, e o mesmo em relação às mais heroicas ações de todos os santos”, ensina São Luís Grignion de Montfort.

Eliminar a mediocridade e o orgulho

5a“‘Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão
rebaixadas…’”

Chamado a viver em função de sua dignidade de filho de Deus e a ter os olhos sempre postos nos elevados panoramas da Fé, muitas vezes o homem dá as costas a esse plano superior e concentra toda a atenção nas coisas concretas, preocupando-se excessivamente com os bens materiais e com banalidades próprias à existência terrena. Tal mesquinhez leva-o a se esquecer da efemeridade desta vida e, menosprezando a eternidade, a viver como se o Criador não existisse. Formam-se na alma, então, os vales da ausência de Deus. A par disso, há também montanhas e colinas na vida espiritual. São as elevações do amor-próprio desregrado, o qual se manifesta das mais diversas maneiras. Por exemplo, no desejo de chamar a atenção alheia sobre as qualidades pessoais, reais ou supostas, procurando sobressair em relação aos demais. Além de aterrar os vales da mediocridade materialista, é preciso nivelar essas proeminências do orgulho.

É interessante aqui observarmos um pormenor do texto evangélico, pois, neste versículo, o Precursor não dá uma ordem, como no anterior, mas faz uma afirmação: os vales serão aterrados; as montanhas e colinas serão rebaixadas. Com a vinda de Nosso Senhor ao mundo foram deixados à disposição da humanidade os Sacramentos, meios eficazes para essa reforma interior. Conferindo a graça à alma, eles corrigem os desníveis que se interpõem no caminho da perfeição e dificultam o progresso espiritual. Como comenta São Cirilo, “quando Deus feito homem destruiu o pecado em sua carne, tudo foi aplainado e
se tornou fácil o caminho, não havendo montes nem vales que fossem obstáculo para quem quisesse caminhar”.

Resta ao homem unir a esse auxílio divino o próprio esforço, sempre consciente de que cada avanço, mesmo quando pequeno, se deve à graça obtida por Cristo e não a seu mero empenho.

As racionalizações, passagens tortuosas da consciência

5b “‘… as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados’”.

As racionalizações — ou seja, os falsos raciocínios elaborados pelo homem para justificar suas próprias faltas — são desvios muito sutis na vida espiritual, pois encobrem a inconsistência do erro com a aparência sólida da verdade. As passagens tortuosas são uma imagem adequada desses desonestos subterfúgios do pecador, que foge ao se deparar com o aguilhão da consciência que o importuna, advertindo-o a respeito do mal que pretende fazer ou repreendendo-o pelas faltas já praticadas.

Só com tais evasivas o homem consegue permanecer nos acidentados caminhos do pecado. Para eliminar essas ardilosas irregularidades do terreno é preciso a virtude da retidão, a qual faz a pessoa ver por inteiro sua própria fraqueza e maldade, reconhecendo-se pecadora e necessitada do amparo sobrenatural para não soçobrar nas tentações. Porém, o fator decisivo é, mais uma vez, a ação divina, ressaltando aos olhos do homem o horror do pecado e a noção de que Deus conhece todas as coisas, inclusive os mais íntimos pensamentos e as intenções do coração.

Deus deve estar no centro da vida do homem

6 “‘E todas as pessoas verão a salvação de Deus’”.

Estas palavras finais são muito exatas, não só para significar a universalidade da missão de Nosso Senhor, como também a atitude dos homens em relação a Ele, livres que são para aceitá-Lo ou rejeitá-Lo e, em vista disso, obter a salvação ou a perdição eterna. Daí a razão de São João não dizer que todos se salvarão, mas sim que todos verão a salvação, como comenta o padre Duquesne: “O Salvador, enviado de Deus, veio para todos os homens e foi anunciado a todos os homens; nem todos, entretanto, O reconheceram e O seguiram. Mas dia virá em que todos O verão como seu Juiz”.

Finalmente, voltando ao problema da felicidade, ao qual nos referíamos no início, podemos ver a conversão pregada pelo Precursor como um farol seguro a iluminar o percurso para lograr o êxito na busca desse tesouro desejado por todos nós, pois o objetivo de cada um de seus ensinamentos se reduz a um só: fazer o homem viver em função de Deus e não de si mesmo.

Deus nos levará até o fim

O Evangelho deste 2º Domingo do Advento, ao mostrar-nos a estreita relação entre a conversão e a felicidade, propõe a cada um de nós um desafio. De um lado, compreendemos a necessidade de pôr em prática as admoestações de São João Batista, reformando-nos espiritualmente. De outro, pesam-nos as consequências do pecado original e de nossos pecados atuais, e vemos quão incapazes somos de levar a cabo uma reforma interior sem a força da graça de Deus. Não conseguimos sequer fazer digna penitência por nossas faltas! É o desafio da santidade, diante do qual se encontra todo cristão. Cabe a nós nunca desanimar a meio caminho, mas crer com fé robusta que Ele, tendo começado em nós essa boa obra, a levará à perfeição, conforme escreve São Paulo aos Filipenses no trecho escolhido para a leitura deste domingo (cf. Fl 1, 6).

Tal obra se inicia com o Batismo, quando Deus introduz na alma a graça, fazendo-a participar da vida divina. Conferida como uma semente, deve ela se desenvolver durante toda a existência, “até alcançar em cada um de nós a plenitude que corresponda ao grau de nossa predestinação em Cristo”.

Existem obstáculos, entretanto, que impedem seu desenvolvimento… São os montes, vales e demais sinuosidades colocadas pelo próprio homem no terreno de sua alma, onde a graça deveria crescer. O desejo de remover tais empecilhos, o emprego de todos os meios a nosso alcance para eliminá-los e, sobretudo, a confiança na onipotência divina são a contribuição que a Providência espera de nós nessa obra de perfeição, cujo Autor e Consumador é o próprio Deus.

Como alento de nossa esperança, voltemos nosso olhar a Nossa Senhora, Auxílio dos Cristãos, que a cada instante intercede por nós junto a seu Divino Filho. Todos os dons por nós recebidos nos foram alcançados por sua mediação. Ora, “Ela não pode ser a Senhora das obras inacabadas. Ela é a Senhora das construções terminadas, das grandes obras levadas a termo”, afirma com unção o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.

Resta-nos, portanto, abandonarmo-nos aos maternais cuidados de Maria Santíssima, certos de que Ela mesma Se encarregará de conduzir à plenitude este ousado empreendimento de nos fazer perfeitos assim como o Pai celeste é perfeito (cf. Mt 5, 48).


Excertos da obra “O Inédito sobre os Evangelhos”. Vol. 5.

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