As três vindas do Senhor

Naquele tempo disse Jesus a seus discípulos: 25 “Haverá sinais no Sol, na Lua e nas estrelas. Na Terra as nações ficarão angustiadas com pavor do barulho do mar e das ondas. 26 Os homens vão desmaiar de medo, só de pensar no que vai acontecer ao mundo porque as forças do céu serão abaladas. 27 Então eles verão o Filho do Homem vindo sobre uma nuvem com grande poder e glória. 28 Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça; porque a vossa libertação está próxima. 34 Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; 35 pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes da Terra. 36 Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21, 25-28.34-36).

I Domingo do Advento
Comentário ao Evangelho

No Natal, o Messias desceu à Terra sob os véus da humildade.
No fim dos tempos, virá em todo esplendor e glória, como
supremo Juiz. Entre essas duas vindas, segundo São Bernardo
de Claraval, há uma “terceira vinda” de Jesus, que ocorre a todo
instante de nossa vida.

Por Monsenhor João S. Clá Dias, EP

As duas vindas de Cristo

A despreocupação com que a criança vive e brinca lhe advém em grande medida da confiança no apoio, para ela infalível, do pai ou da mãe. Essa salutar segurança é, – sem dúvida, uma das razões para a desanuviada e contagiante alegria infantil.

Relacionamento semelhante a esse entre filhos e pais, na ordem natural, observa-se também entre o homem e Deus, na ordem espiritual. É o que poeticamente exprime a Sagrada Escritura ao dizer: “Mantenho em calma e sossego a minha alma, tal como uma criança no seio materno, assim está minha alma em mim mesmo” (Sl 130, 2).

Deus é muito mais do que um pai terreno

Deus, como incomparável Pai, nos ama verdadeira e incondicionalmente, e fica agradado sempre que pedimos seu auxílio, não importa em que situações. Entretanto, ao contrário da criança, que jamais se esquece dos seus progenitores, tendemos a levar a vida cotidiana sem considerar quanto dependemos da Divina Providência, a qual nunca deixa de velar por nós. E essa propensão à autossuficiência seria muito maior se nossas debilidades, limitações e infortúnios não nos recordassem frequentemente o quanto precisamos da ajuda divina.

Ora, Deus é para nós muito mais do que um pai terreno, pois d’Ele dependemos de forma absoluta, essencial e única. Em primeiro lugar, Ele nos criou: devemos-Lhe nossa existência. Ademais, Ele nos conserva, nos sustenta no ser, o que nenhum pai humano pode fazer a seu filho. Se Deus, por assim dizer, cessasse de pensar em nós um instante, deixaríamos de existir, voltaríamos ao nada. Em relação a Ele, nossa dependência é total.

Além disso — mistério de amor! —, Deus Se encarnou para nos remir. E o preço pago para essa Redenção foi a morte na Cruz, derramando todo o seu Sangue por nós. Mais, verdadeiramente, não poderia Ele fazer pela humanidade.


É nessa perspectiva da bondade de Deus que nos ama como Pai e nos redime, que devemos entrar no período do Advento que hoje começa, e é também nessa clave que comemoramos, na Liturgia deste domingo, as duas vindas de Nosso Senhor.

Uma vinda na humildade e outra na glória

Na primeira, que já se realizou, o Menino Jesus apresentou-Se pobre, humilde, sem qualquer manifestação de grandeza: “Revestido da nossa fragilidade, Ele veio a primeira vez para realizar seu eterno plano de amor e abrir-nos o caminho da salvação”. De forma bem diversa se dará a segunda, no fim dos tempos, quando Nosso Senhor vier para julgar os vivos e os mortos: “Revestido de sua glória, Ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos, que hoje, vigilantes, esperamos”.

Mostra o grande Bossuet como, ao assumir a natureza humana, Deus quis fazê-lo nas condições mais modestas, humilhando-Se até o inconcebível: “Ele como que caiu, do seio de seu Pai, no de uma mulher mortal, daí num estábulo, e daí desceu, por sucessivos graus de rebaixamento, até a infâmia da Cruz, até a escuridão do túmulo. Reconheço que não era possível cair mais baixo”.

Ora, tão humilde quanto foi o nascimento de Jesus, gloriosa será sua segunda vinda, a respeito da qual afirma São Gregório Magno: “Aquele a quem não quiseram escutar quando Se apresentou humilde, eles O verão descer em grande poder e majestade, e experimentarão o seu poder, tanto mais rigoroso quanto menos dobrem agora a cerviz do coração ante a paciência d’Ele”.

O acentuado contraste entre essas duas situações leva o padre Dehaut a exclamar: “Que diferença entre esta segunda vinda de Jesus e a primeira! Na primeira, Ele Se apresentou aos homens na fraqueza da infância, na pobreza e na indigência, escapando, pela fuga, aos emissários de um tirano sanguinário. Na segunda, descerá cercado de glória e majestade, como Rei do Universo”.

As quatro semanas do Advento

O Tempo do Advento compõe-se de quatro semanas, representando os séculos e milênios que esperou a humanidade pela vinda do Redentor. Nesse período, tudo na Liturgia se reveste de austeridade — omite-se o Glória, os paramentos são roxos e as flores não enfeitam mais o interior dos templos — para lembrar “nossa condição de peregrinos, ancorados ainda na esperança”,6 como afirma o famoso liturgista Manuel Garrido.

A causa de estar dedicado o Evangelho deste primeiro domingo à segunda vinda de Nosso Senhor é assim explicada por Dom Maurice Landrieux, Bispo de Dijon: “A Igreja nos fala do fim do mundo, isto é, dos Novíssimos, para recordar-nos o sentido da vida, desapegar-nos do pecado e encorajar-nos à prática do bem. Deus nos criou para a vida eterna. Não temos morada permanente nesta Terra: aqui estamos de passagem, a caminho do Céu”.

Daí que, já no início da Celebração Eucarística, a Igreja faça esta oração: “Concedei a vossos fiéis o ardente desejo de possuir o reino Celeste, para que, acorrendo com as nossas boas obras ao encontro do Cristo que vem, sejamos reunidos à sua direita na comunidade dos justos”.

Assim, nesta abertura de Ano Litúrgico, temos duas preparações: uma para comemorar dignamente o nascimento de

Jesus em Belém; outra, para o grandioso ato de encerramento da História humana, que é o Juízo Final. Pois “a lembrança da última vinda de Nosso Senhor, inspirando-nos um salutar pavor que nos afasta do pecado e nos conduz ao bem, prepara-nos também para celebrar santamente a primeira vinda”.

Na segunda e terceira semanas são considerados aspectos do Precursor; e na última a Liturgia trata de uma preparação mais direta para o nascimento do Redentor, considerando toda a espera e as orações de Nossa Senhora, dos patriarcas, dos profetas, como fatores que aceleraram a vinda do Messias à Terra.

Vigilância e oração

Bem observam os professores de Salamanca o fato de São Lucas não acompanhar seu relato com parábolas, como fazem os outros sinópticos. Ele traz apenas uma exortação geral. “Em compensação, exprime bem o sentido dessa vigilância constante em pureza de vida e oração”.

Ficar atento significa estar sempre preparado para o encontro com Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora, mantendo bem abertos, não apenas os olhos do corpo, mas, sobretudo, os da alma, pois são estes que poderão indicar a proximidade do Senhor. E para isto precisamos viver continuamente em estado de oração, mesmo quando estivermos cumprindo nossas obrigações habituais. Só assim poderemos estar preparados para os grandes acontecimentos anunciados por Jesus e nos apresentar “de pé diante do Filho do Homem”, isto é, íntegros, honestos e virtuosos. Em suma, permanecendo no estado de graça.

Na vida terrena, muito mais importante do que conservar a saúde, o dinheiro ou qualquer outro bem, é manter-se na graça de Deus. Portanto, esforçando-se por jamais ofendê-Lo; mas, se tiver a desgraça de cair no pecado, procurando imediatamente reconciliar-se com Ele, pelo Sacramento da Confissão. A isso nos exorta São Gregório Magno: “Emendai-vos, mudai vossos costumes, vencei as tentações e castigai com lágrimas os pecados cometidos, porque algum dia vereis a chegada do eterno Juiz com tanto maior segurança quanto mais tiverdes prevenido pelo temor sua severidade”.

A “terceira vinda”

A Liturgia do 1º Domingo do Advento é toda ela penetrada pela perspectiva da comemoração da primeira vinda de Nosso Senhor, com seu nascimento na Gruta em Belém, e pela preparação da segunda, que se dará no fim do mundo para julgar toda a humanidade.

De acordo com São Bernardo de Claraval, porém, são três as vindas de Nosso Senhor: a primeira, quando Ele veio por sua Encarnação; a segunda é cotidiana, quando Ele vem a cada um de nós, pela sua graça; e a terceira, quando virá para julgar o mundo. Em outra passagem, especifica o Doutor Melífluo que o segundo advento de Cristo é oculto e “somente os eleitos o veem em si mesmos, e com ele salvam suas almas”. Ele está vindo constantemente a nós para ser “nosso repouso e consolo”.

Assim, a todo instante somos chamados a ter um encontro com Jesus. Será, sobretudo, na Eucaristia. Mas também, por exemplo, ao meditar este Evangelho do 1º Domingo do Advento, ou escutando uma palavra inspirada de algum ministro de Deus. Por isso, nossa vida deveria em realidade girar em torno de um Natal permanente, que se iniciasse ao acordar pela manhã e não terminasse sequer ao dormir à noite, porque para tudo dependemos da graça de Deus e devemos estar continuamente esperando o auxílio que nos vem d’Ele.

Fiquemos atentos e aproveitemos esses valiosos convites da graça de modo a estarmos em condições de receber, não com pavor e desespero, mas com júbilo, o justo Juiz que descerá do Céu em toda pompa e majestade e dirá àqueles que nesta Terra confiaram em sua misericórdia e cumpriram seus Mandamentos: “Vinde, benditos de Meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo” (Mt 25, 34). Quem tiver sempre em vista esse fim, terá ânimo redobrado para praticar a virtude e comparecer sem temor ao encontro definitivo com Nosso Senhor.

Preparemo-nos, portanto, porque Ele virá quando menos esperarmos! ♦️


Excertos da obra “O Inédito sobre os Evangelhos”. Vol. 05. Tempo do Advento. Ano C.

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