A conversa noturna

IV Domingo da Quaresma (Domingo Lætare)

Recebendo afavelmente um potencial discípulo, Jesus, o primeiro evangelizador da História, procura prepará-lo com cuidado e tato didático para ser capaz de crer na sua divindade

Mons. João S. Clá Dias, EP

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: 14 “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, 15 para que todos os que n’Ele crerem tenham a vida eterna. 16 Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho Unigênito, para que não morra todo o que n’Ele crer, mas tenha a vida eterna. 17 De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18 Quem n’Ele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho Unigênito. 19 Ora, o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. 20 Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. 21 Mas, quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” (Jo 3, 14-21).

Ânimos divididos ante a figura de Jesus

O presente Evangelho é a parte final da conversa noturna havida entre Jesus e Nicodemos. Antes deste encontro, havia Ele realizado o milagre das Bodas de Caná e expulsado os vendilhões do Templo. Crescia o número dos convertidos, pois todos comprovavam a grandiosidade de Jesus “à vista dos milagres que fazia” (Jo 2, 23). Entretanto, não era íntegra como deveria ser a fé daqueles admiradores, porque as esperanças do povo judeu estavam voltadas para um Messias politizado, carregado de dotes humanos, segundo o conceito mundano da época. Por isso “Jesus mesmo não Se fiava neles” (Jo 2, 24). Se alguns chegavam a discernir os aspectos sobrenaturais de Jesus, faltava-lhes, contudo, a proporcionada abnegação e entrega para segui-Lo incondicionalmente.

Apesar disso, da parte do povo miúdo a nota tônica era de franca simpatia.

De dentro dessa moldura social, psicológica e religiosa, surge a figura de Nicodemos. Segundo São João, trata-se de um fariseu, príncipe dos judeus que, receando comprometer sua reputação no meio de seus companheiros, procurou encontrar-se com Jesus de maneira oculta (cf. Jo 3, 1-2).

A serpente de bronze, símbolo do Filho do Homem

Tendo partido do Monte Hor na direção do Mar Vermelho, o povo judeu se revoltara contra Moisés, e até mesmo diretamente contra Deus, devido ao cansaço, ao enfaramento e à falta de pão, água e de outro alimento que não o maná. Por castigo, Deus enviou ao acampamento israelita serpentes, cujas picadas produziam inflamação, febre e, por fim, a morte; daí seu nome: “ardentes”. Imploraram então os judeus a intercessão de Moisés junto a Deus. Este não eliminou o mal, apenas concedeu-lhes um remédio: todo aquele que fosse atacado pelo mortífero animal, ficaria imediatamente curado se olhasse para uma serpente de bronze a qual, por ordem divina, o profeta havia fixado sobre um poste (cf. Nm 21, 4-9).

Este objeto foi tomado pelo povo como um símbolo da cura que lhes era concedida por Deus.

Nicodemos devia conhecer a interpretação exata de tal milagre, constante no Livro da Sabedoria: “eles possuíram um sinal de salvação […]. E quem se voltava para ele era salvo, não em vista do objeto que olhava, mas por Vós, Senhor, que sois o Salvador de todos” (16, 6-7).

Imagem da Redenção

É divina a didática de Jesus. Conforme os comentaristas, entre as múltiplas imagens da Redenção do gênero humano, nenhuma é superior a esta: uma serpente sem veneno para curar os males produzidos por picadas de serpentes. Afirma São Paulo: “como pelo pecado de um só a condenação se estendeu a todos os homens, assim por um único ato de justiça recebem todos os homens a justificação que dá a vida” (Rm 5, 18); “Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão” (I Cor 15, 22).

Por que razão é o bronze a matéria da serpente salvadora? Variadas são as opiniões. Preferimos a de Eutímio: por representar Cristo, a serpente não deveria ser de substância frágil, de modo que pudesse tornar patente a diferença entre nossa carne, sujeita ao pecado, e a do Redentor, forte e invulnerável à mínima fímbria de imperfeição.

“Atrairei todos os homens a Mim”

O Filho do Homem deveria ser levantado tal qual a serpente de bronze de Moisés. O primeiro significado desta comparação salta à mente como sendo sinônimo de glorificação. E decerto o entendeu Nicodemos, pois não pediu explicações a esse respeito, como faria a multidão mais tarde: “Como dizes Tu: Importa que o Filho do Homem seja levantado?” (Jo 12, 34). Essa nota de glória transparece com clareza na voz que veio do Céu: “Já O glorifiquei e tornarei a glorificá-Lo” (Jo 12, 28), sobre a qual Jesus comenta: “E quando Eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a Mim” (Jo 12, 32). Ou seja, todos os povos, judeus e pagãos, iriam reconhecê-Lo como o Salvador.

Pré-figura da Crucifixão

No entanto, está também figurada a Crucifixão, como ressaltam todos os comentaristas, por exemplo, Santo Agostinho:

“Que significa a serpente levantada ao alto? A Morte do Senhor na Cruz. Porque a morte provém da serpente, por sua efígie foi simbolizada. A mordedura da serpente é mortal. A Morte do Senhor é vital. Olha-se para a serpente a fim de aniquilar o poder da serpente. Que significa isso? Olha-se para a Morte para aniquilar o poder da morte. Porém, que Morte é esta? É a Morte da Vida, se é que se pode dizer Morte da Vida; e porque se pode dizer, é admirável. […] Cristo não é a Vida? Todavia, foi suspenso na Cruz. […] Mas na Morte de Cristo, a morte encontrou sua morte. Porque a Vida que foi morta matou a morte; a plenitude da Vida tragou a morte: a morte foi absorvida pelo Corpo de Cristo. […] Assim como os que olhavam para a serpente de bronze não morriam com as mordeduras das serpentes, assim os que olham com fé para a Morte de Cristo ficam curados das mordeduras dos pecados. Mas aqueles eram livres da morte no tocante à vida temporal, enquanto estes têm a vida eterna. Aqui está a diferença entre o sinal figurativo e a realidade em si. A figura não dava senão a vida temporal, enquanto a realidade dá a vida eterna”.

Oração final

Jesus, em sua infinita bondade, quis o melhor dos efeitos para a alma de Nicodemos ao longo desta conversa noturna, a qual passou para a História e hoje se desenrola diante de meus olhos, nesta Liturgia. Quando eu me coloco no lugar de Nicodemos, brotam no fundo de meu coração anseios de adoração, arrependimento e súplica, em face dessa Luz que veio ao mundo:

“Não permitais, ó meu Jesus, que eu faça parte dos que odeiam a luz. Fazei com que eu creia ‘no nome do Filho Unigênito de Deus’. Por Maria Santíssima, eu Vos peço, concedei-me a graça de uma plena dor de minhas faltas, considerando-me o maior de todos os pecadores, sem jamais perder a confiança no ilimitado valor de vosso preciosíssimo Sangue. Aumentai minha esperança, minha fé e meu amor a Vós, para que, na vossa luz, eu possa vir a contemplar a Luz por toda a eternidade. Amém”. ♦️


Excertos de O Inédito sobre os Evangelhos, Vol. III. Ano B. IV Domingo da Quaresma.

amor aparecida apostolado apostolado do oratório arautos do evangelho arautos sacerdotes cidades comentario ao evangelho comunhão reparadora comunidade coordenadores Cristo deus devoção encontro eucaristia evangelho familias fátima grupos do oratorio heraldos del evangelio igreja imaculado coração de maria jesus liturgia maria meditação missa missao mariana Monsenhor João Clá Dias natal Nossa Senhora nossa senhora de fátima nosso senhor Notícias o inédito sobre os evangelhos oratório oração paróquia peregrinação Plinio Correa de Olivieira primeiro sábado santa missa santíssima virgem

Deixe uma resposta