A inocência, a Eterna Lei…

Naquele tempo, 2 alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para pô-Lo à prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher. 3 Jesus perguntou: “O que Moisés vos ordenou?” 4 Os fariseus responderam: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la”. 5 Jesus então disse: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento. 6 No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. 7 Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. 8 Assim, já não são dois, mas uma só carne. 9 Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!” 10 Em casa, os discípulos fizeram, novamente, perguntas sobre o mesmo assunto. 11 Jesus respondeu: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. 12 E se a mulher se divorciar de seu marido e casar com outro, cometerá adultério”. 13 Depois disso, traziam crianças para que Jesus as tocasse. Mas os discípulos as repreendiam. 14 Vendo isso, Jesus Se aborreceu e disse: “Deixai vir a Mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. 15 Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”. 16 Ele abra-ava as crianças e as abençoava, impondo-lhes as mãos (Mc 10, 2-16).

XXVII Domingo Do Tempo Comum

Depois de restituir ao matrimônio a sua original pureza, o Divino Mestre ensina que a inocência deve reger o ser humano em qualquer estado de vida.

Por Mons. João S. Clá Dias, EP

A origem da instituição matrimonial

A Liturgia do 27º Domingo do Tempo Comum nos apresenta, em palavras da Revelação, uma perfeita síntese da moral católica a respeito do matrimônio. A primeira leitura (Gn 2, 18-24), extraída do Gênesis, explica claramente por que Deus criou o homem e a mulher. Valendo-se de um recurso literário de extraordinário valor, o Autor Sagrado descreve os fatos de maneira poética e atraente, como se Deus fosse aos poucos dando-Se conta das reações de Adão e agindo em consequência.

Deus criou Adão com instinto de sociabilidade

Ao criar o primogênito do gênero humano, Deus pôs em sua alma o instinto de sociabilidade, que se manifesta pela necessidade de uma companhia e por um desejo inextinguível de amar e de ser amado. Depois de o introduzir no Jardim do Éden, disse Ele: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2, 18a), e fez desfilar diante de Adão todos os animais — que no Paraíso lhe obedeciam —, a fim de que lhes desse um nome. Deus assim o fez para que o primeiro homem, extremamente equilibrado, percebesse que, embora possuidores de rica simbologia, nenhum deles era capaz de preencher sua aspiração de amar, nem estava à sua altura, enquanto criatura racional. Terminado, pois, o cortejo da fauna criada por Deus, Adão desencantou-se, porque “não encontrou uma auxiliar semelhante a ele” (Gn 2, 20), e se sentiu só.

Uma vez que chegou a esta conclusão, “Deus fez cair um sono profundo sobre Adão” (Gn 2, 21) — já que era conveniente causar-lhe surpresa — e retirou-lhe uma das costelas, da qual formou Eva.

Bem poderia ter modelado outro boneco de barro, mas preferiu tirá-la dele, visando deixar patente que um era feito para o outro.

Deste modo, promovia entre ambos uma união completa.

Um trampolim para chegar até Deus

Ao despertar e deparar-se com a primeira mulher, Adão exclamou: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!” (Gn 2, 23).

Ela lhe servia de complemento, era um ser com quem podia estabelecer uma relação que satisfizesse aquela apetência de amor com que o Todo-Poderoso o dotara, para uma altíssima finalidade. Destinado para Deus, o homem vive à sua procura, impulsionado por certo “instinto do divino” — correlacionado intimamente com o instinto de sociabilidade que não se sacia em nada da criação. Contudo, porque é composto de corpo e alma, precisa de algo externo que, pela via dos sentidos, lhe facilite a contemplação interior e lhe sirva de elemento de ligação com Deus, enquanto não O vê face a face.

Além disso, era impossível que a totalidade dos atributos divinos fosse representada tão só pelo varão, pois, por exemplo, Deus é fortaleza e vigor e, ao mesmo tempo, suavidade e afeto, extremos que em geral não cabem no gênero masculino. Por isso quis o Senhor dar- lhe uma “auxiliar semelhante” (Gn 2, 18b) — e não igual — que, conjugada com ele, o completasse, refletindo de Deus os aspectos contrários, mas harmônicos. Assim — tendo em vista a realização do plano que, desde todo o sempre, Ele arquitetara para a humanidade —, homem e mulher deveriam ser “uma só carne” (Gn 2, 24), isto é, unir-se para constituir família, com o objetivo de gerar uma prole e educá-la nos caminhos de Deus.

É através desta troca de amores que a pessoa tem noção de quanto ela é estimada por Deus, e é neste relacionamento de doação recíproca que ela encontra um trampolim para chegar até o Infinito.

Eis a base e a solidez de qualquer convívio!

E não apenas entre os que se casam — e a isto é chamada a maioria —, mas ainda entre aqueles que, à imitação de Cristo Virgem, abraçam o celibato “por amor do Reino dos Céus” (Mt 19, 12) e realizam um conúbio com o ideal religioso, com a obrigação de fazer bem aos outros e de entregar-se ao apostolado.

A fonte de nossa inocência, conservada ou restaurada

Em síntese, a Liturgia do 27º Domingo do Tempo Comum é uma apologia da inocência. Ouvimos as palavras de São Paulo na segunda leitura: “Aquele, por quem e para quem todas as coisas existem” ― Jesus Cristo ― “e que desejou conduzir muitos filhos à glória”. Sim, Ele quer os filhos nascidos da união entre o homem e a mulher para levá-los, inocentes, à eterna bem-aventurança! “Pois tanto Jesus, o Santificador, quanto os santificados, são descendentes do mesmo ancestral; por esta razão, Ele não Se envergonha de os chamar irmãos” (Hb 2, 11). Eis a causa de toda a inocência, a fonte de nossa vida espiritual! Cada um de nós esteve na mente de Deus desde toda a eternidade e, em certo momento, passou a existir. No campo sobrenatural temos a mesma origem de Nosso Senhor Jesus Cristo, somos todos irmãos, pertencemos à família divina, e é com vistas a aumentar o número de seus membros que foi instituída a família terrena.

Peçamos o indispensável amparo da graça para conservarmos intacta a inocência, ou para reconquistá-la, e sejamos arautos da Inocência Eterna, Nosso Senhor Jesus Cristo, e da Inocente por excelência, Maria Santíssima. Brilhe a inocência sobre a face da Terra de forma gloriosa, portentosa e extraordinária, e divida a História, como Cristo o fez, sendo pedra de escândalo para salvação de uns e condenação de outros!



Excertos de “O Inédito sobre os Evangelhos”. Vol. IV. Ano B.

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