O verdadeiro centro da vida familiar

Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José

A docilidade dos membros da Sagrada Família à voz de Deus nos ensina que a vida familiar deve ter como objetivo a procura e o cultivo da santidade

Mons. João S. Clá Dias, EP – Fundador dos Arautos do Evangelho


Deus escolheu um lar

A Santa Igreja reserva o domingo posterior ao Natal para cultuar e festejar a Sagrada Família, convidando-nos a refletir sobre o valor e o verdadeiro sentido da instituição familiar. Ela é a célula-mãe, o fundamento da sociedade, e se hoje assistimos a uma tremenda crise moral na humanidade, isso se deve em certa medida à desagregação da família. Abalada esta, o resto da sociedade não se sustenta.

Lemos no Gênesis, que depois de criar o homem e a mulher, Deus abençoou-os e lhes disse: “Frutificai e multiplicai-vos” (1, 28). Era a primeira família, formada por mãos divinas. Esta união é tão adequada à natureza humana que no Antigo Testamento não se compreendia o celibato, pois quase equivalia “a cometer um homicídio, a diminuir no mundo a semelhança divina”, salvo no caso de vocações muito especiais como, por exemplo, a de Santo Elias. Não ter filhos, morrer sem descendência era considerado um sinal de castigo e de maldição.

Já no Novo Testamento, Nosso Senhor Jesus Cristo inaugurou um novo estado de vida, o celibato religioso, do qual Ele próprio é o sublime arquétipo. Também São João Batista, o varão que fechava o Antigo Testamento e apontava para o Novo, não se casou. Uma vez fundada a Igreja, era preciso haver uma noção mais clara e sólida da religiosidade da família, tendo representado um enorme benefício a existência, ao lado desta, de quem se consagrasse inteiramente a Deus pela prática da castidade perfeita. Deste modo se coíbe a tendência que tem o homem de satisfazer seu egoísmo, de se voltar só para o que é material e sensível, esquecendo-se de Deus.

A finalidade da família

Como o desígnio de Deus para a generalidade das pessoas é que o homem se una à mulher para constituírem um lar, a vocação ao celibato é uma exceção aos padrões da natureza. No entanto, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, a família adquire caráter sobrenatural pela elevação da união matrimonial, contrato natural, à categoria de Sacramento, simbolizado na misteriosa e indissolúvel união entre Cristo e sua Igreja.

Isto contraria a ideia errada, em voga na atualidade, de que a família não tem um objetivo religioso, mas apenas social ou afetivo.

Bem outro é, todavia, o conceito expresso por Nosso Senhor: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6, 33).

Quando no seio da família se procura o Reino de Deus, ou seja, a santidade, tendo como modelo supremo Jesus, Maria e José, todo o resto ― dinheiro, comida, lar, etc. ― vai ser concedido por acréscimo. É mister trabalhar para ganhar o pão com o suor do rosto (cf. Gn 3, 19), mas não é essa a finalidade principal da família. Ela existe para educar os filhos na sabedoria e encaminhá-los para o Céu, pois estamos nesta Terra de passagem, preparando-os, portanto, para enfrentar as tribulações deste vale de lágrimas com vistas à eternidade. Por tal perspectiva podemos considerar melhor a Liturgia da festa de hoje, que insiste nestes pontos em cada uma de suas leituras.

Como deve ser a vida familiar santa

A primeira, do Livro do Eclesiástico (3, 3-7.14-17a), trata das obrigações da vida familiar, em particular do prêmio reservado aos que respeitam o pai e a mãe. Um dos versículos finais desta leitura indica bem o quanto é agradável a Deus o amor filial: “a caridade feita a teu pai não será esquecida” (Eclo 3, 15).

Todos esses princípios podem ser sintetizados no refrão do Salmo Responsorial (cf. Sl 127, 1): “Felizes os que temem o Senhor e trilham os seus caminhos!”. O temor de Deus é um dom do Espírito Santo. O desejo de fugir do pecado por medo de ser repreendido e castigado, de ter de padecer no Purgatório ou ser condenado ao inferno, pertence ao temor servil, primeiro grau do temor de Deus. Mais alto e elevado, próprio aos amigos de Deus, é o temor filial de ofender a Deus por ser Ele quem é, o Ser absoluto e perfeitíssimo que nos criou, nos sustenta, nos remiu! Este Salmo nos põe no contexto da relação familiar, que precisa ser pervadida por esse temor de Deus: pai, mãe e filhos jamais quererão ofendê-Lo! Esta é a família bem constituída, imitadora da Sagrada Família.

A segunda leitura, extraída da Epístola de São Paulo aos Colossenses (3, 12-21), insiste no amor mútuo ― conceito atualmente tão deturpado ― como uma novidade trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo. Com efeito, no Antigo Testamento valia a lei de talião: olho por olho, dente por dente (cf. Ex 21, 24), a qual ainda era considerada benigna para aqueles tempos em que o ódio era a regra e não havia limite moral para a vingança.


São Paulo diz: “Vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente se um tiver queixa contra o outro. Como o Senhor nos perdoou, assim perdoai também. Mas, sobretudo, amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição” (Col 3, 12-14). Dentro do convívio familiar deve existir um amor intenso, nem sentimental nem romântico, decorrente do amor a Deus e visando antes de tudo a santificação do outro cônjuge e de toda a família.

É impossível ― ao contrário da ideia divulgada por certos filmes ou novelas ― viver sem dificuldades. “Militia est vita hominis super terram ― A vida do homem sobre a Terra é uma luta” (Jó 7, 1). Eis a verdadeira chave da felicidade familiar: o respeito recíproco entre os esposos. Nunca discutirem ou se desentenderem, sempre dispostos a perdoar as fraquezas mútuas, a suportar as diferenças temperamentais, adaptando-se às preferências do outro. Eloquente exemplo da abnegação que deve imperar em cada lar encontramos no Evangelho escolhido pela Igreja para a festa da Sagrada Família.

13 Depois que os Magos partiram, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o Menino para matá-Lo”. 14 José levantou-se de noite, pegou o Menino e sua Mãe, e partiu para o Egito. 15 Ali ficou até a morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: “Do Egito chamei o meu Filho”. 19 Quando Herodes morreu, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, 20 e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe, e volta para a terra de Israel; pois aqueles que procuravam matar o Menino já estão mortos”. 21 José levantou-se, pegou o Menino e sua Mãe, e entrou na terra de Israel. 22 Mas, quando soube que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Por isso, depois de receber um aviso em sonho, José retirou-se para a região da Galileia, 23 e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelos profetas: “Ele será chamado Nazareno” (Mt 2, 13-15.19-23).

A Sagrada Família, exemplo nas dificuldades da vida

Eis o aspecto maravilhoso da família quando se desenvolve em torno de um eixo: a Lei de Deus, o próprio Deus. A Igreja nos propõe nesta festa litúrgica o inigualável exemplo da Sagrada Família: São José, obediente, de nada se queixa; Nossa Senhora toma os reveses com inteira cordura e submissão; e o Menino Jesus Se deixa conduzir e governar por ambos, sendo Ele o Criador do Universo. Nós também devemos, portanto, ser flexíveis à vontade de Deus e estar dispostos a aceitar com doçura de coração, com resignação plena e total, os sofrimentos que a Providência exigir ao longo de nossa vida. Esta atitude diante da cruz é a raiz da verdadeira felicidade, bem-estar e harmonia familiar, e atrai sobre cada um de nós graças especialíssimas que nos restauram as almas, curando-as das misérias e firmando-as rumo ao Céu.

Peçamos à Sagrada Família que, por sua intercessão, floresça nas famílias de toda a Terra a sólida determinação de abraçar sempre mais a via da santidade, da perfeição e da virtude, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e de Maria, na certeza de que, em compensação, o resto virá por acréscimo. ♦


O Inédito sobre os Evangelhos, Vol. 1, Ano A.

Uma resposta para “O verdadeiro centro da vida familiar”

  1. Perfeita reflexão! É uma bênção muito grande fazer parte desta linda história de amor dos Arautos pela Santa igreja e seus ensinamentos e tanto zelo e respeito pela nossa fé! A igreja será persegida, por isso não desistam porque estão no caminho certo! Estamos em oração

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