A propósito de um episódio ocorrido em sua infância, Dr. Plínio pondera como esta vida é um vale de lágrimas, onde os sofrimentos, dramas e problemas são inúmeros e muitas vezes procuram nos abater.
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São raras vezes, a Providência permite que se abatam sobre o homem as mais aflitivas doenças corporais, para que se volte humildemente a Nossa Senhora e suplique sua cura. Ao se ver atendido, conhece ele a insondável bondade materna de Maria, sentindo-se atraído e conquistado pela melhor de todas as Mães. E mesmo quando Esta não alivia o mal físico, não deixa de consolar a quem Lhe pede, fazendo ver ao doente o benefício que recebe com a cruz, para a sua santificação — que é o bem-estar da alma.
Na Salve Rainha, esta vida recebe o título de “vale de lágrimas”. Quando eu era jovem, ouvia na recitação da “Salve Regina” as palavras “in hac lacrimarum valle — neste vale de lágrimas”, e imaginava os vales que eu via frequentemente na serra existente no caminho de São Paulo a Santos, que naquele tempo se percorria de trem e não de automóvel.
Não é que a todo o momento esteja acontecendo uma coisa que nos arranque lágrimas; isso evidentemente não é verdade, graças a Deus. Mas, por vezes algo nos acontece.
Tudo na Terra é efêmero e passageiro
Ao longo dos meus 74 anos e meio de vida, quanta gente deixei pelo caminho e que era mais moça que eu! A morte os colheu devido a uma doença ou, às vezes, de repente: um acidente, uma parada cardíaca, que os médicos não conseguem explicar.
Quantos sustos o indivíduo tem!
Quando vou a um consultório médico, olho para as fisionomias das pessoas que estão, como eu, sentadas na sala de espera e penso o seguinte: Quantas delas têm bem a ideia das incertezas da vida? Realmente, sucede às vezes que o indivíduo diz ao médico:
— Doutor, eu tenho uma dorzinha aqui.
E pensa que o facultativo vai lhe dar um remediozinho. O médico o examina e lhe recomenda:
— O senhor precisa tirar uma radiografia.
Ele vai ao radiólogo. No dia seguinte, este lhe entrega um envelope fechado, destinado ao médico. O indivíduo volta ao consultório se abanando com aquele envelope. O médico o abre e lhe diz:
— O senhor está com uma doença que exige tratamentos…
O tormento trazido por uma doença
Às vezes ouvimos falar de alguém que contraiu um horrível mal, que o faz sofrer muito. São verdadeiros fantasmas. Precisamos entender que de um momento para outro uma doença dessas nos agride.
Algo assim se passou comigo quando eu era pequeno. Acordei fraquíssimo pela manhã. Isso não acontecia comigo; como todo menino, eu acordava alegre, me levantava, ia dizer bom-dia a papai, mamãe, aprontava-me e começava a vida. Nesse dia eu não conseguia nem sentar-me na cama.
Sendo meu quarto contíguo ao dos meus pais, pus-me a chamar:
— Mamãe, mamãe — e ela veio.
Eu disse a ela:
— Estou me sentindo muito mal. Não sei o que eu tenho.
— O que você sente?
— Uma dor de garganta horrorosa.
Ela mandou-me abrir a boca, viu que eu estava com uma inflamação medonha na garganta e chamou o médico.
Este era homeopata. Tratava-se de um homem alto, saudável, rubicundo, vermelho, tendo num dos dedos um anel com uma esmeralda linda. A esmeralda era o distintivo dos médicos. Eu, que gosto muito de pedras, quando estava com ele nunca perdia oportunidade de olhar para a esmeralda.
Ele entrou no meu quarto, examinou-me e saiu com mamãe.
Eu não fiquei sabendo o que eu tinha, e estava piorando cada vez mais.
Logo depois, ela veio e me contou que o médico disse a ela o seguinte: “A senhora dê para o Plínio tais remédios de hora em hora. Pouco antes das três da tarde, esteja próxima a ele com uma toalha no colo, pois nesta hora ele deve expelir da garganta uma membrana infeccionada. Ele está com uma doença chamada crupe ou angina diftérica. Se ele expelir a membrana, está curado. Quando ele a expelir, feche a toalha porque a membrana está infeccionada; e mande queimar a toalha com a membrana e tudo o mais. Aí o Plínio está salvo. Se não for assim, terá que se fazer uma operação muito dolorida e perigosa”.
Quando chegou mais ou menos três horas, comecei a dar sinais de mal-estar, inquietação. Ela, que era muito previdente, tinha mandado abrir no quintal da casa uma espécie de tumulozinho para essa membrana. Os micróbios ficariam sepultados ali debaixo da terra.
Quando afinal de contas expeli a membrana, ela pediu à empregada ir correndo jogar nesse lugar a toalha com a membrana e pôr terra em cima, o que foi feito rapidamente. Depois ela foi falar pelo telefone com o médico, para contar que estava tudo em ordem.
Quando o médico atendeu desde o seu consultório, mamãe disse a ele:
— Dr. Murtinho…
— Não precisa me dizer o resto porque pela sua voz eu já vejo. A senhora está contente porque a membrana foi expelida.
— Muito obrigada, foi um alívio.
Pode-se imaginar o que ela sofreu durante essas horas. Sofreu muito mais do que eu —não tem comparação! —, na previsão do que podia acontecer. Essa previsão é um tormento, a vida é mesmo um vale de lágrimas.
Sendo assim, devemos invocar Maria como a Saúde dos enfermos, como o remédio para as nossas moléstias, mas, sobretudo, para as carências de alma, defeitos e lacunas espirituais. Em relação a estes a Santíssima Virgem é, por excelência, a “panaceia” celestial dada por Deus para nos livrar de tantas misérias e nos conduzir à plenitude de santidade à qual somos chamados.
Por isso, a única esperança verdadeira que o homem tem nesta vida é a de, no momento em que fechar os olhos com a consciência em paz, alcançar a felicidade eterna. ♦
Plínio Corrêa de Oliveira.