Dominar-se a si mesmo a tal ponto de não cair em pecado, para ser fiel à virtude e nela crescer, estar disposto a fazer, a qualquer hora, um ato de heroísmo, é incomparavelmente mais duro do que ir para a Lua
Plínio Corrêa de Oliveira
O heroísmo de um santo é muito maior do que o de um grande herói num campo de batalha
O religioso que passa a vida inteira num convento, cumprindo a Regra na perfeição, pratica um verdadeiro heroísmo, pelo qual devemos ser transidos de admiração. Tanto isso é assim que existem muitos santos que não tiveram visões nem revelações, não operaram milagres em vida, e cuja santidade se verifica apenas pela conformidade heroica de seu procedimento com os preceitos e conselhos dados por Nosso Senhor Jesus Cristo.
O que é então a santidade? Não é apenas a posse habitual de todas as virtudes, mas é a prática dessas virtudes em grau heroico. Quer dizer, é o exercício dos hábitos bons de maneira a levá-los até o heroísmo. É um modo insigne de possuir a virtude.
Tenho impressão de que as pessoas não chegam a formar uma ideia devida dos sacrifícios que o estado religioso exige, e da sublimidade deste estado, mesmo quando ele é praticado apenas entre as quatro paredes de um convento, em ações comuns e não extraordinárias da vida. Ou seja, mesmo vivendo uma vida comum num convento, uma alma pode praticar virtudes heroicas.
Nada é mais difícil para o homem do que vencer-se a si mesmo
As virtudes consistem em hábitos retos da alma, que se externam através de ações praticadas continuamente, e com integridade.
Por exemplo, uma religiosa que tenha o hábito da obediência, da pobreza, da castidade. Ela tem interiormente, como raiz, a disposição habitual de espírito de ser casta, pobre, desapegada dos bens da Terra e obediente, de não fazer a sua própria vontade, mas a de seus superiores.
Como ela tem habitualmente essa disposição de espírito, e é isto que se chama virtude, suas ações externas também são habitualmente assim.
Portanto, ela será habitual e invariavelmente casta, obediente e pobre, sem nenhuma exceção na sua conduta.
Sustento que este heroísmo é mais autêntico do que o de muitas pessoas consideradas heroicas; é o mesmo senso do sacrifício, do dever, da imolação própria, de que um grande herói pode dar provas num campo de batalha. Não há coisa mais difícil para o homem do que vencer-se a si mesmo, subjugar as suas más inclinações.
O mundo contemporâneo aclama como heróis indivíduos que se metem numa nave espacial e vão para a Lua. Há um certo heroísmo na ação deles, porque arriscam a vida. Então, é indiscutível que eles se portam heroicamente em uma determinada circunstância.
Mas afirmo que o fato de praticar não apenas uma virtude, somente um ato heroico, mas dominar-se a tal ponto de não cair em pecado, para ser fiel à virtude e nela crescer, estar disposto a fazer, a qualquer hora, um ato de heroísmo, é incomparavelmente mais duro do que ir para a Lua. E tenho a impressão de que há muita gente que, para se ver livre de algum vício, aceitaria de ir à Lua, mas não consentiria em praticar os atos difíceis, interiores, necessários para se vencer.
A obediência na vida religiosa
A obediência. Algumas pessoas talvez não tenham realizado o que é a vida difícil de um religioso ou de uma religiosa no seu convento; o que significa, para um adulto, desde manhã até à noite, não fazer o que quer, mas o que lhe mandam.
A Superiora chama:
— Irmã tal, agora é o momento da senhora regar o jardim.
Ela olha para fora, choveu, não precisa regar o jardim. Mas é necessário obedecer. Ela vai, pega o regador e rega o jardim.
E, no caso de um convento masculino, o Superior diz:
— Irmão tal, o senhor limpou mal tal coisa. Vá lá e limpe de novo.
— Mas Padre Superior, quereria indicar onde é que eu limpei mal, para limpar de novo?
— Vamos juntos que eu lhe mostro. Olha aqui o assoalho, como está sujo! Limpe melhor!
O religioso olha para o assoalho e vê que está limpo… Isso quebra o orgulho.
O grande Dom Vital, Bispo de Olinda, foi noviço num convento de capuchinhos, na França. O Superior dele mandava-o limpar algumas dessas traves que ficam nas paredes para sustentar o telhado. O Superior dizia para ele:
— Mas Frei Vital, o senhor não viu essa penca de aranhas que está pendurada aí? O senhor não tirou?
Ele olhava, não tinha aranha alguma, mas respondia:
— Ah! pois não, Padre Superior. Primeiro peço o seu perdão.
Ajoelhava, osculava o chão.
— Está bem, agora suba e vá limpar.
O Superior não podia perdoar, porque não tinha o que perdoar — não iria fazer uma pantomima —, mas deixava-o beijar o chão.
Frei Vital subia, limpava o que já estava limpo, e voltava.
Evidentemente, isso não é agradável. E não é apenas um dia, nem dois, nem cinco. São dez dias, dez anos, é toda uma vida! Já imaginaram o que é uma existência inteira tocada assim? O que é mais fácil: batalhas, tiros, soa a corneta, o sujeito sai, recebe um tiro, morre; ou passar uma vida inteira num convento?
Compreendemos, então, o que pode caber de verdadeiro e autêntico heroísmo numa vida religiosa. E temos elementos para apreciar esse tipo de vida religiosa, que não se assinala por nenhuma ação externa mais notável, mas é a prática contínua dos conselhos do Evangelho, a renúncia contínua à própria vontade, ao patrimônio próprio, etc. Isto é um verdadeiro heroísmo em relação ao qual devemos ser transidos de admiração.
E daí vem um convite para vermos com mais admiração, mais entusiasmo o estado religioso, compreendermos esse estado no que ele tem de esplêndido.
Quer dizer, devemos entender que uma santa pode não fazer nada de extraordinário na sua vida, a não ser cumprir completamente a Regra, porque se cumpriu perfeitamente a Regra, ela se santifica. E um santo também.
Então, nós temos três conceitos: virtude, virtude heroica, visões e revelações. Virtude corrente, que é acessível a todos os católicos, virtude heroica, para a qual Deus chama todas as almas, mas para praticá-la precisam de graças especiais, porque sem graças especiais ninguém é herói. E depois, nós temos as visões e as revelações, que são uma coisa distinta.
Bento XV, se não me engano, foi um Papa que dizia: “Dai-me um religioso que tenha cumprido perfeitamente a Regra em vida, e eu vos direi que ele foi santo”. É só cumprir a Regra. ♦
Plínio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/7/1971)