XIV Domingo do Tempo Comum
Como gozar da paz e da alegria nesta Terra, tanto quanto possível, e possuí-las plenamente na eternidade? Entremos na escola de Jesus!
Mons. João S. Clá Dias, EP. Fundador dos Arautos do Evangelho e do Apostolado do Oratório
Naquele tempo, Jesus pôs-Se a dizer: 25 “Eu Te louvo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra,porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. 26 Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. 27 Tudo Me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. 28 Vinde a Mim todos vós, que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e Eu vos darei descanso. 29 Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. 30 Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 25-30).
Jesus foi humilde para nos dar sua alegria
A clave da Liturgia do 14º Domingo do Tempo Comum nos é sugerida logo na abertura da Celebração, pela Oração do Dia: “Ó Deus, que pela humilhação do vosso Filho reerguestes o mundo decaído, enchei vossos filhos e filhas de santa alegria, e dai aos que libertastes da escravidão do pecado o gozo das alegrias eternas”.
A partir da saída de Adão e Eva do Paraíso, a humanidade foi-se precipitando nos abismos do pecado. Vemos, em seus primórdios, Caim matar seu irmão Abel (cf. Gn 4, 8) e, mais tarde, corromperem-se os homens sobre a Terra, a ponto de arrepender-Se Deus de tê-los criado (cf. Gn 6, 5-7.11-12). Depois, cheios de arrogância, procuraram desafiar o Todo-Poderoso por meio de seus empreendimentos (cf. Gn 11, 4), e, finalmente, caíram na idolatria vergonhosa, adorando deuses de metal, pedra e madeira (cf. Dt 28, 36; Dn 5, 4; Rm 1, 21-25, Gal 4, 8).
Mas Deus, compadecido de tanta miséria, desce do Céu e assume nossa carne para Se relacionar conosco. Nosso Senhor Jesus Cristo, Unigênito do Pai, Se humilha e toma sobre Si as nossas iniquidades, com vistas a nos redimir e fazer-nos consortes d’Ele na felicidade eterna, a mesma que Ele goza junto ao Pai e ao Espírito Santo. Ele deseja, porém, que tal felicidade — cuja plenitude só se dará na bem-aventurança eterna — já comece a se realizar agora, conforme pede a mencionada Oração do Dia. Como atingi-la ainda neste mundo, tanto quanto possível?
Um Rei que Se humilha e Se faz pobre
O conjunto das leituras de hoje nos oferece alguma pista, constituindo um marco para o Evangelho. Na primeira (Zc 9, 9-10), retirada da profecia de Zacarias, lemos: “Assim diz o Senhor: Exulta, cidade de Sião! Rejubila, cidade de Jerusalém. Eis que vem teu Rei ao teu encontro” (9, 9a). Trata-se, de fato, de um Rei, vindo para estabelecer um império autêntico, mas impalpável, porque é, sobretudo, interior: o reino da graça, da participação na vida divina, o qual se difunde por meio da Igreja visível, fundada por Ele, e nos prepara para a glória perene no Reino sempiterno.
“Ele é justo, Ele salva; é humilde e vem montado num jumento, um potro, cria de jumenta” (Zc 9, 9b). Contrariamente aos soberanos da Antiguidade, detentores de imensos poderes e riquezas, este Monarca aparece pobre. Com acuidade profética Zacarias prevê o episódio do Domingo de Ramos, em que o Rei dos reis, Criador e Redentor do universo, o Filho de Deus unido à natureza humana, entraria em Jerusalém montado num jumentinho, aclamado pela multidão.
Ele, que merece infinitos louvores, entretanto condescende com essa diminuta demonstração de simpatia, porque — dada a concepção orgulhosa de um Messias temporal, que resolveria todos os problemas políticos e financeiros da nação — se Ele aceitasse homenagens cheias de grandeza e pompa lhes faria mal, confirmando-os naquela deformada crença.
Não era chegada a hora de Se revestir de força e esplendor, como será em sua segunda vinda quando descer do Céu para julgar os vivos e os mortos, e sim o momento de fazer um convite à mudança de vida, através do exemplo de desprendimento das coisas materiais.
A Deus pertencem todas as riquezas
Não pensemos, contudo, segundo certa mentalidade errônea, que nossas manifestações com respeito a Deus e ao seu culto devam ser marcadas pela nota da pobreza e da humilhação, que as igrejas tenham que ser despojadas de qualquer adorno, compostas de taipa, semelhantes a uma cabana, e os tabernáculos para o Santíssimo Sacramento feitos de argila, mais míseros que uma casinha de joão-de-barro.
Ao contrário, nós temos a obrigação de dar a Deus aquilo que Lhe pertence, conforme o mandato de Nosso Senhor: “a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21). O que cabe, então, a Deus? O que Lhe precisamos restituir? Todo o ouro da Terra, todas as riquezas, pois Ele disse: “A prata e o ouro Me pertencem” (Ag 2, 8).
A igreja é a casa de Deus e, portanto, ela é de todos, tanto do rico quanto do pobre, tanto do asiático quanto do ocidental, tanto para os de uma raça quanto para os de outra. Ela é também o luxo do pobre, erguida para dar alegria àqueles que não se apegam aos bens deste mundo, aos autênticos pobres, isto é, os de espírito (cf. Mt 5, 3).
Por tais motivos a Liturgia tem de ser majestosa e as igrejas ricas como o é o Céu Empíreo que Deus preparou para nós, para o qual não há termos de comparação nem linguagem humana capaz de exprimir o que nele existe. São Paulo, que foi arrebatado ao terceiro Céu (cf. II Cor 12, 2), São João Bosco, que esteve na antecâmara do Céu, e tantos outros, não encontraram palavras para descrever as maravilhas ali contempladas.
A paz da boa consciência
Continua a profecia: Ele “anunciará a paz às nações” (Zc 9, 10). Sim, esse Rei é justo e retribuirá a cada um segundo suas obras, mas seu principal intuito é o de salvar e de conceder a paz. Qual é esta paz? Acaso será a paz dos tratados que os dirigentes dos países assinam, reunidos em torno de uma mesa? Não! Ele traz a paz verdadeira, a da boa consciência de quem pratica a virtude e dá as costas ao pecado. Nós, porém, de índole terrivelmente frágil e inclinada ao mal, como poderíamos alcançar tal paz? Por meio d’Ele que, sendo a própria Bondade e Misericórdia, nos abraça com ternura e paciência apesar de nossas misérias, que nos ampara e regenera, comunicando-nos forças para galgarmos os cimos da perfeição.
É este o aspecto que o Salmo Responsorial procura ressaltar, ao dizer: “Misericórdia e piedade é o Senhor, Ele é amor, é paciência, é compaixão. O Senhor é muito bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura. […] O Senhor é amor fiel em sua palavra, é santidade em toda a obra que Ele faz. Ele sustenta todo aquele que vacila e levanta todo aquele que tombou” (Sl 144, 8-9.13cd-14).
A perspectiva final nos dá paz e santa alegria
Na segunda leitura (Rm 8, 9.11-13), São Paulo — como apóstolo da Ressurreição — expõe a nota essencial dessa paz, colocando-nos diante da perspectiva da nossa ressurreição, pináculo da felicidade à qual somos convidados: “Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o espírito, se realmente o Espírito de Deus mora em vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo. E, se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos mora em vós, então Aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos vivificará também vossos corpos mortais por meio do seu Espírito que mora em vós” (Rm 8, 9.11).
Desde que vivamos na esperança da ressurreição final e evitemos o pecado para não morrer eternamente, conquistaremos a paz e a santa alegria, ainda neste vale de lágrimas. Abandonemo-nos à misericórdia, piedade, amor, paciência, compaixão e ternura do Senhor, confiantes em que no último dia, se tivermos falecido na graça de Deus, nossas almas descerão do Céu ao toque da trombeta (cf. Mt 24, 30-31) para se unirem aos corpos, que assumirão o estado glorioso.
É preciso, pois, cuidar de não constituirmos como falsos deuses a técnica, a saúde, o dinheiro, os estudos ou as capacidades pessoais. Nada de idolatria e de orgulho!
Quem estabelece divindades para si, esquecendo-se do Deus único, torna-se cego de Deus. Este mal é pior que a perda da vista, porquanto o que dele padece termina por não entender as verdades que o Pai só revela aos pequeninos.
De que adianta a alguém participar de uma corrida, tendo-se preparado para atingir a máxima velocidade, se, quando o árbitro soa o apito, avança com toda rapidez fora da pista e na direção errada? Assim acontece com o desventurado que se apresenta ao Supremo Juiz — antes fosse com as mãos vazias! — com as mãos sujas de orgulho e idolatria.
O moço rico, por exemplo, foi um aparente pequenino, que acabou por atirar-se no precipício da idolatria. Menos ilustrado que os Apóstolos, por não fazer parte dos seguidores de Jesus, devia, portanto, mostrar-se mais pequenino do que eles. Todavia, seu extraordinário apreço pelos bens que possuía levou-o a não dar ouvidos à promessa do Senhor: “terás um tesouro no Céu” (Mt 19, 21). Foi convidado e rejeitou porque não quis ser pequenino…
Pelo contrário, quem se entrega por inteiro e entra no discipulado de Cristo, abraçando seu jugo, logo sente o quanto este é suave e leve. As leis que Ele estipula proporcionam o almejado repouso, aprimoram a inteligência, fortalecem a vontade, temperam e requintam a sensibilidade. Elas nos dão, sobretudo, a oportunidade de alcançar a felicidade para a qual somos chamados: a santidade!
Sejamos humildes como o Senhor Jesus é a Humildade, mansos como Ele é a Mansidão, procurando em todas as coisas ser santos como Ele é a Santidade. Na prática destas virtudes, a exemplo do Divino Mestre, encontraremos a paz e a santa alegria para nossas almas. ♦
O Inédito sobre os Evangelhos. Vol. 1. Ano A.