A Apresentação do Menino Jesus e a Purificação de Maria Virgem

Festa da Apresentação do Senhor 

No Templo, Jesus Se oferece ao Pai para resgatar os homens, por meio de Maria, e também por Ela é entregue à Igreja, nas mãos do velho Simeão

Mons. João S. Clá Dias, Fundador dos Arautos do Evangelho

22 Quando se completaram os dias para a purificação da Mãe e do Filho, conforme a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-Lo ao Senhor. 23 Conforme está escrito na Lei do Senhor: “Todo primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor”. 24 Foram também oferecer o sacrifício — um par de rolas ou dois pombinhos — como está ordenado na Lei do Senhor. 25 Em Jerusalém, havia um homem chamado Simeão, o qual era justo e piedoso, e esperava a consolação do povo de Israel. O Espírito Santo estava com ele 26 e lhe havia anunciado que não morreria antes de ver o Messias que vem do Senhor. 27 Movido pelo Espírito, Simeão veio ao Templo. Quando os pais trouxeram o Menino Jesus para cumprir o que a Lei ordenava, 28 Simeão tomou o Menino nos braços e bendisse a Deus: 29 “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; 30 porque meus olhos viram a tua salvação, 31 que preparaste diante de todos os povos: 32 luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel”.

Bela como todas as passagens do Evangelho, a Liturgia do dia 2 de fevereiro focaliza o resgate do Menino Jesus e a Purificação de Nossa Senhora. Esses dois atos se passam dentro da casa do Senhor, o Templo de Jerusalém.

À espera do Messias, glórias e vicissitudes do Templo de Jerusalém

Quase seis séculos antes tinha sido arrasado esse edifício. Indispensável fora aproveitar a primeira ocasião para reconstruí-lo. Essa nobre tarefa coube a Zorobabel, chefe da casa de Davi e antepassado de Cristo (515 a.C.). Entretanto, quão mais grandioso havia sido o esplendor daquele Templo “em sua primeira glória!” — afirmara o profeta Ageu (2, 3a), ao vê-lo reerguido.

Na época de Salomão, a inauguração do Templo havia se dado com pompa e majestade. Logo depois “uma névoa enchera a casa do Senhor, e os sacerdotes não podiam ter-se de pé nem fazer as funções do seu ministério por causa da névoa, porque a glória do Senhor tinha enchido a casa do Senhor. Então disse Salomão: O Senhor declarou que habitaria numa névoa. Eu edifiquei esta casa para tua morada, para teu trono firmíssimo para sempre” (I Rs 8, 10-13).

Mas agora, “não parece ele, aos vossos olhos, como uma coisa de nada?” (Ag 2, 3b) — perguntava Ageu ao povo.

A consternação se abateu sobre todos os que ouviam a recriminação de Deus pelos lábios de seu profeta. Mas logo suas faces se tornaram mais luzidias do que nunca:

“Porque isto diz o Senhor dos exércitos: Ainda falta um pouco, e Eu comoverei o céu e a terra, o mar e todo o universo. Abalarei todas as nações, e virá o desejado de todos os povos; e encherei de glória esta casa. […] Minha é a prata, meu é o ouro. […] A glória desta casa será maior que a da primeira. […] E darei a paz neste lugar” (Ag 2, 7-10).

O cumprimento da profecia

Quem poderia imaginar a cena na qual a profecia de Ageu se cumpriria? O Templo na glória de sua inauguração, ou na esperança da hora de sua reconstrução, jamais acolheu alguém mais importante: o próprio Criador Menino, nos braços de sua Mãe, para ser oferecido ao Pai!

Tem Ele já o pleno uso da razão, apesar de ainda tão criança. Quais teriam sido, então, seus pensamentos ao cruzar o portal daquele sagrado edifício? Grande emoção humana num Coração Infante e Sagrado, que ardia em desejo de Se oferecer como vítima expiatória. Já ao ser concebido por obra do Espírito Santo no claustro de sua Mãe, esse ofertório se efetivara. Durante os trinta anos em Nazaré, a vida do Cordeiro de Deus foi uma constante renovação desse ato supremo da entrega de Si próprio em holocausto, que atingiu seu ápice no Calvário. É o que afirma São Paulo: “entrando no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifício, nem oblação, mas Me formaste um Corpo. […] Em seguida ajuntou: Eis que venho para fazer a tua vontade. […] Foi em virtude desta vontade de Deus que temos sido santificados uma vez para sempre, pela oblação do Corpo de Jesus Cristo” (Hb 10, 5.9-10).

Mas foi quando Simeão, representante do povo judeu, tomou o Cristo nos braços para entregá-Lo ao Pai, que a oferenda ganhou um caráter oficial. O sacerdote se uniu a Cristo nesse momento, ou vice-versa? É um belo problema teológico.

Com inteira propriedade exclama Frei Luís de Granada:

“[Cristo] não só Se oferece aqui como oferenda ao Pai Eterno, mas também, pelas mãos da Virgem, é entregue hoje nos braços da Igreja e de todas as almas fiéis, cujo agente era o Santo Simeão, que representa a pessoa da Igreja. […] Que faria Aquela que tinha tais exemplos de generosidade, senão dar-nos o melhor que possuía, que era este celestial tesouro? A autoridade da Santíssima Trindade ratifica essa doação, pois o Pai, por sua autoridade dada na Lei, e por vontade do Filho, que Se ofereceu para nosso remédio, e por inspiração do Espírito Santo, que trouxe Simeão ao Templo, e pelas mãos da Santíssima Virgem, que como verdadeira Mãe possuía este tesouro, nos faz esta firme doação. […] Correi, pois […] e aprendei na escola desse Menino como, sendo Deus tão elevado, agradam-Lhe os corações humildes no Céu e na Terra”.

O ensinamento de Maria Virgem para nós

Quanto à Purificação da Virgem Maria, está ela adstrita à Lei mosaica (cf. Lv 12). Nenhum dos requisitos da Lei precisava cumprir Maria. Entretanto assim procedeu a Mater Ecclesiæ, para, entre outras razões, ensinar-nos com que amor e carinho devemos seguir as leis da Igreja.

Ela fará o oferecimento dos pobres: “um par de rolas ou dois pombinhos”.

“A rola”, dirá São Tomás, “com seu contínuo canto significa a pregação e confissão da Fé; ave casta e solitária, recorda essas duas virtudes.

A pomba, mansa e feita de simplicidade, amiga de viver em coletividade, representa a vida ativa; a perfeição, portanto, da comunidade formada por Cristo e seus membros.

“Rolas e pombos com seus gemidos nos falam do suspirar contínuo dos santos pela vida futura. Enquanto a rola solitária significa o gemido da oração secreta, a pomba, animal gregário, geme em público, como a oração da Igreja. Oferecem-se dois animais que simbolizam a Igreja. Oferecem-se dois animais que simbolizam a dupla santidade: a do corpo e a da alma”.

O famoso Beda, anteriormente a São Tomás, já afirmara representar a pomba a candidez, por amar a simplicidade, e a rola, a castidade, porque, se perde sua companheira, não procura outra.

Um Salvador para todos os povos

32 “…luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel”.

Sim, as outras nações não haviam recebido a Revelação. A glória cabia ao povo judeu; aos demais devia ser concedido o conhecimento da chegada do Salvador. Nesse momento estavam a caminho os três Reis Magos, que dariam ocasião à manifestação da missão universal do Menino Deus, a Epifania.

33 O pai e a Mãe de Jesus estavam admirados com o que diziam a
respeito d’Ele.

Assim haviam estado ao constatarem as manifestações angélicas e a presença dos pastores na Gruta em Belém. A mesma admiração se repetirá na chegada dos Reis do Oriente. Discerniam ambos a glória futura da Civilização Cristã, promovida pelo oferecimento de Jesus.

34a Simeão os abençoou e disse a Maria, a Mãe de Jesus…

Cabia-lhe abençoar, pois era da raça de Levi, sacerdote, portanto. É à Corredentora que ele se dirige.

Sinal de contradição, para se revelarem os segredos dos corações

34b “Este Menino vai ser causa tanto de queda como de
reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de
contradição”.

No primeiro livro de suas homilias, São Beda, o Venerável, assim se expressa: “Com júbilo ouvem-se essas palavras, que exprimem haver sido destinado o Senhor a conseguir a ressurreição universal, conforme o que Ele mesmo disse: ‘Eu sou a ressurreição e a vida; o que crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá’ (Jo 11, 25). Mas quão terríveis soam aquelas outras palavras: ‘Este Menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento!’.

“Verdadeiramente infeliz aquele que, depois de haver visto sua luz, fica, sem embargo, cego pela névoa dos vícios… porque, segundo o Apóstolo ‘melhor fora não terem conhecido o caminho da justiça, do que, depois de tê-lo conhecido, tornarem atrás, abandonando a lei que lhes foi ensinada’ (II Pd 2, 21).

“Contradizem-No os judeus e gentios, e, o que é mais grave, os cristãos que, professando interiormente o Salvador, desmentem-No com suas ações”.

35a “Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações”.

Continua São Beda: “Antes da Encarnação, estavam ocultos muitos pensamentos, mas uma vez nascido na Terra o Rei dos Céus, o mundo se alegrou, enquanto Herodes se perturbava e com ele toda Jerusalém. Quando Jesus pregava e prodigalizava seus milagres, enchiam-se as turbas de temor e glorificavam o Deus de Israel; mas os fariseus e escribas acolhiam com raivosas palavras quantos ditos procediam dos lábios do Senhor e quantas obras realizava.

“Quando Deus padecia na Cruz, riam com alegria néscia os ímpios, e choravam com amargura os piedosos; mas, quando ressuscitou dentre os mortos e subiu aos Céus, mudou-se em tristeza a alegria dos maus, e se converteu em gozo a pena dos amigos”.

Ainda hoje e até o Juízo Final, os cristãos, outros Cristos, são “sinais de contradição” e, em função deles, revelar-se-ão os pensamentos escondidos nos corações de muitos.

Maria, Corredentora, e o amor às nossas cruzes

35b “Quanto a Ti, uma espada Te traspassará a alma”.

Maria é Corredentora do gênero humano. Essa profecia de Simeão, Ela já a conhecia. Mais ainda, estaria gravada em seu espírito até a ressurreição de Jesus. Ela é a Rainha dos Mártires e, desde a Anunciação, sofreria com Cristo, por Cristo e em Cristo.

Nós somos convidados neste trecho do Evangelho a dar um caráter de holocausto às dores que nos forem permitidas pela Providência. Tenhamos amor às cruzes que nos cabem, unindo-nos a Jesus e a Maria nessa grandiosa cena da Apresentação. ♦


O Inédito sobre os Evangelhos. Vol. VII.

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