Páscoa do Senhor – Vitória de Cristo sobre a morte

“Eis o meu Filho muito amado, em quem pus toda minha afeição” (Mt 17, 5). Seria suficiente esse amor infinito do Pai pelo seu Unigênito para que operasse sua Ressurreição, porém, ademais concorreu para tal o brilho da justiça divina, segundo São Tomás de Aquino, “à qual é próprio exaltar aqueles que se humilham por causa de Deus, conforme diz Lucas (1, 52): ‘Precipitou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes’. E uma vez que Cristo, por causa do amor e da obediência a Deus, se rebaixou até a morte de Cruz, convinha que fosse exaltado por Deus até a gloriosa Ressurreição”.(1)

Tomados de adoração, uma vez mais foi-nos possível acompanhar liturgicamente ao longo da Semana da Paixão o quanto a morte teve uma aparente vitória no Calvário. Todos que por ali passavam podiam constatar a “derrota” de quem tanto poder havia manifestado não só nas incontáveis curas por Ele operadas, como também em seu caminhar sobre as águas ou nas duas vezes que multiplicou os pães.

Os mares e os ventos Lhe obedeciam, e até mesmo os demônios eram, por sua determinação, desalojados e expulsos.

Aquele mesmo que tantos milagres prodigalizara havia sido crucificado entre dois ladrões e, diante de seus extremos sofrimentos, “os que passavam O injuriavam, sacudiam a cabeça e diziam: ‘Tu, que destróis o Templo e o reconstróis em três dias, salva-Te a Ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da Cruz!’ Os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os anciãos também zombavam d’Ele: ‘Ele salvou a outros e não pode salvar-Se a Si mesmo! Se é Rei de Israel, desça agora da Cruz e nós creremos n’Ele! Confiou em Deus, Deus O livre agora, se O ama, porque Ele disse: Eu sou o Filho de Deus!’” (Mt 27, 39-43).

Porém, a maneira pela qual fora removida a pedra do sepulcro e o desaparecimento dos guardas eram, de si, uma prova sensível do quanto havia sido derrotada a morte, conforme o próprio São Paulo comenta: “A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (I Cor 15, 55). Os fatos subsequentes tornaram ainda mais patente a triunfante Ressurreição de Cristo e, por isso, a Liturgia Eucarística canta, sucessivamente, nos Prefácios da Páscoa: “Morrendo, destruiu a morte, e, ressurgindo, deu-nos a vida”;(2) “Nossa morte foi redimida pela sua e na sua Ressurreição ressurgiu a vida para todos”;(3) “Imolado, já não morre; e, morto, vive eternamente”;(4) “E, destruindo a morte, garantiu-nos a vida em plenitude”.(5)

Constituem essas frases uma sequência de afirmações que proclamam a vitória de Cristo não só sobre sua própria Morte, como também sobre a nossa. Ele é a Cabeça do Corpo Místico e, tendo ressuscitado, trará necessariamente a nossa respectiva ressurreição, pois esta nos é garantida pela presença d’Ele no Céu, apesar de estarmos, por ora, submetidos ao império da morte. De maneira paradoxal, aquele sepulcro aberto com violência a partir de seu interior, deu à morte um significado oposto, e passou ela a ser o símbolo da entrada na vida, pois Cristo quis “destruir pela morte aquele que tinha o império da morte, isto é, o demônio” (Hb 2, 14), e assim libertar os que “estavam toda a vida sujeitos a uma verdadeira escravidão” (Hb 2, 15).

São Paulo tem sua alma transbordante de alegria em face da realidade da Ressurreição de Cristo e nela encontramos nosso triunfo sobre a morte, tal qual ele próprio nos diz: “ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram! Com efeito, se por um homem veio a morte, por um homem vem a ressurreição dos mortos. Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão” (I Cor 15, 20-22).

Na Ressurreição vemos, ademais, realizada por Jesus, a profecia que Ele mesmo fizera pouco antes de sua Paixão: “Agora é o juízo deste mundo; agora será lançado fora o príncipe deste mundo” (Jo 12, 31). De fato, o cumprimento exato dessa profecia se iniciou durante os quarenta dias de retiro no deserto, e teve continuidade passo a passo ao longo de sua vida pública ao expulsar os demônios que pelo caminho encontrava, chegando ao ápice em sua Paixão: “Espoliou os principados e potestades, e os expôs ao ridículo, triunfando deles pela Cruz” (Col 2, 15).

Posteriormente, não só o demônio, mas o próprio mundo foi derrotado: inúmeros pagãos passaram a se converter e muitos entregaram a própria vida para defender a Cruz, animados pelas luzes da Ressurreição do Salvador. Em função dela, passaram a ser acolhidos no Corpo Místico todos os batizados que, revitalizados pela graça e sem deixarem de estar incluídos no mundo, tornaram perpétuo o triunfo de Cristo: “Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33). Trata-se, portanto, de uma vitória ininterrupta, mantendo seu rútilo fulgor tal qual no dia de sua Ressurreição, sem uma fímbria sequer de diminuição. Com a Redenção, Cristo lacrou as portas do seio de Abraão depois de ter libertado, de seu interior, as almas que ali aguardavam a entrada no gozo da glória eterna.

(Excerto do livro “O inédito sobre os Evangelhos” Vol I, de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP – Comentário ao Evangelho do Domingo de Páscoa.)

 NOTAS:

1) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.53, a.1.
2) RITO DA MISSA. Oração Eucarística: Prefácio da Páscoa, I. In: MISSAL ROMANO.
Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada
pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus,
2004, p.421.
3) Idem, Prefácio da Páscoa, II, p.422.
4) Idem, Prefácio da Páscoa, III, p.423.
5) Idem, Prefácio da Páscoa, IV, p.424.

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A Santa Missa, um sacrifício?

Quando a Igreja proclama “Cristo ontem, hoje e sempre!” ela está, ao mesmo tempo, afirmando que as verdades contidas no Evangelho valem para o presente e futuro, assim como valeram no passado.

Mas as repentinas mudanças pelas quais a humanidade tem passado acabam por empanar a clareza de certas doutrinas; sem contar que levam ao desuso de expressões cujo conteúdo revela, muitas vezes, a sua essência. Em concreto, a expressão “Santo Sacrifício da Missa” é uma delas. Entre os fiéis, hoje é mais comum ouvir-se falar em Missa ou Santa Missa, pouco se ouve referir-se a ela como sacrifício. Com efeito, trata-se realmente de um sacrifício, incruento, é verdade! Mas que renova o Sacrifício cruento do Calvário.

O artigo do Sr. Millon Barros nos revela a beleza e excelsitude que se encontra por trás da Celebração Eucarística sob a ótica do Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo. Recomendamos a todos que o leiam com atenção e proveito.

Millon Barros de Almeida

Certo dia, um jovem veio pedir ajuda ao seu pároco. Tratava-se de um caso muito sério, para qual o rapaz não via remédio. Haveria uma reunião no próximo domingo, a respeito da doutrina católica, e esta conferência seria presidida por um orador muito famoso. Todos os seus amigos iriam, e ele não queria perder um evento de tamanha relevância.

Por isso, vinha ao sacerdote pedir que desse outro sacrifício para realizar, pois o do domingo ele não poderia fazer. Ao ouvir este pedido o padre não entendeu a que se referia o rapaz. Aconselhou então ao jovem que lhe explicasse melhor. A este pedido recebeu a seguinte resposta: “É que a reunião será bem no horário do Santo Sacrifício da Missa. Deste modo, eu peço-lhe que me dê outro sacrifício no lugar do Santo Sacrifício do Domingo”.

Esse equívoco relatado acima muitas vezes pode ser o de muitas pessoas, e nem sempre tão jovens. A dúvida de nosso rapaz – e que talvez seja de muitas outras pessoas – pode expressar-se da seguinte maneira: Por que a Santa Missa é chamada de Sacrifício?

O grande problema deve-se a imprecisão do conceito de sacrifício. O que é na verdade um sacrifício? Para muitos o sacrifício é uma ação muito dolorosa que se deve realizar, e da qual não há meios de escapar. Este conceito é por demais simples e não mostra o real teor de um sacrifício, chegando assim a confundir as ideias das pessoas.

Segundo a doutrina católica, o sacrifício, em seu sentido mais estrito, é: “A oblação externa de uma coisa sensível, com certa destruição da mesma, realizada pelo sacerdote em honra de Deus para testemunhar seu supremo domínio e nossa completa sujeição a Ele”.[1]

Pe. Antônio Guerra celebrando numa casa dos Arautos

Este conceito aplica-se inteiramente à Santa Missa, o que faz deste Augusto Ato um perfeito e excelente sacrifício, sendo assim denominado Santo Sacrifício da Missa.

Façamos um paralelo do conceito referido acima com a Santa Missa:

A oblação externa: não é portanto um ato interior, o qual não é conhecido por ninguém. Pelo contrário a Santa Missa é uma oração oficial da Igreja, melhor dizendo, é A Oração Oficial da Santa Igreja, centro o força vital do Corpo Místico de Cristo[2].

E que oblação… é o próprio Filho de Deus que se oferece nas espécies de pão e de vinho. Haverá oblação mais agradável a Deus do que o Seu próprio Filho bem amado no qual está todo o seu agrado[3]?

De uma coisa sensível: é de primordial importância para o homem que o sacrifício seja de algo sensível, pois sendo o homem composto de corpo e alma, o sacrifício deve atender também ao corpo e não apenas à alma. Na Santa Missa o que atende à sensibilidade do homem é o fato de oferecer-se o próprio Corpo e Sangue de Cristo nas espécies do pão e do vinho transubstanciados.

Com certa destruição da mesma: para ser um sacrifício em estrito senso, é necessário que aquilo que se oferece seja inteiramente destruído. É o que se dá na Santa Missa pela comunhão do sacerdote e dos fiéis do Corpo e Sangue de Jesus Cristo.

Realizada pelo sacerdote: é uma conditio sine qua non para a existência da Santa Missa, um sacerdote devidamente consagrado pela imposição das mãos de um bispo.

Em honra de Deus, para testemunhar sue supremo domínio e nossa completa sujeição a Ele: Não há ato que mais honre a Deus do que a Santa Missa. É a renovação incruenta do Sacrifício do Calvário realizada pelo próprio Cristo na pessoa de seu ministro. Ao mesmo tempo, o homem é convidado a confessar sua total dependência ao Senhor, não deixando por isso de pedir-lhe ajuda e forças para vencer as lutas de nosso vale de lágrimas.

A Santa Missa é, pois, a mais bela expressão externa em honra de Deus, uma vez que é por Ele mesmo oferecido enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, sendo assim O Verdadeiro Sacrifício da Nova Lei seu sentido mais estrito e perfeito.

Saibamos, portanto, aproximarmo-nos deste Sublime Sacrifício, não como um fardo ou uma dificuldade, mas pelo contrário, como um auxílio nas grandes dificuldades do mundo moderno e de nossa vida particular. Acerquemo-nos da Ceia do Senhor com verdadeira fé e piedade, sabendo que tudo, absolutamente tudo o que nós pedirmos a Ele, não nos negará, pois estas foram suas palavras: “qualquer coisa que pedirdes em meu Nome, será feito” (Jo. 14,13). Desta maneira não receberemos a recriminação de Nosso Senhor: “ainda não pediste nada em meu nome…” (Jo 16, 24).

Por Millon Barros

[1] ROYO MARÍN, Antonio. Teologia moral para seglares. Madrid: BAC, v. I, p. 286.

[2] Cfr. Ecclesia de Eucharistia, João Paulo II, 17 de Abril de 2003.

[3] Cf. Mt 3, 17

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