Sua vitória é nossa força


I Domingo da Quaresma

Ao triunfar sobre o demônio e as tentações no deserto, Nosso Senhor nos dá a principal garantia de que também nós, sustentados pela graça, podemos transpor incólumes todas as lutas espirituais

Mons. João S. Clá Dias, Fundador dos Arautos do Evangelho e do Apostolado do Oratório

 


Nosso Senhor quis ser tentado

A tentação de Jesus se deu no início de sua vida pública, logo depois de ter recebido o Batismo de São João. Estendeu-se ao longo de quarenta dias no deserto de Judá, região isolada, inóspita e habitada por feras selvagens. Segundo a tradição, Ele permaneceu em oração e rigoroso jejum numa elevação existente nas proximidades de Jericó, hoje chamada Monte da Quarentena. Encontramos uma pré-figura desse acontecimento nas vidas de Moisés e Elias, que também se retiraram pelo mesmo período durante o desempenho de sua missão profética (cf. Ex 34, 28; I Rs 19, 5-8).

Naquele tempo, 1 o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. 2 Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome. 3 Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!” 4 Mas Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus’”. 5 Então o diabo levou Jesus à Cidade Santa, colocou-O sobre a parte mais alta do Templo, 6 e Lhe disse: “Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo! Porque está escrito: ‘Deus dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, e eles Te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’”. 7 Jesus lhe respondeu: “Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus!’” 8 Novamente, o diabo levou Jesus para um monte muito alto. Mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e sua glória, 9 e Lhe disse: “Eu Te darei tudo isso, se Te ajoelhares diante de mim, para me adorar”. 10 Jesus lhe disse: “Vai-te embora, satanás, porque está escrito: ‘Adorarás ao Senhor teu Deus e somente a Ele prestarás culto’”. 11 Então o diabo O deixou. E os Anjos se aproximaram e serviram a Jesus (Mt 4, 1-11).

Deus permite a tentação para o nosso bem

Naquele tempo, 1 o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser
tentado pelo diabo.

Neste primeiro versículo, chama-nos especial atenção o fato de Nosso Senhor ter sido conduzido pelo Espírito Santo. No Batismo do Jordão Ele fora glorificado pelo Pai, cuja voz se ouviu enquanto o Paráclito descia sob a forma de uma pomba, em circunstâncias que à primeira vista diríamos muito propícias para inaugurar seu período de pregação. Ao invés disso, quis Se dirigir ao deserto. Sua atitude nos mostra que quando somos chamados a realizar alguma obra importante devemos rezar antes, tal como a Igreja recomenda fazer, no início de todas as atividades.

Disso nos dá exemplo o Filho de Deus ao escolher o isolamento. E não somente com vistas à contemplação, mas também para “ser tentado pelo diabo”, como deixa claro São Mateus. Por que motivo isso teria sido permitido por Deus? Ora, enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Nosso Senhor era incapaz de sofrer a menor tentação; como Homem, todavia, quis padecê-la para vencer o demônio e quebrar seu poder. Assim, o anjo decaído seria derrotado por uma criatura humana.

Satanás, por sua vez, não tinha conhecimento de que Nosso Senhor Jesus Cristo era Deus, e apenas julgava que fosse seu Filho, sem possuir a mesma natureza do Pai. Ignorava também o mistério da união hipostática, embora reconhecesse que Jesus estava na graça de Deus. Em suma, o maligno arrastava uma forte insegurança a respeito da identidade de Cristo, e daí o interesse em tentá-Lo para descobrir quem era, na realidade. Seu objetivo, porém, terminará frustrado e ele se verá obrigado a partir sem saber o que desejava, pois Nosso Senhor não lhe dará possibilidade de chegar a uma conclusão, segundo comenta São Jerônimo: “Em todas as tentações o diabo faz isto para saber se é Filho de Deus, mas o Senhor mede a resposta de modo a deixá-lo na dúvidaˮ. É evidente que Jesus jamais poderia ser logrado pela astúcia do demônio, uma vez que era seu Criador.

Quando a tentação se abate sobre nós, temos a tendência de perguntar: “Por que Deus a permite?”. Certamente para o nosso bem, caso contrário Nosso Senhor não a teria experimentado. Lembremo-nos de que Jesus é conduzido pelo Espírito Santo, e quem permite a tentação é o Pai, o qual dissera pouco antes: “Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição” (Mt 3, 17). Se o Pai manifesta sua complacência pelo Filho e, em seguida, consente em sua ida para o deserto, por que não quererá que nós, que recebemos a vida divina por meio d’Ele, sigamos o mesmo caminho?

De fato, o Pai quis que tivéssemos um paradigma, Cristo Jesus, e, ao passarmos por tentações, agíssemos em conformidade com Ele. Não podemos tomar a provação como um desastre ou um sinal de decadência na vida espiritual, pois se assim fosse deveríamos concluir que Nosso Senhor havia passado por uma crise espiritual nesse episódio, o que é absurdo e até blasfemo. Muito pelo contrário, deitemos especial empenho em analisar o procedimento de Jesus, tendo presente que o relato das tentações é tão só uma síntese do que na realidade aconteceu. Vários Santos mostraram-se favoráveis à hipótese de que Ele tivesse sido provado inúmeras vezes e de todos os modos, no decorrer dos quarenta dias, como já tivemos oportunidade de comentar.

O demônio se aproveita das fraquezas humanas

2 Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois
disso, teve fome.

O recolhimento de Nosso Senhor no deserto atinge seu auge ao cabo de quarenta dias, e é esse o momento escolhido por satanás para tentá-Lo de forma particular, o que novamente encerra um ensinamento, pois muitas vezes as piores provações se abatem sobre nós nas melhores fases da vida espiritual. Quando começamos a dar passos firmes nas vias da virtude, o demônio costuma intensificar as tentações, visando impedir a nossa santificação. Este versículo mostra ainda como Jesus padecia as contingências físicas próprias à natureza humana, das quais o demônio tirou proveito para pô-Lo à prova. Depois de enfrentar longos dias sem comer nem beber, só uma sustentação sobrenatural O mantinha vivo. Ele estava exangue, consumindo suas últimas energias, e o tentador, por sua vez, encontrava-se à espreita para agir.

Tal é o artifício que conosco emprega satanás: ele se aproveita das debilidades humanas. No nosso caso, de maneira diversa ao que se passava com Nosso Senhor, sofremos as fraquezas decorrentes do pecado, como a concupiscência, a inclinação para o mal e as paixões desregradas. Se consentimos nas propostas do espírito das trevas, ele alcança o objetivo desejado ao nos tentar, fazendo-nos morrer para a vida sobrenatural.

A tentação tem seu início na sensibilidade

3 Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: “Se és Filho de
Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!”

O demônio, conforme vimos, não sabia ao certo se Jesus Cristo era o Messias. É provável que possuísse uma vaga noção a respeito disso, por ter-lhe sido revelado quando era um Anjo de luz no Céu, mas, ainda neste caso, nem todo o plano divino sobre a Encarnação chegou a ser de seu conhecimento. Recordemo-nos de que São Paulo afirmou ter sido chamado a ensinar verdades ignoradas inclusive pelo mundo angélico (cf. Ef 3, 10).


Dado o impasse no qual estava, o tentador decidiu investir contra o Homem-Deus, tanto para descobrir quem Ele era quanto para induzi-Lo a cair no apego à matéria. Como no Paraíso, deu início à conversa usando um método muito velhaco, de acordo com a necessidade da ocasião e os elementos existentes no local. Observam os exegetas que o deserto onde Nosso Senhor Se encontrava tinha pedras de aspecto muito aprazível, com formato arredondado e cor dourada, parecido ao dos deliciosos pães ázimos consumidos naquele tempo no Oriente. Portanto, em certo sentido, semelhantes ao fruto proibido do Paraíso, que era “atraente para os olhos e desejável” (Gn 3, 6), dando a ideia, sobretudo para quem tinha poder para isso, de serem transformáveis em pão. Bastaria um ato de sua vontade e Jesus as converteria num magnífico alimento saído do forno de sua palavra criadora, suficiente para Lhe saciar a fome. Ele, que ainda multiplicaria pães e peixes, transmutaria a água em vinho e operaria outros milagres sobre a comida, estava em condições favoráveis de transformar aquelas pedras. E satanás O estimula, em sua humanidade, para que use de suas capacidades sobrenaturais.

Eis a tática empregada pelo anjo das trevas na hora da tentação: começa por excitar a sensibilidade. Ao agir assim, atinge grande número de almas, sobretudo fomentando o interesse pelos bens materiais. Estes, e em especial o dinheiro, são simbolizados pela pedra e pelo pão, e constituem o maior empecilho para a santificação dos que põem sua esperança nos valores deste mundo.

O demônio mente ao fazer esta proposta a Nosso Senhor, pois promete a vida ― comer, naquela circunstância, era uma questão de subsistência ―, mas é à morte que quer conduzi-Lo, ao sugerir que use seu poder divino para satisfazer uma mera necessidade humana. Na verdade, Ele tinha direito de operar o milagre, mas o demônio não o sabia. Esta passagem nos confirma como satanás nunca promove a vida nem produz união, pois só se empenha em levar as almas ao pecado e, após lograr a queda de muitas delas, visa o aniquilamento da sociedade.

Uma vez lançado o desafio, iria Nosso Senhor dialogar com o tentador?

Com o diabo não se conversa

4 Mas Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o
homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus’”.

Tomando uma atitude radical, Ele cortou a conversa com o demônio. Como podemos comprovar nesta e nas tentações seguintes, suas respostas são taxativas, dadas com a nítida intenção de encerrar o colóquio. Além disso, o argumento utilizado por Jesus baseia-se na autoridade da Escritura, contra a qual não há recurso. Ao evocar as palavras do Deuteronômio, “não só de pão vive o homem” (8, 3), Ele como que afirmava: “Não só de pão, mas também de pão”. Reconhece a necessidade do alimento e até do dinheiro, porém, ensina que devem ser utilizados com a primeira atenção posta em Deus. Seu divino exemplo é de desprendimento das coisas concretas.

Outra lição que daí decorre diz respeito ao modo de proceder de Jesus em face de uma necessidade pessoal. Aquilo que o demônio queria que realizasse em proveito próprio, ao converter as pedras em pão, Ele o faz depois, em favor de terceiros, nas Bodas de Caná, ao converter a água em vinho (cf. Jo 2, 1-11), e multiplicando pães e peixes ao longo da vida pública (cf. Mt 14, 15-21; Mc 6, 30-44; Lc 9, 10-17; Jo 6, 1-13). Sua conduta é perfeita, pois precisamos dar aos outros aquilo que o maligno sugere que obtenhamos para nós mesmos, e fazer-lhes o bem que gostaríamos de receber.

Movido por sua característica pertinácia, o anjo mau não desiste e faz nova proposta.

A quimera de uma religião sem cruz

5 Então o diabo levou Jesus à Cidade Santa, colocou-O sobre a parte
mais alta do Templo, 6 e Lhe disse: “Se és Filho de Deus, lança-Te
daqui abaixo! Porque está escrito: ‘Deus dará ordens aos seus Anjos
a teu respeito, e eles Te levarão nas mãos, para que não tropeces em
alguma pedra’”. 7 Jesus lhe respondeu: “Também está escrito: ‘Não
tentarás o Senhor teu Deus!’”


Discutem os autores se o demônio foi caminhando com o Divino Mestre até a parte mais alta do Templo ou se usou de suas faculdades angélicas para conduzi-Lo até lá.7 Grande parte deles sustenta que O levou pelos ares, para dar-Lhe a sensação de que tinha muito poder. Insensatez, pois o tentador não sabia que Jesus Cristo, enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o criara e lhe outorgara a capacidade de realizar este prodígio. “Levava Cristo como se Ele estivesse obrigado, sem dar-se conta de que ia voluntariamente”.8 No alto do Templo o diálogo continua, e como Nosso Senhor silenciou satanás na primeira tentação valendo-Se da Escritura, ele agora contra-ataca, com inteligência, utilizando a mesma arma. Seu argumento consiste em alegar a proteção que Deus Lhe daria se Ele Se lançasse do pináculo do edifício sagrado. Não obstante, “as falsas flechas do diabo, tiradas das Escrituras, são quebradas por Cristo com os escudos verdadeiros das próprias Escrituras”.

Nesta tentação o demônio propunha uma caricatura da Religião verdadeira, excluindo o papel da dor, do sacrifício e do caminho autêntico para a santidade. Uma religião baseada no fabuloso, no portento e no prodígio, porque, do principal local de culto de Israel desceria de forma fulgurante o Messias, muito diferente do varão crucificado que Nosso Senhor estava destinado a ser, por amor à humanidade pecadora. A resposta admite dois sentidos, para confundir o diabo e dar a conversa, mais uma vez, por concluída: “Não me tentes porque Eu sou Deus” ou “Eu não posso fazer isto, porque seria tentar a Deus”. Nós, porém, podemos interpretá-la como um ensinamento a respeito da resignação que deve caracterizar o nosso relacionamento com Jesus. É lícito pedirmos milagres e até manifestações grandiosas, mas cientes de que se não formos atendidos a nossa fé tem de permanecer intacta.

O príncipe das trevas sempre tira o que promete

8 Novamente, o diabo levou Jesus para um monte muito alto.
Mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e sua glória, 9 e Lhe disse:
“Eu Te darei tudo isso, se Te ajoelhares diante de mim, para me
adorar”. 10 Jesus lhe disse: “Vai-te embora, satanás, porque está
escrito: ‘Adorarás ao Senhor teu Deus e somente a Ele prestarás
culto’”. 11 Então o diabo O deixou. E os Anjos se aproximaram e
serviram a Jesus.


Apesar de ter sido vencido duas vezes, o demônio deseja chegar ao último ponto: ser adorado por Nosso Senhor, o que suporia uma negação do culto a Deus. Para isto ele oferece o domínio temporal que ― sempre cobiçado ao longo da História ― levou muitos homens a seguir os ídolos, abandonando o verdadeiro Deus. No entanto, com uma resposta que não prima pela diplomacia, Jesus, em primeiro lugar, expulsa o príncipe das trevas e, depois, ainda sublinha que apenas ao Senhor — ou seja, a Ele mesmo — é devido o culto que o maldito pretendia desviar para si.

Grande é o contraste entre Adão e Nosso Senhor Jesus Cristo. O primeiro deu ouvidos à recomendação da serpente, transmitida por Eva, e comeu o fruto, perdendo aquilo que o demônio prometera: “sereis como Deus” (Gn 3, 5). Pois com o pecado a vida divina se extinguiu em sua alma, enquanto se tivesse correspondido ao mandado do Senhor receberia um acréscimo de felicidade, manteria o estado de graça e teria feito notável progresso na vida espiritual. Portanto, aquilo que o tentador fingia querer dar foi justamente o que lhe roubou. A Nosso Senhor ele ofereceu o serviço dos Anjos e todos os tesouros da Terra, coisas que era incapaz de conceder, mas que foram entregues a Jesus-Homem junto com a realeza sobre toda a humanidade e sobre a ordem da criação, por ter vencido satanás e ter abraçado os tormentos do Calvário.

Eis um princípio que deve nortear constantemente a nossa vida, até a hora da morte: nunca podemos dialogar com o demônio, criatura maldita que sempre tira aquilo que promete. Devemos encerrar qualquer conversa com ele logo no início, com o apoio da Palavra de Deus, à imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O valor das tentações

Na segunda leitura (Rm 5, 12.17-19), São Paulo sintetiza o ensinamento da Liturgia deste 1º Domingo da Quaresma: se “o pecado entrou no mundo por um só homem […], pela obediência de um só, toda a humanidade passará para uma situação de justiça” (Rm 5, 12.19). Sua afirmação deixa patente como toda graça, força e poder foram franqueados ao gênero humano pela fidelidade de Cristo, modelo supremo no combate às tentações.

Existem doentes com uma espécie de complexo causado por verem pessoas saudáveis, a quem muitas vezes gostariam de transmitir suas enfermidades para aliviar o instinto de sociabilidade ferido, por se sentirem diferentes ou inferiores. Assim também age satanás. Ao cair no inferno, por ter-se revoltado contra Deus, passou a detestar os que batalham para obter a salvação, por serem seus inimigos e adoradores de quem ele odeia. Então, quer o demônio a nossa perdição e permanece à espreita, andando em derredor, “como o leão que ruge, buscando a quem devorar” (I Pd 5, 8), pronto para nos empurrar precipício abaixo e nos lançar na mesma infelicidade eterna na qual ele se jogou.

A tentação é um benefício

Deus lhe permite tentar-nos, com vistas ao nosso benefício, para nos dar oportunidade de adquirir força, experiência e sagacidade na luta contra ele, e, derrotado este, outorgar-nos o prêmio de não ter cedido. Mas se tivermos a desgraça de sucumbir, não nos esqueçamos do Salmo Responsorial (cf. Sl 50, 3a), que diz: “Piedade, ó Senhor, tende piedade, pois pecamos contra Vós”. Estas palavras do rei Davi, o perfeito arrependido, recordam como, desde que reconheçamos nosso pecado com verdadeira contrição e desejo de nunca recair na falta cometida, nossas culpas serão apagadas. Quando nos apegamos a Nosso Senhor e à misericórdia de Nossa Senhora, recebemos o consolo de sermos perdoados.

Foi o que aconteceu a Adão e Eva. À medida que foram comprovando as consequências da falta cometida, deram-se conta de que não valera a pena ter comido o fruto proibido e, sem dúvida, choraram seu crime. Quantas vezes algo semelhante se passa conosco quando, depois de ter percorrido um bom trecho da vida, olhamos para trás e verificamos que o pecado não compensou. Nessas horas a lembrança de nossas quedas servirá para ilustrar e fortalecer as atitudes do presente, ajudando-nos a tomar decisões bem firmes e acertadas.

As tentações nos obtêm, sobretudo, méritos para a eternidade. Tanto o santo quanto o pecador são tentados, e às vezes o primeiro mais que o segundo, a julgar pelo modo atroz com que satanás investiu contra Nosso Senhor. A grande diferença entre ambos é que um recusa as solicitações e o outro se rende. Logo, ser tentado não é um desastre, pelo contrário, pode ser até um bom sinal. De nossa parte é preciso não consentir e, para isso, apoiemo-nos no auxílio divino, pois seria uma insensatez concebermos nossas qualidades como o fator essencial na luta contra o demônio, o mundo e a carne.

A nossa força está na graça

Diante da tentação, devemos crer na força de Nosso Senhor Jesus Cristo e não nas nossas. No deserto, o diabo quis convencê-Lo do quanto Ele era poderoso, capaz e apto a estar no centro dos acontecimentos, e faz o mesmo conosco incitando-nos, pelo orgulho, a esquecer a graça e a vida interior, imprescindíveis para resistir. Daí a necessidade absoluta de nos aproximarmos dos Sacramentos com a maior frequência possível, de “orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo” (Lc 18, 1); de recorrermos à mediação de Nossa Senhora e à intercessão dos Santos; de termos, enfim, ao longo de todo o dia, a nossa primeira atenção posta no sobrenatural, como São Paulo: “A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim” (Gal 2, 20).

Assim obteremos forças para enfrentar todos os problemas, pois quem é negligente em sua vida interior perde o principal instrumento de combate. O Apóstolo, confiante na ajuda divina, não se sentia intimidado por nenhuma adversidade: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada? Realmente, está escrito: ‘Por amor de Ti somos entregues à morte o dia inteiro; somos tratados como gado destinado ao matadouro’. Mas, em todas essas coisas, somos mais que vencedores pela virtude d’Aquele que nos amou. Pois estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os Anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas, nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, Nosso Senhor” (Rm 8, 35-39).


Se uma criança recém-batizada tem mais poder do que todos os infernos reunidos, os que possuem a vida divina nada devem temer! Quando o inimigo nos assalta, unamo-nos ainda mais a Nosso Senhor Jesus Cristo, animados pela lição deste início de Quaresma: para vencer todas as tentações é indispensável contar com a graça divina. ♦


O Inédito sobre os Evangelhos. Vol. 01, ano A. Quaresma.

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