O amor íntegro deve ser causa do bem total

VI Domingo da Páscoa

Praticar o bem exige cumprir os Mandamentos da Lei de Deus, sem admitir nenhuma concessão ao mal. Ora, a condição para observar os preceitos divinos é a caridade. Como alcançar, então, esse amor íntegro e sem mancha que nos conduz ao bem total?

Mons. João S. Clá Dias, EP

 

Para aproveitarmos as graças da comemoração de Pentecostes que se aproxima, a Liturgia deste domingo nos convida a considerar a maravilha da ação santificadora do Espírito Santo em nossas almas. Quão necessitado está o mundo, na situação presente, de um sopro especial d’Ele para mudar os corações e renovar completamente a face da Terra! É nesta perspectiva que devemos refletir nas sublimes palavras do Divino Mestre, propostas pela Igreja à nossa enlevada meditação neste dia.

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 15 “Se Me amais, guardareis os meus Mandamentos, 16 e Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: 17 o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não O vê nem O conhece. Vós O conheceis, porque Ele permanece junto de vós e estará dentro de vós. 18 Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós. 19 Pouco tempo ainda, e o mundo não mais Me verá, mas vós Me vereis, porque Eu vivo e vós vivereis. 20 Naquele dia sabereis que Eu estou no meu Pai e vós em Mim e Eu em vós. 21 Quem acolheu os meus Mandamentos e os observa, esse Me ama. Ora, quem Me ama, será amado por meu Pai, e Eu o amarei e Me manifestarei a ele” (Jo 14, 15-21).

O amor, condição para se cumprir a Lei

A passagem do Evangelho considerada hoje integra o grande Sermão da Ceia pronunciado por Jesus ao terminar o banquete pascal, após Judas Iscariotes ter-se retirado para consumar sua traição (cf. Jo 13, 31―17, 26). São João foi o único Evangelista a consignar este discurso, talvez o mais belo e mais admirável proferido pelos adoráveis lábios do Redentor.

A humildade manifestada momentos antes por Cristo, ao lavar os pés de cada um de seus discípulos — que havia pouco disputavam o primeiro lugar… —, gravara em suas almas uma profunda impressão da bondade divina e ao mesmo tempo tornara neles ainda mais intensa a consciência da própria indignidade. Por outro lado, é provável que o comovedor anúncio da traição de um dentre eles os deixara desconcertados e aterrorizados. Por fim, a instituição da Sagrada Eucaristia, grande Sacramento de amor, estreitara ainda mais os laços que os uniam ao Senhor, incutindo-lhes confiança e abrindo-lhes os horizontes da vida eterna.

“O fato de Jesus ter falado só aos seus Apóstolos, aos quais acabava de instituir sacerdotes e de comunicar seu Corpo e Sangue,” — comenta Gomá y Tomás — “e de ser o último colóquio que com eles teria antes de sua Morte […] confere um relevo extraordinário a este discurso. Nele o Divino Mestre abriu de par em par seu pensamento e seu coração, dando-lhes o que poderíamos chamar a quintessência do Evangelho”.

A manifestação de Jesus a quem O ama

Preocupados em presenciar algo retumbante, não viam os Apóstolos a grandiosa sublimidade que se passava diante deles. Comenta Royo Marín: “Ao revelar-nos sua vida íntima e os grandes mistérios da graça e da glória, Deus nos faz ver as coisas, por assim dizer, do seu ponto de vista divino, tal como Ele as vê. Faz-nos perceber harmonias de todo sobrenaturais e divinas que nenhuma inteligência humana, nem mesmo angélica, teria jamais conseguido perceber naturalmente”.

Descortinava-se pela fé uma maravilhosa realidade espiritual. “A fé infusa,” — comenta Garrigou-Lagrange — “pela qual cremos em tudo quanto Deus nos revelou, porque Ele é a própria Verdade, é como um sentido espiritual superior que nos permite ouvir uma harmonia divina, inacessível a qualquer outro meio de conhecimento. A fé infusa é como uma percepção superior do ouvido, para a audição de uma sinfonia espiritual que tem Deus por Autor”.

Nosso Senhor nos promete aqui a maior das recompensas, que Ele explicita mais ainda no versículo seguinte: “Se alguém Me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos nossa morada” (Jo 14, 23).

De fato, que mais se poderia dar ao homem, além de transformá-lo em morada do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Mais do que isso, impossível. Diz São Tomás que tudo Deus poderia ter criado de forma mais bela, mais excelente, com exceção de três criaturas: Jesus, em sua humanidade santíssima; Maria, em sua humanidade e santidade perfeitíssima, e a visão beatífica. Ora, aqui nos diz Jesus que já nesta Terra começamos a ser morada do Pai, do Filho e do Espírito Santo, tendo, por conseguinte, uma vida incoativa, semente de glória posta em nossa alma, que se desabrochará por inteiro na eternidade.

Nisso consiste a manifestação de Nosso Senhor a quem amar e guardar sua palavra: será transformado num tabernáculo da Santíssima Trindade! Sem fenômenos extraordinários, no silêncio, no recolhimento, algo indizível se passará entre as três Pessoas da Santíssima Trindade e a alma.

Quantas vezes não sentimos no fundo da alma a presença de Nosso Senhor Jesus Cristo, por exemplo, quando por amor a Ele resistimos à tentação e evitamos o pecado?

Peçamos a Maria a vinda do seu Divino Esposo

A Liturgia do 6º Domingo da Páscoa, insistindo na necessidade do amor para o cumprimento da Lei, nos convida a estarmos sempre abertos às inspirações do Defensor e, em consequência, seremos mais mansos e bondosos, inteiramente flexíveis e desejosos de fazer bem a todos.

Ainda a Divina Providência, por misericórdia, nos concede uma incomparável Intercessora que jamais Se cansará de ajudar-nos: “Maria é a porta oriental de onde sai o Sol de Justiça, a porta aberta ao pecador pela misericórdia […]. Ela será aberta e não será fechada. O povo se aproximará sem temor. Glorificando a Mãe do Senhor, ele O adorará. Recorrendo a Maria e prestando-Lhe suas homenagens, colherá os frutos do holocausto oferecido por Jesus”.

Peçamos à divina Esposa do Paráclito, Mãe e Senhora nossa, que nos obtenha a graça da vinda o quanto antes deste Espírito regenerador a nossas almas, conforme suplica a Santa Igreja: Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ — Enviai o vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da Terra (cf. Sl 103, 30).

Tudo, portanto, está ao nosso alcance para sermos o que devemos ser, e assim recebermos o prêmio imerecido do convívio eterno com a Santíssima Trindade. ♦


O Inédito sobre os Evangelhos, Vol. 01, Ano A, Páscoa.

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