Quinta-Feira Santa
(Missa da Ceia do Senhor)
Amar aos outros como Deus nos amou! Eis uma das mais belas formas de preparar-nos para a Eucaristia no Tempo da Páscoa que agora começa.
Mons. João S. Clá Dias, EP
Fundador dos Arautos do Evangelho
“Deus é amor”
Um insuperável clímax de plenitude de amor atinge o Sagrado Coração de Jesus naquelas últimas horas de convívio com os seus. Transcorrem ali, naquele histórico recinto, os momentos finais de sua vida terrena. São os derradeiros episódios que constituem o grande pórtico dos sagrados mistérios da Redenção prestes a realizarem-se. Os inimigos se agitam e se entre-estimulam a perpetrar o mais grave homicídio de todos os tempos. Encontram-se eles na dependência de um guia possuído por Satanás, aguardando o momento propício para agarrar o Messias e conduzi-Lo aos tormentos da Cruz. Não há minuto a perder, é indispensável o Salvador externar ao Pai e aos discípulos o transbordante amor a borbulhar no interior de seu sagrado peito.
As primeiras manifestações desse amor já haviam se dado na própria obra da criação. Desfrutando de perfeita felicidade em Si mesmo, desde toda a eternidade, não necessitava Deus de nenhum ser que O completasse. Entretanto, por amor, quis Ele comunicar suas infinitas perfeições às criaturas, de maneira que estas Lhe rendessem a glória extrínseca.1 Com especial benevolência, concebeu os Anjos e os homens à sua imagem, destinando-os a participar da vida e da natureza divinas, pela graça. E eles, seres racionais, encontram sua felicidade em glorificar seu Criador, pois “o mundo foi criado para a glória de Deus”.
A criação foi, portanto, o início ad extra da demonstração de seu amor divino. “Se Deus produziu as criaturas” — afirma São Tomás — “não é porque delas necessite, nem por nenhuma outra causa exterior, mas por amor de sua bondade”. E Royo Marín, citando Chaine, acrescenta: “O amor é o atributo que melhor nos dá a conhecer a natureza de Deus […]. É de tal maneira representativo, que São João não o considera como atributo, mas como a expressão da própria natureza de Deus”.
“Deus caritas est” (I Jo 4, 16), e “na história de amor que a Bíblia nos narra” — ensina Bento XVI na encíclica assim intitulada — “Ele vem ao nosso encontro, procura conquistar-nos chegando até a Última Ceia, até o Coração trespassado na Cruz, até às aparições do Ressuscitado e às grandes obras pelas quais Ele, através da ação dos Apóstolos, guiou o caminho da Igreja nascente”.
Eis algumas considerações que nos levam a ver no Cenáculo, um símbolo e lição da perfeita caridade. Na Antiga Lei, o amor não era universal. Limitava-se ao benfeitor, ao amigo, ao conacional. Ademais, a medida do amor era, então, o empregado a nós mesmos. A partir de Cristo, trata-se de um mandamento novo, tal qual encontramos na aclamação do Evangelho de hoje: “Amai-vos uns aos outros, como Eu vos tenho amado” (Jo 15, 12).
Preparação para a Eucaristia
A instituição da Eucaristia sucedeu imediatamente ao lava-pés, com o qual tem ela íntima relação. “Cristo executou tal ação ou cerimônia com o objetivo de ensinar, por meio desse simbolismo externo, que os homens não devem aproximar-se da sacrossanta e divina Eucaristia impuros e manchados”,afirma Maldonado.
A Eucaristia é um Sacramento insuperável, porque não há outro cuja substância seja o próprio Deus. No Batismo, que nos abre as portas para a participação da vida divina, Nosso Senhor Jesus Cristo está como Autor, não como substância. Mas no Sacramento da Eucaristia, Ele está como Autor e como Substância, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Essa é a principal razão pela qual São Tomás a considera o mais importante dos Sacramentos, em termos absolutos.
Na Sagrada Hóstia, o Criador Se doa à criatura e, ao mesmo tempo, assume-a e transforma, tornando-a mais semelhante a Ele. E, se ela corresponde ao seu amor, estabelece com ela uma “comunhão de vontade” que, conforme ensina o Papa Bento XVI, “cresce em comunhão de pensamento e de sentimento”.
Logo adiante, esclarece o Pontífice como daí floresce o amor ao próximo: “Revela-se, assim, como possível o amor ao próximo no sentido enunciado por Jesus, na Bíblia. Consiste precisamente no fato de que eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus, um encontro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então aprendo a ver aquela pessoa já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspectiva de Jesus Cristo”.
Quem participa do Sagrado Banquete sem ter pelos seus irmãos esse amor do qual nos deu exemplo Nosso Senhor, está ainda, por assim dizer, com “os pés sujos”. Mas quando nos aproximamos da Mesa Eucarística tão cheios de preocupação pelos outros quanto por nós mesmos, ou até mais ainda, agradamos a Deus de tal forma que Ele derrama sobre nossas almas abundantíssimas e renovadas graças.
Amar aos outros como Deus nos amou! Eis uma das mais belas formas de preparar-se para a Eucaristia no Tempo da Páscoa que agora começa. Se assim fizermos, estaremos imitando, de fato, em nossas vidas, o Divino Mestre no sublime ato do lava-pés. E ninguém melhor para interceder por nós e promover a limpeza de nossas almas para acercar-nos do Pão dos Anjos, do que Maria Santíssima. Recorramos a Ela, sempre. ♦
O Inédito sobre os Evangelhos, Vol 07. Triduo Pascal.