Comentário ao Evangelho do VII Domingo do Tempo Comum
Em face aos conceitos egoístas de amor e de justiça imperantes no mundo antigo, Nosso Senhor ensina que a verdadeira alegria está no dar-se completamente aos outros, seguindo seu divino exemplo
Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP
A síntese dos preceitos contidos na Liturgia de hoje se encontra na Aclamação ao Evangelho: “Eu vos dou este novo mandamento, nova ordem, agora, vos dou: que também vos ameis uns aos outros, como eu vos amei, diz o Senhor”.
Como nos amou Nosso Senhor?
Muito sábias são as palavras do padre Monsabré a esse respeito: “Aproximai vosso ouvido do peito de Jesus e ouvireis seu coração, harpa sagrada, cantar, em todos os tons, os tocantes hinos do amor apaixonado”. Amor que O impelia a perdoar os pecados de todos os que d’Ele se aproximavam, a curar qualquer tipo de doença, a remediar os piores males, a buscar a companhia dos pecadores, a interessar-se por eles, a dar-Se continuamente em favor de cada um. Enquanto o povo dormia e não mais o procurava para alcançar d’Ele algum benefício, Ele fugia para o alto de um monte, onde permanecia em profunda oração ao Pai, intercedendo pela humanidade pecadora.
Se isto não bastasse, Ele escolheu para Si a prisão, o iníquo julgamento, a injusta flagelação, a coroa de espinhos e, finalmente, a mais ignominiosa das mortes, por amor a nós. “Nenhum afeto foi mais puro em suas intenções, mais constante em sua duração, mais rico em seus dons, mais inefavelmente tenro em sua afeição. Nenhum amor foi mais magnânimo em seus ambiciosos empreendimentos, mais vasto em sua extensão, mais fecundo em suas obras, mais independente e mais livre em seus atos, mais generoso em seus sacrifícios, mais delicado e de uma bondade mais amável”.
A nós, que compreendemos facilmente o fato de o Salvador ter entregado sua vida pelos homens, Ele nos pede que O imitemos, agindo em relação aos outros como Ele agiu em relação a nós, e não impondo limites ao amor. Esta deve ser a característica do relacionamento entre os batizados. (…)
É mediante tal lição que Jesus extirpa até às raízes a dureza antiga e implanta sua caridade nova”. Cessa o regime do egoísmo e abre-se para a humanidade uma via fundamentada no amor, que servirá de norte aos cristãos de todos os tempos. Não se trata, porém, de um amor espontâneo e passageiro, fruto da simpatia natural, dos laços familiares ou do sentimento humano, mas de um amor saído de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera e sem ostentação, como tão bem expressa o vocabulário grego com o termo ἀγάπη (ágape, traduzido na Vulgata por diligere).
É o amor transbordante de ternura de Deus para conosco, do qual o amor entre os irmãos e o “sentimento cristão de amor aos inimigos” são um reflexo.
“A palavra ἀγάπη é especificamente bíblica; […] mais original ainda é a caridade como noção teológica e como princípio da vida prática. É uma das revelações mais ricas que o Senhor trouxe ao mundo; os Apóstolos […] fizeram da difusão da caridade divina o objetivo de sua mensagem; e foi esta pregação que converteu o mundo”.
Um convite para a humanidade nos dias de hoje
Quem nunca experimentou, ao menos uma vez na vida, a alegria sobrenatural que invade a alma quando nos debruçamos com dedicação e desinteresse sobre as necessidades de outrem, procurando fazer-lhe o bem? É a posse desta alegria, por ora passageira, depois eterna, que nos é proposta pela Liturgia de hoje. Em suma, somos convidados a rejeitar o erro de conceber o amor como pura explosão de sentimentos, quando não como manifestação de egoísmo, movido pelo interesse pessoal; somos convidados a abraçar a santidade, procurando fazer tudo — desde varrer o chão ou limpar uma vidraça, até governar uma nação — por amor e com amor.
Em nossos dias tão conturbados, quando os homens, quiçá mais do que no mundo antigo, correm atrás das vantagens pessoais e se debatem numa sociedade dominada pelo orgulho, pelo ódio e pelo desprezo, ignorando as obrigações da caridade e deixando de lado a glória de Deus, as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo ressoam, mais uma vez, como um apelo à mudança de vida.
Não sejamos surdos a este divino convite. Depositemos nossa confiança em Maria Santíssima e abracemos o admirável exemplo do Homem-Deus, que não hesitou em entregar até a última gota de sangue e linfa por cada um de nós. Se vivermos nessa impostação de espírito, será possível criar um ambiente de benquerença e respeito que estimule as pessoas à prática da virtude, pois, segundo as palavras do Apóstolo, “o amor é o vínculo da perfeição” (Col 3, 14).
Só assim construiremos uma civilização mais cristificada e, ao completarmos o curso desta vida, abrir-se-ão para nós as portas do Céu.