As parábolas sobre o Reino

XVII Domingo do Tempo Comum

Três parábolas sobre o Reino — a do tesouro escondido, a da pérola e a da rede —, preciosos ensinamentos para a nossa vida espiritual, a fim de alcançarmos a eterna salvação. Quando os “pescadores” separarem os “peixes”, no fim do mundo, estaremos nós entre os bons ou entre os maus?

Mons. João S. Clá Dia, EP

 


O Reino revelado pelo Divino Mestre

Tendo sido enviados alguns soldados pelas autoridades religiosas do Templo para prender Jesus, retornaram sem cumprir a missão, alegando ter sido impossível executá-la, pelo simples fato de nunca ninguém ter falado como Ele. Transparece, nesse episódio, o grande poder de expressão da verdade ensinada pela Verdade Encarnada. Ninguém jamais chegou a ser mestre, ou virá a sê-lo, em toda significação do termo, como o foi Jesus Cristo. Quem, de fato, conseguirá ultrapassar em pedagogia o Pregador Divino?

Consideremos também quanto o homem é moralmente incapaz de conhecer por si só e em sua plenitude as verdades religiosas, necessitando para tal do concurso da Revelação. E também a esse respeito devemos questionar: quem melhor do que o próprio Jesus para oferecer essa Revelação? Ele trazia do alto uma rica variedade de temas para nos instruir, entre os quais se encontrava o do Reino de Deus.

A parábola do tesouro escondido

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 44 “O Reino dos
Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o
encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende
todos os seus bens e compra aquele campo”.

Os detalhes secundários são omitidos pelo Evangelista. Terão, ou não, sido tratados pelo Divino Mestre? Não temos como o saber. Contudo, pode-se imaginar o quanto a exposição de Jesus deve ter sido atraentíssima, pelo fato de Ele discorrer sobre os temas através de sua humanidade e, pari passu, ir iluminando, bem dispondo e auxiliando, pela graça e por seu poder divino, o fundo da alma de cada um ali presente.

Mateus tem um objetivo concreto em mente. Por tal razão sintetiza a parábola nos seus elementos essenciais, deixando de lado, por exemplo, a indicação de como foi descoberto o tal tesouro. Conhecemos nós episódios havidos na História a propósito de descobertas deslumbrantes nessa linha. Por isso, fica ao encargo de nossa imaginação ambientá-la, completando os pormenores.

O homem esconde novamente o tesouro. De uma perspectiva moral, procede bem, não se apropriando das riquezas encontradas. E, ao mesmo tempo, mostra-se prudente não deixando à vista aquelas preciosidades, para evitar as tentações que alguém pudesse ter ao deparar-se com elas. “Não é necessário adequar este dado [o fato de esconder o tesouro] ao significado da parábola, porque, segundo minha teoria, não é parte dela, senão ornato”, diz Maldonado, e discorre sobre este ponto em particular com muito e sábio critério, glosando considerações feitas por São Jerônimo e São Beda.

Parece-nos curioso que os autores concentrem seus comentários sobre o homem que encontra o tesouro, mas sejam displicentes em considerar o campo onde estava ele escondido. Seja-nos permitido fazer uma aplicação a esse propósito.

Olhando para os primeiros tempos da Igreja, vemos quanto custou aos judeus e pagãos convertidos “comprar o campo” no qual se escondia o tesouro da salvação. A renúncia exigida era total: família, bens, reputação e até a própria vida. Quão bem procederam, todavia, os que então abraçaram a Fé Católica!

A humanidade atual, qual dos dois papéis representa: o do homem que deseja comprar ou o do que quer vender? Infelizmente, a quase totalidade dos fatos nos inclina à segunda hipótese. Muitos de nós, hoje em dia, caímos na insensatez de não mais nos importarmos com esse tesouro de nossa Fé, que tanto custou aos nossos antepassados, e pelo qual o Salvador derramou todo o seu preciosíssimo Sangue no Calvário. Por quão miserável preço vendemos, alguns de nós, esse tão elevado tesouro, tal como fez Esaú com sua primogenitura, ao trocá-la por um mísero prato de lentilhas! Hoje, mais do que nunca, multiplicam-se as “lentilhas” da sensualidade, da corrupção, do prazer ilícito, da ambição, etc.

Aqui também poderia estar incluída a figura do religioso que se deixa arrastar pelos afazeres concretos e vai se olvidando do “tesouro” pelo qual tudo abandonou em seu primitivo fervor.

Essa plenitude de alegria do homem da parábola deve nos acompanhar a vida inteira, sem interrupção, por ser um dos efeitos da verdadeira Fé. A virtude é um dom gratuito; não se compra. No entanto, sua posse contínua e crescente custa esforços de ascese, piedade e fervor. É preciso “vendermos” todas as nossas paixões, caprichos, manias, vícios, sentimentalismos, em síntese, toda a nossa maldade. É o melhor “negócio” que se possa fazer nesta Terra.

A parábola da pérola preciosa

45 “O Reino dos Céus também é como um comprador que procura
pérolas preciosas. 46 Quando encontra uma pérola de grande
valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola”.

“O Reino dos Céus é semelhante não ao mercador, e sim à pérola; como na parábola precedente ele não é semelhante ao homem que encontra o tesouro, mas ao próprio tesouro em questão”. Na Antiguidade, as pérolas eram consideradas de um valor inestimável. Por esse motivo, quem encontrasse à venda alguma de excelente categoria estaria disposto a desfazer-se de todos os seus bens para comprá-la  O texto nos fala de “um comprador que procura pérolas preciosas”. Ele, ao adquirir uma de altíssima qualidade, não pensa em vendê-la — pelo menos nada consta a esse respeito na letra do Evangelho.


Sobre detalhes secundários, debatem entre si diversos autores. O importante é reter a ideia de que a presente parábola tem o mesmo sentido da anterior, variando apenas a matéria, ou seja, trata-se de, se necessário for, deixar tudo o que se possui com vistas a adquirir esse “tesouro”, ou “pérola”, que nada mais é do que o próprio Reino dos Céus.

A esse respeito pondera São João Crisóstomo: “Vede como o Evangelho é o tesouro escondido no mundo e como nele estão escondidos os bens!”. E mais adiante, completando seu pensamento, afirma: “Com efeito, a verdade é una, e não é possível dividi-la em muitas partes. E assim como quem é dono de uma pérola sabe que é rico ― mas muitas vezes sua riqueza, que lhe cabe em uma mão, é desconhecida pelos demais —, da mesma forma, em seu devido tempo, ocorre com o Evangelho: os que o possuímos sabemos que com ele somos ricos; mas os infiéis, que desconhecem este tesouro, desconhecem também nossa riqueza”.

De fato, quantos pensadores pagãos acabaram por aderir à verdade do Cristianismo, naqueles primeiros tempos, ao se sentirem atraídos por sua doutrina, chegando alguns deles a entregar sua vida por amor a ela? Eram “bons negociantes de pérolas”.

Pelo contrário, numerosos chegam a ser, hoje, os que abandonam a “pérola” da verdade e preferem rolar no precipício do erro, do equívoco e da confusão. Lançam-se, sem receio, nas águas turvas da indiferença e da tibieza a propósito de sua salvação eterna, do Reino e do próprio Deus. Para esses, o senso do ser vai se tornando cada vez mais embotado, a ponto de quase não mais distinguirem entre bem e mal, belo e feio, verdade e erro.

E quantos há que, conhecendo a verdade, a ela não se entregam, por pura falta de generosidade? Não “vendem todos os seus bens”. E quais são os que, no mundo atual, estão dispostos a tudo sacrificar para manter o estado de graça?

Enfim, essas duas parábolas completam-se harmoniosamente.  Uma se refere ao pulchrum do Reino, a da pérola; a outra busca inculcar-nos a ideia da vantagem, utilidade e prêmio, a do tesouro. Nesta última se reflete a gratuidade do Reino —“encontra” —; na anterior, o esforço — “procura”. Em ambas torna-se patente quanto deve desapegar-se dos bens deste mundo todo aquele que deseja adquirir o Reino dos Céus.

A parábola da rede

47 “O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar
e que apanha peixes de todo tipo. 48 Quando está cheia, os
pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os
peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam. 49 Assim
acontecerá no fim dos tempos: os Anjos virão para separar
os homens maus dos que são justos, 50 e lançarão os maus na
fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes”.

Continuamos ouvindo Jesus falar nas cercanias do Mar de Tiberíades, em cujas águas, segundo informações de entendidos, há aproximadamente trinta espécies diferentes de peixes. Descreve bem a realidade histórico-geográfica desta parábola o padre Manuel de Tuya, ao analisar segundo a legislação levítica os peixes que eram considerados impuros — devido à ausência de escamas, etc. — e outros classificados como maus por serem defeituosos. Daí que, ao chegar à praia a rede após ter sido puxada pelos pescadores, os bons fossem postos em cestos e os maus recusados.

Esta cena, tão comum na vida diária de seus discípulos, é recordada pelo Divino Mestre com o intuito de lhes deixar claro que, para penetrar no Reino dos Céus, é indispensável ser bom cidadão neste mesmo Reino, que aqui começa com a vida sobrenatural. Só assim não seremos excluídos no nosso juízo particular e, portanto, também no Final. “A Santa Igreja se compara a uma rede, porque foi entregue a pescadores, e quem quer que seja é trazido por ela das ondas do presente século ao Reino Eterno, a fim de que não pereça submergido no abismo da morte eterna.

“Esta rede reúne todo tipo de peixes, porque chama ao perdão dos pecados os sábios e os ignorantes, os livres e os escravos, os ricos e os pobres, os poderosos e os débeis. […] Estará completamente cheia a rede, isto é, a Igreja, quando dentro dela se acolha o último homem; […] porque assim como o mar é figura do mundo, também a margem é figura do fim dos tempos, em cujo termo, é certo, os peixes bons são colocados em cestos e os maus são atirados fora, porque também os eleitos são recebidos nas mansões eternas e os réprobos, perdida a luz do Reino interior, são lançados às trevas exteriores. Pois agora a rede da Fé nos recolhe a todos, bons e maus, como peixes mesclados em comum; mas logo na margem se verá os que estão dentro da rede da Santa Igreja”.

Não só segundo São Gregório esta “rede” pode ser interpretada como uma imagem da Igreja; muitos outros autores opinam no mesmo sentido. A Igreja se compõe de justos, e também de pecadores. O mal que às vezes encontramos na sua parte humana não deve nos assustar, nem mesmo escandalizar; já está previsto. Nem por isso deixa a Igreja de ser santa em sua essência, pois é ela divina. O que nos deve importar é buscar essa “pérola” e, encontrando esse “tesouro”, abandonar todo apego para sermos bons “peixes” nessa rede.

A tarefa da separação caberá aos Anjos, no dia do Juízo: os bons à direita, os maus à esquerda; os sacerdotes santos serão apartados dos sacerdotes sacrílegos; os religiosos observantes, dos sensuais; os magistrados íntegros, dos injustos; serão recebidas as virgens prudentes, rejeitadas as néscias; as esposas fiéis afastadas das adúlteras; em síntese, os eleitos serão postos de um lado, e os réprobos de outro.

Caberia aqui uma exaustiva descrição a respeito dos tormentos eternos dos maus no inferno, como também, e em contraposição a estes, dos gozos celestiais que terão os bons na vida eterna. Não faltará ocasião para se discorrer sobre tão importante matéria.

Epílogo

Jesus ensinava a seus discípulos a substância e as belezas do Reino dos Céus, constituindo-os doutores. Deste modo, altamente formados, deviam eles ensinar aos outros com abundância e variedade de doutrina, segundo o nível e necessidade de seus ouvintes, sem jamais serem surpreendidos “de mãos vazias”. “Porque da mesma maneira que o pai de família deve alimentar os seus com o mantimento corporal, assim o doutor evangélico deve sustentar o povo cristão com o sustento espiritual”.

Para nós também constitui uma necessidade, quando temos outros sob nossa responsabilidade, empregarmos todos os meios da melhor erudição — antiga e atual — e da mais atraente didática, a fim de bem instruí-los e formá-los.

Jesus contemplava, nessa ocasião, o futuro de sua obra, já não mais somente com os conhecimentos eternos de sua divindade, nem apenas com os da visão beatífica de sua Alma na glória, mas através de sua experiência humana, e discernia os esplendores do desenlace final de todos os acontecimentos, depois de seus dramas e sofrimentos durante a Paixão. Exultava de alegria por ver com antecipação o triunfo de seus discípulos, da Igreja, e dos bons em geral após o Juízo, assim como a justiça do Pai desabando sobre aqueles que rejeitariam sua Revelação. Por isso, descortinava diante do público — como também de seus discípulos — panoramas do porvir, ora com tintas sombrias e carregadas de gravidade, ora com fulgores deslumbrantes e maravilhosos. Seus ouvintes, às vezes, enchiam-se de temor e de terror, e, em outros momentos, de consolação e esperança. Pois o pavor é um excelente freio face ao convite do mal, e a esperança é um dos melhores estímulos para nos conduzir a Deus.

Fixemos nosso entendimento e nosso coração nas maravilhas do Reino dos Céus, e conservemos um perseverante terror da eternidade no inferno. Desta forma, estaremos em condições para nos localizar entre aqueles convidados que se encontrarão à direita de Jesus, no Juízo Final! ♦


O Inédito sobre os Evangelhos. Vol. 02. Ano A.

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