A Transfiguração foi para os discípulos um antegozo do Céu e uma imensa consolação para enfrentar as futuras provações da Paixão e Morte de Jesus. Também todo batizado recebe consolações, como estímulo para perseverar no serviço de Deus
Mons. João S. Clá Dias, Fundador dos Arautos do Evangelho e do Apostolado do Oratório
São Paulo declara aos coríntios ter sido arrebatado ao Céu, em certo momento de sua vida, onde ouviu o que era impossível transmitir e menos ainda explicar: “foi arrebatado ao Paraíso e lá ouviu palavras inefáveis, que não é permitido a um homem repetir” (II Cor 12, 4).
“Naquele tempo, 1 Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. 2 E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o Sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz. 3 Nisto apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus. 4 Então Pedro tomou a palavra e disse: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, e outra para Elias”. 5 Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus todo meu agrado. Escutai-O!” 6 Quando ouviram isto, os discípulos ficaram muito assustados e caíram com o rosto em terra. 7 Jesus Se aproximou, tocou neles e disse: “Levantai-vos, e não tenhais medo”. 8 Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus. 9 Quando desciam da montanha, Jesus ordenou-lhes: “Não conteis a ninguém esta visão, até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos” (Mt 17, 1-9).
O que é o Céu?
Esse é o Céu, “o fim último e a realização de todas as aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva”; e essa é a glória que transparece no Tabor, ao transfigurar-Se o Senhor. Manifestou aos três Apóstolos a clareza de sua Alma e de seu Corpo para animá-los, em função da glória final, a percorrerem o espinhoso e dramático caminho do Calvário e, com fortaleza de alma, aceitarem o futuro martírio no epílogo de suas vidas.
São Lucas fala em uns oito dias (cf. Lc 9, 28). Será mais fácil compreender quão aparente é essa discrepância se levarmos em conta que um Evangelista considera o dia de saída e o de chegada, enquanto Mateus — ao falar em “seis dias depois”, neste primeiro versículo completo — só se refere aos intermediários, como nos explica São Jerônimo. O “depois” toma como referência a cena da confissão e primado de Pedro, na Cesareia. Dali partem rumo ao Monte Tabor, que dista aproximadamente 80 km, situado nos confins da Galileia e da Samaria. O Divino Mestre se comprazia com o alto das montanhas, e ali procurava prodigalizar seus grandes mistérios.
Nesse caso concreto, escolheu o Tabor talvez para simbolizar a necessidade de elevarmos nossos corações sobre as coisas deste mundo e, em consequência, com mais facilidade nos entregarmos à meditação das verdades eternas e delas tirarmos todo proveito, conforme as palavras de São Remígio: “Com isto o Senhor nos ensina que é necessário, para quem deseja contemplar a Deus, não se deixar atolar nos baixos prazeres, mas elevar a alma para as coisas celestiais, por meio do amor às realidades superiores. Ensina ainda a seus discípulos que não devem procurar a glória de sua beatitude divina nas regiões inferiores do mundo, e sim no reino da beatitude celestial. E são levados separadamente, porque todos os Santos estão apartados, com toda a sua alma e pela direção da fé, de qualquer mancha, e serão radicalmente separados nos tempos vindouros; ou também porque muitos são os chamados e poucos os escolhidos”.
Os comentários se multiplicam a propósito da razão de ter Jesus escolhido esses três Apóstolos para gozarem do convívio glorioso do Senhor. Um motivo claro e imediato salta logo aos olhos: estes veriam mais de perto as humilhações pelas quais passaria o Salvador. Como também era fundamental haver algumas testemunhas da glória de Jesus para sustentarem, na prova da Paixão, os Apóstolos em suas tentações.
Apartar-se das criaturas é condição indispensável para entrar em contato com Deus e, mais ainda, para vê-Lo.
Após a contemplação é necessário dedicar-se à ação
Até mesmo no alto do Tabor terminam as alegrias, como sempre ocorre nesta Terra de exílio. É necessário descerem do monte todos aqueles que, ademais, são chamados à vida ativa. Depois de se enriquecerem com as graças de Deus por meio da contemplação, é preciso abraçar as penosas tarefas da pregação e da caridade. E não deviam dizer nada a ninguém, “porque se fosse divulgada ao povo a majestade do Senhor, este mesmo povo se oporia aos príncipes dos sacerdotes e impediria a Paixão, e assim se retardaria a Redenção do gênero humano”.
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“Sou demasiadamente grande, e meu destino por demais nobre, para que eu me torne escravo de meus sentidos”. Esta foi a conclusão à qual chegou Sêneca por mera elaboração filosófica, sem ter a menor revelação de algo análogo à Transfiguração do Senhor.
No Tabor, Jesus Cristo vai muitíssimo além: em sua divina didática, faz-nos conhecer uma parcela de sua glória nos reflexos da claridade própria a seu Corpo após a Ressurreição. Pálida exemplificação do que veremos no Céu, como fruto dos méritos de sua Paixão, dos fulgores de sua visão beatífica e da união hipostática. Como objetivo imediato, quis Ele fortalecer seus discípulos para assumirem com heroísmo as tristes provações de sua Paixão e Morte, à margem da manifestação de sua divindade. Porém, não era alheio aos seus divinos desígnios deixar consignado para a História quais são as verdadeiras e reais alegrias reservadas aos justos, post mortem.
Em contrapartida, o demônio, o mundo e o pecado nos prometem contentamentos com ares de absoluto. Entretanto, sua fruição é quase sempre fugaz e seguida de amargas frustrações; além do mais, ao término desta vida seremos lançados no fogo eterno como castigo, se não tiver havido de nossa parte um verdadeiro arrependimento, propósito de emenda e a obtenção do perdão de Deus.
No Tabor a voz do Pai proclama: “Escutai-O!”. Esta recomendação se dirige sobretudo a nós, batizados, pois somos filhos adotivos de Deus e, portanto, já passamos por uma imensa transformação quando ascendemos à ordem sobrenatural, deixando de ser exclusivamente puras criaturas. Porém, quando penetrarmos na ordem da glória, outra transformação se dará, pois seremos como Ele o é agora. Para lá chegarmos, convida-nos Jesus a iniciarmos pelas agruras dos primeiros passos no caminho da virtude, sustentados logo depois por muita paz de alma e, por fim, sermos nós mesmos transfigurados no alto do Tabor eterno.
O Céu, por si só, é uma enorme manifestação da bondade de Deus, um riquíssimo tesouro de felicidade que Ele nos promete e um poderoso estímulo para aceitarmos com amor as cruzes durante nossa existência terrena. Confiemos nessa promessa com base nas garantias da Transfiguração do Senhor e peçamos à Mãe da Divina Graça que bondosamente nos auxilie com os meios sobrenaturais a chegarmos incólumes, decididos e seguros ao bom porto da eternidade: o Céu. ♦