Solenidade da Santíssima Trindade
Constatando a insuficiência da humana inteligência diante dos maiores mistérios de nossa Fé, resta-nos prestar um tributo de amor e gratidão ao Deus Uno e Trino, que nos oferece uma dádiva infinitamente acima de nossa natureza e merecimentos
Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP
Um dos maiores mistérios da nossa Fé
Conta uma piedosa tradição que, estando o grande Santo Agostinho muito empenhado em procurar compreender a Santíssima Trindade, certo dia sonhou que presenciava na praia um menino esvaziando baldes e baldes de água do mar em uma cavidade na areia. Intrigado, aproximou-se dele e indagou:
— Que fazes aqui, meu jovenzinho?
— Tento colocar toda a água do mar neste buraco na areia.
— Mas, não vês que isso é impossível? — perguntou-lhe o Santo.
— Pois sabei, Agostinho, que mais fácil é transferir para aqui toda a água do mar do que vós compreenderdes o mistério da Santíssima Trindade.
A sábia resposta fez o Doutor da Graça dar-se conta da insuficiência da inteligência humana, ainda que tão brilhante como a dele, perante um dos mistérios centrais da nossa Fé.
Inatingível pela mera razão natural
Nas aulas de catecismo, aprendemos uma fórmula extraordinariamente simples e breve: “Um só Deus em três pessoas”. Ela nos é muito familiar e podemos decorá-la com facilidade, mas jamais conseguiremos penetrar no seu significado sem a ajuda da Fé. Por isso, Santo Agostinho nos aconselha: “Se almejamos compreender tanto quanto nos é possível a eternidade, a igualdade e unidade de um Deus trino, precisamos crer antes de entender”.1
Desde toda a eternidade, conhecendo-Se a Si mesmo no espelho puríssimo de sua essência, o Pai gera o Filho — o Verbo, a Palavra viva e substancial —, que é a Segunda Pessoa. Vendo a essência divina do seu Verbo, o Pai O ama sem limites. E o Verbo, afirma o padre Royo Marín, “retribui a seu Pai um amor semelhante, igualmente eterno e infinito. E ao encontrar-se a corrente impetuosa de amor que brota do Pai com a que brota do Filho, salta, por assim dizer, uma torrente de chamas, que é o Espírito Santo”.2
Esse insondável mistério da vida ad intra de Deus, baseada no amor, tornou-se cognoscível apenas pela Revelação. Para a inteligência humana resulta impossível entendê-lo, pois nada há na ordem da criação que possa dar ideia explícita dele. “É impossível chegar ao conhecimento da Trindade das Pessoas divinas pela razão natural”,3 afirma São Tomás. Logo a seguir, esclarece ser-nos possível conhecer de Deus, por mero raciocínio, “o que pertence à unidade da essência, não à distinção das Pessoas”.4
Tão inefável é o mistério da Santíssima Trindade que Santo Antônio Maria Claret, após procurar descrevê-lo, afirma: “Incompreensível vos parecerá isto, sem dúvida. E se pudéssemos compreendê-lo com perfeição, ou seríamos esse Deus, ou Aquele cuja natureza declarássemos como é em si, não o seria. O que teria de precioso a Divindade incompreensível — pergunta Eusébio Emiseno — se a sabedoria humana pudesse compreender aquele Senhor que habita nas alturas, ao qual as nuvens servem de abajur e que é infinitamente superior a toda a ciência dos homens?”.5
O Espírito sonda tudo
A incapacidade de nosso intelecto para desvendar os mistérios da Fé não deve nos causar estranheza quando, mesmo no plano material, continuamos desconhecendo a explicação de muitos fenômenos naturais que nossos sentidos captam e cujas causas poderíamos deduzir pela aplicação do nosso entendimento.
Alguns mistérios, como o da Encarnação, parecem estar mais ao nosso alcance, porque neles encontramos um Deus que Se fez Homem, tornando-Se perceptível a nossos sentidos. Mas, tanto o da Encarnação quanto o da Santíssima Trindade e os outros mistérios da nossa Fé foram escondidos dos sábios, e revelados aos pequeninos (cf. Mt 11, 25) pela ação do Espírito Santo, que “sonda tudo, mesmo as profundezas de Deus” (I Cor 2, 10). É pela fogosa pluma do Apóstolo que temos ciência de quanto “o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado” (Rm 5, 5).
A grande e virtuosa Santa Maria Madalena de Pazzi, disse em certa ocasião: “Vi um hóspede divino sentado sobre um trono”.6
O afamado padre Plus torna-nos ainda mais explícito quem é esse Divino Visitante: “Esse Hóspede, o mais nobre e digno de todos, é o Espírito Santo que, com a agilidade de sua bondade e de seu amor a nós, infunde-Se rapidamente em todas as almas dispostas a recebê-Lo. Quem poderia enunciar os maravilhosos efeitos que Ele produz em qualquer lugar onde é recebido! Fala sem articular palavras, e todos ouvem seu divino silêncio. Está sempre imóvel e sempre em movimento, e sua imobilidade móvel comunica-se a todos. Permanece sempre em repouso e, não obstante, age sempre; e no seu repouso realiza as mais dignas e admiráveis obras. Sempre em movimento, sem nunca mudar de lugar, confirma e ao mesmo tempo destrói tudo onde penetra. Sua imensa e penetrante ciência tudo conhece, tudo ouve e tudo descobre. Sem necessidade de estar atento, ouve a menor palavra dita no mais íntimo do coração”.7
Diz-nos, ademais, o padre Faber: “O Espírito Santo fala mais que Jesus […], toma maior iniciativa; parece dizer mais, parece que a paixão de seu interesse pelos pecadores, Ele a tem muito maior para o santo”.8
É o Espírito quem nos faz compreender — muitas vezes às apalpadelas (cf. At 17, 27), como se andássemos às escuras — os ensinamentos revelados pela Palavra da verdade. É por um dom do Paráclito que aos poucos vamos conhecendo-os e constituindo uma noção cada vez menos imprecisa a respeito da Santíssima Trindade. Por isso, pedimos na Oração do Dia: “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito Santificador, revelastes o vosso inefável mistério. Fazei que, professando a verdadeira Fé, reconheçamos a glória da Trindade e adoremos a Unidade onipotente”.9
Mistério com o qual convivemos cotidianamente
Já nos escritos apostólicos, encontramos formulações afirmando a crença na Trindade. Destaca-se, entre eles, o encerramento da Epístola aos Coríntios, que inspirou a saudação inicial da Santa Missa: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (II Cor 13, 13). E ao longo dos séculos foi a Igreja explicitando sua Fé trinitária e definindo verdades por obra dos Concílios, com a contribuição dos Padres da Igreja e do sensus fidei do povo cristão.
Hoje, podemos constatar a naturalidade com que, por maravilhosa ação da graça nas almas, convive o fiel cotidianamente com um dos principais mistérios de nossa Fé. Diversas vezes ao dia nos persignamos “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” e a maior parte das nossas orações termina glorificando a Santíssima Trindade. Em qualquer ato litúrgico ou piedoso Ela é reverenciada sem que, na maioria das ocasiões, os presentes se detenham para pensar sobre a grandeza desse mistério.
E a Liturgia desta Solenidade — cuja comemoração foi estendida por João XXII, em 1334, a toda a Igreja Latina — visa precisamente incrementar nossa devoção ao Deus uno e, ao mesmo tempo, Trindade consubstancial e indivisível.
O trecho do Evangelho de São João, hoje contemplado, pertence ao relato da Última Ceia. Precede a Oração Sacerdotal, e sucede ao episódio do lava-pés e a diversas afirmações misteriosas do Divino Redentor que pareceram incompreensíveis aos Apóstolos, como o anúncio da traição de Judas, da negação de Pedro antes que o galo cantasse, ou ainda da sua breve partida: “Para onde Eu vou, vós não podeis ir” (Jo 13, 33).
Encontravam-se eles admirados e perplexos ao extremo diante do grandioso panorama apresentado por Jesus, tanto mais que suas vidas estavam em questão, pois poucos instantes antes o Salvador afirmara: “Virá a hora em que todo aquele que vos matar, julgará estar prestando culto a Deus” (Jo 16, 2).
“Não sois capazes de compreender agora”
12 “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes
de as compreender agora”.
Chama a atenção ver o Mestre por excelência, incomparável pedagogo, dotado de divina didática, afirmar que vai silenciar determinados ensinamentos porque seus interlocutores não são capazes de compreendê-los.
Até se poderia ter a falsa impressão de que, por causa de certas deficiências dos Apóstolos, Nosso Senhor houvera decidido guardar para Si algumas das doutrinas que deveriam fazer parte da Revelação. E que, portanto, se os Doze tivessem sido inteiramente fiéis, ter-lhes-ia o Divino Mestre desvendado muitas outras maravilhas. Afirmar isso, porém, seria grave erro, pois equivaleria a asseverar que ficou incompleta a missão de Nosso Senhor, não tendo sido atingida, com Ele, a plenitude da Revelação.
Para bem entendermos este versículo, precisamos considerar a rudeza dos Apóstolos, sua condição de pessoas simples e a sublimidade dos ensinamentos que lhes seriam confiados. Tudo isto exigia, segundo o padre Tuya, “uma transformação radical que, no plano do Pai, estava reservada ao Pentecostes, como ponto inicial da ação do Espírito sobre eles”.10
Necessitavam dos dons do Paráclito para compreender certas verdades reveladas, que ultrapassam a capacidade humana de entendimento. De nada serviria, naquele momento, toda a divina didática de Cristo, sem estar acompanhada pela ação sobrenatural que se lhes concederia mais adiante. Embora o Espírito Santo “não fosse melhor mestre que Jesus, Ele, entretanto, lhes falaria numa oportunidade melhor”,11 explica Maldonado.
De outro lado, as palavras de Nosso Senhor não autorizam a deduzir que tenha havido alguma falta ou infidelidade da parte dos Apóstolos. Apenas afirma o Divino Mestre serem eles incapazes de compreender, naquele momento, “muitas coisas” que Ele tinha a transmitir. Nisso nada havia de desonroso, pois, mesmo decorridos já dois milênios, durante os quais a doutrina católica foi crescentemente explicitada pelo Magistério pontifício, pelos escritos dos doutores ou pela voz dos pregadores, muitas das verdades reveladas permanecem ainda incompreensíveis à razão humana, aguardando uma ação do Paráclito que venha esclarecê-las.
Uma última reflexão, útil especialmente para nós sacerdotes. Além de reconhecermos com humildade essa limitação do nosso intelecto, precisamos saber aplicar, no exercício de nosso ministério, a lição moral que o Cardeal Gomá tira deste versículo: “A inteligência humana é um vaso pequeno demais para receber toda a verdade divina. Por isso Deus é misericordioso a ponto de descer até nós e dar-nos a verdade de acordo com a medida de nossa capacidade. Tenham isto bem presente aqueles que ensinam, ao povo, as verdades de nossa Religião”.12
“Ele vos conduzirá à plena verdade”
13a “Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, Ele vos conduzirá
à plena verdade”.
Deveria nosso Redentor partir em breve, vindo em seguida o Paráclito para abrir as almas dos discípulos à “plena verdade”, isto é, conduzi-los ao conhecimento completo do que foi revelado. Pois cabe ao Consolador, como afirma Fillion, finalizar a obra de Jesus, ensinando aos seus discípulos “a verdade cristã inteira e completa em toda a sua extensão, e sem perigo de errarem, ao menos naquilo que lhes fosse necessário para seu futuro ministério”.13
No mesmo sentido se pronuncia o padre Manuel de Tuya, ao afirmar: “O contexto do Evangelho de João sugere que, mais do que a uma revelação absolutamente nova de verdades, feita pelo Espírito Santo, refere-se a uma maior penetração das verdades reveladas por Cristo aos Apóstolos”.14
Com efeito, no decurso da era da Nova Aliança, o Espírito Santo não deixa de inspirar progressivamente as almas no sentido de melhor entenderem a riquíssima doutrina deixada por Nosso Senhor. Tudo quanto Ele ensinou será passível de desdobramentos e aprofundamentos até o fim do mundo. E sempre haverá novas pérolas a descobrir nesse inesgotável tesouro, pois, “embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo; caberá à Fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos séculos”.15
Em relação ao método usado pelo Espírito Paráclito para melhor fazer penetrar os Apóstolos nas verdades reveladas, Maldonado interpreta da seguinte forma a expressão “vos conduzirá”: “Conduzir à plena verdade não significa ensinar de qualquer maneira toda a verdade, mas agir de modo que o mestre leve quase pela mão o discípulo, e vá ensinando-lhe o caminho da verdade mais adequado à sua inteligência; ou seja, não expor-lhe todas as coisas ao mesmo tempo ou em desordem, mostrando primeiro o difícil e depois o fácil, mas ao contrário, propondo primeiro o fácil e em seguida o difícil, cada coisa a seu tempo, de acordo com o aproveitamento e a capacidade de quem aprende”.16
É preciso notar, por fim, que quem não tiver recebido o Sacramento do Batismo jamais conseguirá atingir certas verdades da nossa Fé, por maiores que sejam a inteligência e o esforço aplicados. E isto porque a alma não recebeu a luz do Espírito Santo, que torna compreensível a Palavra divina.
Assim aconteceu quando Nosso Senhor revelou a Eucaristia: muitos dos seus discípulos O abandonaram, por interpretarem suas palavras em sentido literal (cf. Jo 6, 48-69); hoje, porém, com o auxílio da graça do Paráclito, milhões e milhões de fiéis no mundo inteiro participam da Celebração Eucarística, dobrando os joelhos em adoração, ao serem pronunciadas, na Consagração, palavras do teor daquelas que outrora tanto chocaram, inclusive os Apóstolos.
Três Pessoas idênticas e coeternas
13b “Pois não falará por Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver
ouvido…”
Com Nosso Senhor, atingiu-se a plenitude da Revelação. “Cristo, o Filho de Deus feito Homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. N’Ele o Pai disse tudo e não haverá outra palavra senão esta”.17 Portanto, nada há fora do Verbo Encarnado que possa ser transmitido aos homens, e devemos interpretar neste sentido o presente versículo, como observa Lagrange: “O Espírito não falará por Si mesmo, ou seja, não exporá uma doutrina própria d’Ele: a doutrina não será nova, pelo menos no sentido de que não será estranha à Revelação já feita pelo Filho”.18
De outro lado, convém evitar a conclusão errônea segundo a qual o Espírito Santo necessitaria ouvir os ensinamentos de Cristo para depois transmiti-los aos Apóstolos, como se Ele tivesse alguma inferioridade em relação ao Filho. Sendo as três Pessoas idênticas e coeternas, são um só Deus.
Portanto, falando em termos humanos, o que “sabe” uma Pessoa divina, “sabem-no” também as outras. Ou, dito com as palavras do Cardeal Gomá: “A ciência das três Pessoas divinas é a mesma, infinita; contudo, recebendo o Espírito Santo a natureza do Pai e do Filho, dos quais procede, recebe também a ciência, segundo nossa maneira de falar”.19
Assim, quando o Paráclito disser aos Apóstolos “tudo quanto tiver ouvido”, estará revelando aquilo que conhece desde toda a eternidade, tal qual o Pai e o Filho.
O dom de profecia
13c “…e até as coisas futuras vos anunciará”.
Pode-se interpretar esta afirmação como um recurso didático utilizado pelo Divino Mestre para melhor fazer compreender, aos seus ouvintes, toda a extensão do poder do Espírito Santo para conduzir as almas à plena verdade. Mas outros autores, entre os quais Maldonado, preferem interpretar esta passagem como sendo um desejo de Jesus, de frisar a presença do dom de profecia entre os demais dons que o Espírito Santo infundiria nos Apóstolos.20
Pois se este dom foi dado à Sinagoga, com muito maior razão deveria possuí-lo a Igreja. É o que assinala o Cardeal Gomá: “As funções do Espírito Santo não terminaram com a morte dos Apóstolos; com eles encerrou-se a Revelação; mas a Igreja tem a assistência positiva do Espírito Divino para não errar no caminho da verdade especulativa e prática; por outro lado, nunca cessou, na Igreja, o espírito de profecia”.21
Lembremos também que profetizar não significa apenas, nem principalmente, prever o futuro; consiste, pelo contrário, em interpretar o presente para saber conduzir os fiéis nas vias da Providência. Esse carisma para discernir os desígnios de Deus e guiar seus filhos é concedido à Igreja em um grau incomparavelmente maior do que foi dado na Antiga Lei.
O Espírito não é maior do que o Filho
14 “Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo
anunciará”.
Tudo quanto se refere à Santíssima Trindade fica envolvido em véus de mistério. Qual o significado da afirmação feita pelo Divino Mestre: “Receberá do que é meu”?
Sob uma perspectiva eminentemente pastoral, Crisóstomo assim interpreta: “Para que, ao ouvir essas palavras, não julgassem os discípulos ser o Espírito Santo maior do que Ele e caíssem em maior impiedade, disse: ‘Receberá do que é meu’. Ou seja: ‘O que Eu disse, também Ele o dirá’”.22
Dídimo, de sua parte, sob um prisma metafísico, busca o sentido da mesma expressão: “Receber, aqui, segundo a natureza divina, deve entender-se da seguinte forma: assim como o Filho, dando, não Se priva do que dá, nem Se prejudica beneficiando a outrem, assim também o Espírito Santo não recebe o que antes não possuía; pois se recebesse um dom que não tinha anteriormente, ficaria sem ele quando o transferisse a outrem.
Convém entender que o Espírito Santo recebe do Filho aquilo que constitui sua natureza, e que não são duas substâncias — uma que dá e outra que recebe — mas sim uma só substância. Do mesmo modo, o Filho recebe do Pai a mesma substância que subsiste em ambos: nem o Filho é outra coisa que tudo aquilo que recebe de seu Pai, nem o Espírito Santo é outra substância que a que recebe do Filho”.23
Já Maldonado, em consonância com diversos comentaristas antigos, procura salientar a glorificação que Cristo há de receber pelo testemunho que d’Ele será dado pelo Espírito da Verdade, e conclui: “Portanto, a verdadeira interpretação é: ‘O Espírito virá em meu nome e ensinará minha doutrina, como legado meu. Por isso, a glória de suas obras e magistério redundará em minha glória’”.24
O Paráclito transformará as nossas almas
15 “Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que Ele
receberá e vos anunciará, é meu”.
Após ter afirmado no versículo anterior que o Espírito Santo “receberá do que é meu”, Jesus agora declara: “tudo o que o Pai possui é meu”, evidenciando a união substancial das três divinas Pessoas. Como bem assevera Lagrange, “é tal a unidade do Pai e do Filho que é preciso reconhecer: tudo quanto o Espírito recebeu do Pai, Ele recebeu também do Filho, porque o Filho tem tudo quanto o Pai tem. Estas palavras são o que o Novo Testamento contém de mais expressivo sobre a unidade de natureza e a distinção de Pessoas na Santíssima Trindade, e especialmente sobre a processão do Espírito Santo”.25
No mesmo sentido se pronuncia o Cardeal Gomá, ao afirmar ser este versículo “uma forma de manifestar, segundo o raciocínio e as palavras do homem, aquilo que se produz de maneira inefável no seio da Trindade beatíssima. Baste-nos saber — para sentirmos profunda gratidão ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo — que as três Pessoas divinas realizaram o mistério de nossa salvação e santificação, e que as inspirações da graça, as sugestões de ordem intelectual, às quais aqui Se refere Jesus, atribuem-se ao Espírito Santo porque é obra de amor que se atribui ao Espírito Santificador”.26
Assim, em todas as nossas orações, sobretudo ao recebermos a Sagrada Comunhão, peçamos a graça de sermos inteiramente dóceis às inspirações do Paráclito. Abramos-lhe as nossas almas sem nenhuma restrição, desconfiança ou reserva, a fim de que Ele nos encha de luzes, fogo e entusiasmo, como o fez com os Apóstolos no dia de Pentecostes.
Fazemos parte da Família Divina
No Paraíso Terrestre, Adão passeava com Deus na brisa da tarde (cf. Gn 3, 8). Afirma, a este propósito, Santo Irineu: “O Jardim do Éden era tão belo e agradável que com frequência Deus nele Se apresentava pessoalmente, passeava e conversava com o homem, prefigurando o que haveria de suceder no futuro, isto é, que o Verbo de Deus habitaria junto ao homem e conversaria com ele, ensinando-lhe sua justiça”.27
Mas se esta passagem bíblica prenuncia o inefável relacionamento que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade teria com os homens durante trinta e três anos nesta Terra, através de sua sagrada humanidade, ela evoca ainda mais o celeste convívio na felicidade eterna, quando contemplaremos face a face o mesmo Deus que o homem apenas entrevia no Paraíso.
Com a maternal preocupação de preparar-nos para esse sobrenatural relacionamento, a Liturgia de hoje ilumina nosso entendimento e move nossa vontade. Pois se, pelo Batismo, a graça nos faz participar daquilo que o Espírito recebeu de Cristo, e Cristo recebeu do Pai, ela nos eleva muito acima da nossa natureza humana para nos tornar verdadeiros filhos e herdeiros da Santíssima Trindade. Como mais precisamente nos ensina São Paulo: “Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8, 14).
Mesmo sendo puras criaturas, há no Céu um trono preparado para cada um de nós, e a consideração de tão grande dádiva convida-nos a esquecermos as contingências da vida terrena e elevar o espírito até a bem-aventurança eterna. Todos nós somos chamados a participar da própria vida de Deus. Pertencemos, como membros adotivos, a esta família chamada Santíssima Trindade. Este é nosso maior tesouro.
Saibamos dar o devido valor a esta gratuita dádiva, e procuremos compreender que, em nosso relacionamento diário, temos uma insuperável matriz de convívio: o eterno amor entre as três Pessoas divinas. Pois, ensina-nos a Santa Igreja, a família cristã é “comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. 28
Sejamos gratos à Divina Providência, rogando a graça de estarmos à altura de tudo quanto d’Ela recebemos. E peçamos, por meio da Filha diletíssima do Pai, Mãe admirável de Nosso Senhor Jesus Cristo, e Esposa e Templo do Paráclito, que a Santíssima Trindade nos cumule de dons místicos no relacionamento com o Pai que nos criou, com o Filho que nos redimiu, e com o Espírito que nos santifica. ♦