O início da vida pública

III Domingo do Tempo Comum

Por que terá escolhido Jesus a diminuta Nazaré para viver, e a dissoluta Cafarnaum para iniciar sua pregação? Na vida do Salvador todos os acontecimentos se explicam por elevadas razões de sabedoria

Mons. João S. Clá Dias, Fundador dos Arautos do Evangelho

12 Ao saber que João tinha sido preso, Jesus voltou para a Galileia. 13 Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do Mar da Galileia, 14 no território de Zabulon e Neftali, para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: 15 “Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galileia dos pagãos! 16 O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz e para os que viviam na região escura da morte brilhou uma luz”. 17 Daí em diante Jesus começou a pregar dizendo: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”. 18 Quando Jesus andava à beira do Mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam lançando a rede ao mar, pois eram pescadores. 19 Jesus disse a eles: “Segui-Me, e Eu farei de vós pescadores de homens”. 20 Eles imediatamente deixaram as redes e O seguiram. 21 Caminhando um pouco mais, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Estavam na barca com seu pai Zebedeu consertando as redes. Jesus os chamou. 22 Eles imediatamente deixaram a barca e o pai, e O seguiram. 23 Jesus andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo tipo de doença e enfermidade do povo (Mt 4, 12-23).

Fim do regime da Lei e dos profetas

12 Ao saber que João tinha sido preso, Jesus voltou para a Galileia.

A prisão do Precursor determina o fim do regime da Lei e dos profetas e o começo da pregação sobre o Reino dos Céus, conforme veremos na Liturgia deste 3º Domingo do Tempo Comum.

“Entre o jejum e as tentações de Cristo no deserto e a prisão e o martírio do Batista — que São Mateus contará detalhadamente mais adiante (14, 3-12) —, decorre um lapso de tempo de alguns meses, durante o qual Jesus exercita seu primeiro ministério nas terras da Judeia e Samaria. O Evangelista São João é o único que nos faz conhecer essa lacuna deixada pelos sinópticos.

Jesus Cristo, depois dos quarenta dias que passou no deserto, voltou para onde estava o Batista, pregando às margens do Jordão. Ao vê-Lo, João testemunha que Aquele é o Cordeiro que vem destruir o pecado no mundo, e alguns discípulos começam a seguir Jesus. Este vem com eles para a Galileia, onde opera seu primeiro milagre em Caná; dali parte para Cafarnaum; depois de poucos dias volta à Judeia para celebrar a Páscoa. Prega e realiza alguns milagres em Jerusalém, o que dá ocasião ao colóquio noturno com Nicodemos. Durante alguns meses continua pregando nas regiões da Judeia e, nessa ocasião, é preso o Batista. Por este motivo, empreende Cristo sua volta à Galileia, passando pela Samaria (Jo 1, 29—4, 4).

“São João Batista foi entregue ao tetrarca Herodes Antipas pelos escribas e fariseus, como insinua o mesmo Cristo mais adiante (cf. Mt 17, 12). É esta a razão pela qual Cristo foge para a Galileia, apesar de esta província estar sob o domínio de Herodes, inimigo do Batista. Os fariseus da Judeia ficavam muito incomodados — como adverte São João (4, 1) — pelo fato de os discípulos de Jesus serem mais numerosos que os do Batista, e teriam aproveitado, sem dúvida, qualquer ocasião favorável que se lhes apresentasse, para pôr também Cristo nas mãos de Herodes”.

Conduzido pelo Espírito Santo

Como podemos comprovar, pelos Evangelhos, Jesus era conduzido pelo Espírito e, por um sopro d’Ele, Se retira para a Galileia. Não por temer o martírio, mas por não haver ainda chegado sua hora.

É o próprio Espírito Santo que com sabedoria nos inspira a escolher os tempos e os lugares. Ele é quem nos ensina quando devemos fugir das perseguições ou afrontá-las, em quais momentos temos obrigação de falar ou de calar, de manifestar-nos a todos ou de nos recolher. Se fôssemos inteiramente flexíveis aos sopros da graça do Espírito Santo, maravilhas sairiam de nossas mãos para a glória de Deus e da Santa Igreja, o bem dos outros e a santificação de nossas almas.

Infelizmente, com raras exceções, a humanidade se move, ao longo da História, muito mais pelo interesse pessoal, pela ambição, pela inveja, pelo amor-próprio, pela vaidade, pelo prazer, em uma palavra, pelo pecado. Quão grande desperdício de dons, virtudes e graças, do qual se prestará contas diante do Juízo de Deus!

Jesus, muito pelo contrário, retira-Se para a Galileia a fim de ali começar sua vida pública, com suas primeiras pregações, confirmadas por prodigiosos e profusos milagres, ilustradas por insuperáveis parábolas. Ali estabeleceu o centro de sua missão.

Oh, feliz Galileia! Tomara soubesses tirar todo o proveito de tão excelsa circunstância! Oh, odienta Jerusalém, oh, maldosa Judeia, vós perseguis o Precursor e perdeis os benefícios da presença do Salvador. Justamente por esse prisma é que se cifra a minha verdadeira felicidade, corresponder com perfeição aos toques da graça ou rejeitá-los. Eu devo temer a Jesus que passa e não retorna…

Razão sobrenatural: levar o remédio onde mais grave era o mal

13 Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens
do Mar da Galileia, 14a no território de Zabulon e Neftali…

A propósito deste versículo, o próprio Maldonado chegou a equivocar-se, julgando haver duas Galileias. Ao expor sua observação, o padre Luis María Jiménez Font, com muita precisão desfaz o engano em nota ao pé da página, nestes termos: “O autor [Maldonado] faz uma distinção desnecessária.

Não havia mais que uma Galileia, governada por Herodes. Cristo Se retirou a Cafarnaum, onde podia viver sem perigo, porque estava na fronteira da tetrarquia de Filipe”.2

Como claramente se deduz, foi por motivos ocasionais que Jesus “foi morar em Cafarnaum”. Entretanto, pode-se afirmar, com segurança, que nada se passava na vida do Salvador sem ter grandes razões como causa. De imediato, percebe-se não ser útil para a vida pública a manifestação de sua divindade na cidade de Nazaré. Jesus a escolheu para as décadas de sua fase oculta, devido a seu recolhimento, paz, pequenas proporções geográficas e população restrita. Não era, porém, própria para a difusão em grande escala da semente da Boa-nova. Ademais, “nenhum profeta é bem aceito na sua pátria” (Lc 4, 24), conforme Ele mesmo repetiria aos seus concidadãos, basta ver o modo como foi expulso daquela cidade.

Um motivo mais sobrenatural levou Jesus a tomar este caminho: “Começa Jesus a evangelizar as regiões por onde tivera início a defecção de Israel. Demonstra com isso sua misericórdia e sabedoria, levando o remédio onde mais grave era o mal, servindo-Se de uma cidade populosa, mas incrédula e preocupada só com os negócios humanos, para que dali se irradiasse a pregação do Reino de Deus. Quis, assim, significar que quem mais necessita de remédio são os enfermos, não os sadios; e que nunca devemos resistir a nenhum apostolado sob pretexto de que o campo não está preparado para receber nosso trabalho”.

O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz

14b …para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: 15 “Terra de
Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região do outro lado
do rio Jordão, Galileia dos pagãos! 16 O povo que vivia nas trevas
viu uma grande luz, e para os que viviam na região escura da
morte brilhou uma luz”.

A citação de Isaías feita por São Mateus nestes versículos é retirada do texto hebraico e por isso não são transcritas algumas palavras como constam em nossas traduções mais correntes:

“No passado ele humilhou a terra de Zabulon e a terra de Neftali, mas no futuro cobrirá de honras o caminho do mar, a Transjordânia e o distrito das nações. O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; sobre aqueles que habitavam uma região tenebrosa resplandeceu uma luz” (Is 9, 1-2).

Trata-se de uma belíssima profecia que se cumpre ao estabelecer-Se o Senhor em Cafarnaum. De fato, segundo nos é descrito pelo Segundo Livro dos Reis (cf. 15, 29), Teglat-Falasar, rei dos Assírios, invadiu várias regiões, entre as quais as terras de Zabulon e Neftali, ou seja, a porção citada nesses versículos de Mateus. Isto se deu por um castigo de Deus. Foi assim devastada a Galileia e tomada pelos gentios, e daí seu nome “Galileia dos pagãos”, localizada na zona limítrofe da Síria e da Fenícia, coalhada de pagãos.

Essa era a principal razão de se terem constituído seus habitantes em objeto de desprezo da parte do resto da nação, pois grande era a infiltração de gentios arameus, itureus, fenícios e gregos, que inevitavelmente se mesclavam com os judeus de raça, conforme vem narrado no Primeiro Livro dos Macabeus:

“Congregaram-se contra nós nações de Ptolemaida, de Tiro, de Sidônia e de toda a Galileia das Nações, para nos destruir inteiramente” (5, 15). Tratava-se, como já dissemos, de uma região rica em comércio e por tal razão atraente para os vários povos.

Ora, torna-se compreensível o quanto se corromperam as doutrinas e os bons costumes religiosos do povo eleito naquelas paragens, devido à forte e diversificada influência pagã, bem como o motivo pelo qual ele “vivia nas trevas” e na “região escura da morte”.

“Estavam os gentios sentados na região da sombra da morte” — menciona o pensamento de São João Crisóstomo, o Cardeal Gomá y Tomás — “porque não tinham sequer uma partícula de luz divina que os iluminasse. Os judeus, que faziam as obras da Lei, contudo, não conheciam a justiça do Evangelho, estavam nas trevas. Todas elas são dissipadas pela ‘grande luz’ do Messias. Não pode haver luz mais intensa e fixa, porque Jesus é a Luz substancial: ‘Eu sou a Luz do mundo’ (Jo 8, 12). Não desconfiemos jamais de sua eficácia para chegar ao fundo dos espíritos mais entenebrecidos pela infidelidade, pela heresia, pela ignorância, pela indiferença; e façamo-nos sempre, por nossa pregação e nossas obras, filhos dessa Luz e colaboradores de sua ação iluminativa”.

A pregação do Reino dos Céus

17 Daí em diante Jesus começou a pregar dizendo: “Convertei-vos,
porque o Reino dos Céus está próximo”.

São Marcos também nos deixou o mesmo relato nestes termos: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho” (1, 15). Enquanto um Evangelista costuma falar em “Reino dos Céus”, o outro se refere ao “Reino de Deus”. Discutem os autores sobre este particular, mas para nossos objetivos não nos convém discorrer sobre ele e, por isso, tomemos as duas expressões como sinônimas.

Já na famosa conversa noturna com Nicodemos, Jesus fizera menção ao Reino de Deus (cf. Jo 3, 3-5). Agora começa propriamente sua pregação pública sobre o tema.

É sabido o quanto os judeus esperavam por um reino político-social todo feito de glória para o povo eleito. Essa seria, para eles, a realização do Reino de Deus sobre a Terra. É em Cafarnaum que Jesus começa a retificar esse equívoco nacionalista, o que Ele fará progressivamente por meio de pregações, parábolas e polêmicas, com uma insuperável força didática e de lógica.

Natureza espiritual e caráter universal do Reino

O método processivo para o estabelecimento do Reino anunciado pelo Divino Mestre se chocava com a concepção judaica de uma intervenção intempestiva do Todo-Poderoso, alçando aos píncaros a nação eleita. Figuras como as da semente, do grão de mostarda e do fermento (cf. Mt 13, 24-33) demonstravam o lento passo a passo da evolução do Reino anunciado e trazido por Ele.

Ademais, o verdadeiro Reino é, sobretudo, religioso, sem possuir um fim político, segundo o acentuado anseio da opinião pública daqueles tempos. Esse Reino se estabelece em oposição ao de satanás: “se é pelo Espírito de Deus que expulso os demônios, então chegou para vós o Reino de Deus” (Mt 12, 28). Não fará, portanto, uma oposição a César (cf. Mt 22, 21) e, por outro lado, não será nacional, mas universal: “Eu vos declaro que multidões virão do Oriente e do Ocidente e se assentarão no Reino dos Céus com Abraão, Isaac e Jacó” (Mt 8, 11).

Sobre o versículo em questão, assim se exprime o grande exegeta Fillion: “Não era difícil, pois, compreender o Salvador, quando Ele fez ecoar por toda a Galileia ‘o Evangelho do Reino’, já que esta Boa-nova fora anunciada há muito tempo, e que, pouco antes, o Precursor a havia proclamado com ardente zelo. No entanto, era preciso corrigir o que havia tomado mau caminho no espírito do povo, aperfeiçoar o que era bom, erguer às esferas superiores o que ainda não fora revelado em toda a sua extensão e, para tal, retornar ao magnífico ideal dos profetas e até ultrapassá-lo.

Por isso, Jesus — rejeitando com vigor as ideias mesquinhas e vulgares da maior parte dos seus compatriotas, desvinculando a noção de Reino de Deus das quimeras da escatologia judaica, protestando especialmente contra a pretensão dos fariseus e dos escribas de dar às esperanças messiânicas um aspecto puramente exterior e político, de maneira a convertê-las em monopólio de sua nação — não cessou de manifestar sua natureza espiritual e sua índole universal”.

A penitência abre as portas do Reino dos Céus

O Reino está próximo e, para nele penetrar, é preciso fazer penitência, humilhar-se, purificar-se. É a via segura para se obter a paz com Deus e consigo mesmo. Essa foi a condição colocada por Jesus, e, por este motivo, “não começou” — mais uma vez diz o Cardeal Gomá, referindo o pensamento de São João Crisóstomo — “pregando as altas coisas da justiça da Nova Lei, mas as coisas íntimas da retificação da vontade pela penitência. Por aí se entra no Reino dos Céus: abandonando os maus hábitos, retificando intenções e inclinações erradas, concebendo desejos de viver bem e tendo pesar de haver feito o mal. É então que já se pode vislumbrar o gozo do cumprimento da perfeita justiça: ‘Fazei penitência…’; ‘Aproximou-se o Reino dos Céus…’”.

Vocação dos primeiros discípulos

18 Quando Jesus andava à beira do Mar da Galileia, viu dois
irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam
lançando a rede ao mar, pois eram pescadores. 19 Jesus disse a
eles: “Segui-Me, e Eu farei de vós pescadores de homens”.
20 Eles imediatamente deixaram as redes e O seguiram.
21 Caminhando um pouco mais, Jesus viu outros dois irmãos:
Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Estavam na barca com
seu pai Zebedeu consertando as redes. Jesus os chamou. 22 Eles imediatamente deixaram a barca e o pai, e O seguiram.

Pela narração de São João, tudo leva a crer que esses quatro Apóstolos já conheciam Jesus. Os outros três evangelistas não fazem menção a esse prévio relacionamento.

O Precursor apontara a André e João a figura do Messias e ambos O seguiram; logo após aproximaram-se Pedro e Tiago. Um dia depois, fora chamado pelo próprio Jesus o Apóstolo Filipe, o qual, por sua vez, atraiu Bartolomeu (cf. Jo 1, 43-51). Portanto, de certo modo, eles já eram discípulos do Salvador quando se desenrolam os fatos descritos nos versículos acima.

Pedro e André lavavam as redes provavelmente depois de uma pesca infrutífera, caso Lucas se refira à mesma cena (cf. Lc 5, 1-11). A eles dirige o Mestre o convite em tom quase imperativo, o que faz prever conversas anteriores preparatórias a esse momento, no qual se concretizava uma antiga promessa de fazê-los pescadores de homens.

A mesma determinação será usada com os outros dois irmãos, filhos de Zebedeu, pelo Divino Mestre.

A prontidão com a qual a dupla de irmãos abandona tudo, os dois últimos até o próprio pai, indica bem o grau de intimidade existente entre eles e o Salvador, e o teor das conversas havidas até então. Jesus trabalhava, com divina sabedoria e zeloso cuidado, cada um para o exercício dessa robusta fé e arrojada decisão.

Alheias a essa tomada de atitude não deviam estar as orações silenciosas de Maria Santíssima. Ausente também não estava o esforço e o fogo de alma do Batista. Ele foi quem os congregara e os entregara ao Messias. Esses fatores todos conjugados levaram os quatro primeiros discípulos a, com espírito inflamado, dar as costas a este mundo e lançar, não mais as redes, mas a si próprios, não nas águas, e sim no Reino dos Céus.

O mencionado padre Luis María Jiménez Font, faz um excelente comentário sobre essa passagem: “Parece que a vocação dos Apóstolos se passou da seguinte maneira: Cristo recebeu espontaneamente os que a Ele se juntaram, procedentes do discipulado do Batista — André e Pedro, João e Tiago —, e no primeiro retorno à Galileia, Filipe e Natanael, aos quais permitiu Jesus retomar suas atividades depois da cura do filho do régulo, acabada a primeira pregação na Judeia, pois o primeiro ministério do Senhor na Galileia, parece que Ele o fez completamente só. Quando já era conhecido na região, decidiu formalizar o ponto da colaboração alheia, e chamou outra vez aqueles que no início O tinham acompanhado por devoção, para que O seguissem de modo definitivo e plenamente dedicado, no dia da pesca milagrosa”.


Não tinha chegado a hora de Se manifestar como Filho de Deus

23 Jesus andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas,
pregando o Evangelho do Reino e curando todo tipo de doença e
enfermidade do povo.

Depois de longas décadas no silêncio oculto de Nazaré, vemos agora o Salvador no pleno exercício de sua missão pública, pregando sobre o Reino de Deus, curando os enfermos e expulsando os demônios. Não sabemos dizer quanto durou essa zelosa atividade apostólica, e não seria exagerado supor ter ela se prolongado por vários meses.

É rica em conteúdo a apreciação feita pelos Professores da Companhia de Jesus, a propósito desse versículo: “O Evangelista resume nestes poucos versículos a missão de Cristo na Galileia. Nos capítulos seguintes (5-7) ele nos vai apresentá-Lo primeiro como o grande Doutor anunciado pelos profetas, e depois (8-9) como Taumaturgo, que opera toda classe de milagres para confirmar a verdade de sua doutrina. Aqui, em geral, nos diz que Jesus percorria os povoados da Galileia, sem dúvida acompanhado dos discípulos que acabava de escolher, ensinando a Boa-nova — é este o significado da palavra Evangelho —, a qual era a próxima vinda do “Reino dos Céus”. Pregava, como anota o Evangelista, nas sinagogas. […] Cristo pregava também, como insinua o Evangelista e veremos mais adiante, nos campos e nas praças.

Confirmava a verdade de sua doutrina com milagres, que eram ao mesmo tempo obras de caridade, curando toda espécie de enfermidades. Essas curas milagrosas eram uma das características do Messias anunciadas pelos profetas, especialmente por Isaías (35, 5-6)”.

A convicção de Jesus quanto ao seu papel de Messias jamais poderá ser posta em dúvida. Sua simples genealogia seria suficiente para demonstrar isso; nem se fale, então, sobre as revelações feitas por São Gabriel, tanto à Virgem Mãe quanto a Zacarias; a presença dos pastores no Presépio, a visita dos Reis Magos e a própria resposta dada a Maria ao reencontrá-Lo no Templo: “Não sabíeis que devo ocupar-Me das coisas de meu Pai?” (Lc 2, 49). Esses fatos evidenciam quão grande e exata era a compenetração que Ele possuía em relação à sua missão.

Porém, se de um lado a consciência a respeito dos fins — imediato e último — era claríssima ab initio e nunca cresceu nem, menos ainda, diminuiu, sua manifestação aos outros foi progressiva. Aqui na Galileia encontramos o Divino Mestre numa fase inicial.

Era não só prematuro, como até imprudente, revelar em todo ou em parte sua divindade. Só muito mais tarde — por volta de dois anos após o Batismo no Jordão — Pedro proclamará sua filiação divina, por pura revelação do Pai, e, em seguida, os Apóstolos receberão a ordem de manterem o assunto em sigilo.

A mesma norma de conduta será imposta aos demônios dos possessos (cf. Lc 4, 33-41) e aos próprios enfermos miraculados (cf. Mt 12, 15-16). E se assim não fosse, o resultado seria incontrolável, devido à forte impressionabilidade das multidões a propósito de um Messias político. Haja vista a reação do povo após a multiplicação dos pães (cf. Jo 6, 14-15).

No último ano de sua vida pública, a manifestação será revestida de um esplendor exuberante. Mas, neste período da Galileia, “o Evangelho do Reino” é pregado pelo Filho do Homem a uma opinião pública com insuficiente fé para reconhecer a infinita grandeza do Filho de Deus. ♦


O Inédito sobre os Evangelhos. Vol. 02. Ano A.

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