Se não existisse a Eucaristia quem seria capaz de imaginá-la? Que pessoa extraordinariamente sábia, ou que altíssimo anjo de luz, um serafim, por exemplo, teria capacidade de idealizar essa originalidade única?
Pe. Rafael Ramón Ibarguren Schindler*
Ninguém poderia conceber semelhante maravilha; nenhum santo, nenhum anjo. Somente o Sagrado Coração de Jesus pode criar e nos oferecer essa maravilha que é a Eucaristia!
Maravilha, em primeiro lugar, porque se trata de sua mesma presença, de sua Pessoa divina e gloriosa; já que na Eucaristia está Jesus ressuscitado, como se encontra a direita do Pai.
Maravilha também porque essa presença se reproduz em todos os lugares da terra onde haja uma hóstia sobre a qual se tenha pronunciado as palavras da instituição eucarística.
Portanto, Deus está multiplicado em milhões e milhões de partículas e até em um sem fim de migalhas que possam eventualmente desprender-se das espécies consagradas: em cada porção do pão consagrado, por pequena que seja, está Jesus, inteiro, Deus e homem verdadeiro.
Maravilha ainda, porque ao operar-se a transubstanciação do pão e do vinho no curso da Missa, ao sacerdote que celebra e aos fiéis que participam, ainda que indignos, se aplica o tesouro dos méritos infinitos do sacrifício do Calvário.
Maravilha ainda, porque é a Eucaristia que edifica a Santa Igreja Católica, Corpo místico de Cristo e povo santo de Deus do qual fazemos parte; a Igreja vive da Eucaristia tendo-a por fonte, centro e cume.
Maravilha por fim, porque dispôs o Senhor que seu Corpo fosse recebido em alimento pelos fiéis na comunhão sacramental -“Quem come minha carne e bebe meu sangue terá a vida eterna” (Jo 6, 54)- propiciando assim uma forma de união insuperável entre o Criador e a criatura que chega à fusão e à mesma divinização da pessoa.
Se não existisse a Eucaristia, seria possível imaginá-la? Quem seria capaz?
A Virgem Imaculada, Mãe de Deus e Sede da Sabedoria, seria ela capaz de supor algo tão sublime como o mistério eucarístico? É temerário pretender opinar sobre algo tão misterioso. Em todo caso, é uma pergunta que se pode fazer respeitosamente e meditar sobre o tema, até que a teologia – ou a mariologia – ofereça uma luz definitiva.
A mente humana não abarca plenamente o que é a Eucaristia, nem os benefícios enormes que proporciona. O tema excede a capacidade da razão, por mais lúcida ou penetrante que possa ser. Mas, apesar disso, o dever de acreditar nela e de adorá-la se impõem a todos. Lastimosamente a centralidade da Eucaristia não está presente na generalidade dos batizados; não se pensa nela quase nunca… para não dizer, diretamente, nunca.
A presença real de Jesus está ao alcance de qualquer fiel, às vezes à dois passos, esperando de dia e de noite uma visita de cortesia, ainda que seja uma rápida saudação, que fortaleça o vínculo da pessoa com Deus e, por sua vez, com os demais.
Foi em torno da Eucaristia que os primeiros cristãos se mantiveram unidos. O livro dos Atos dos Apóstolos nos diz que eles “Acudiam assiduamente aos ensinamentos dos Apóstolos, à convivência, à fração do Pão e às orações” (Atos, 2, 42). A Eucaristia os atraia e os unia. Assim deverá ser também até o fim do mundo, pois a Igreja, que vive da Eucaristia, é imortal. A Fé Apostólica, o compartilhar unidos, a celebração Eucarística e a oração congregarão aos fiéis até a segunda vinda do Senhor.
São João Paulo II constatou com tristeza desordens em torno do culto eucarístico. No número 10 de sua encíclica Ecclesia de Eucharistia, após recomendar e estimular a adoração, lamenta com razão descuidos e desvios:
“Desgraçadamente, junto à estas luzes, não faltam sombras. Com efeito, há lugares onde se constata um abandono quase total do culto de adoração eucarística. A isto se acrescentam, em diversos contextos eclesiais, certos abusos que contribuem para obscurecer a reta Fé e a Doutrina Católica sobre este admirável Sacramento. Se nota às vezes uma compreensão muito limitada do Mistério Eucarístico. Privado de seu valor sacrificial, se vive como se não tivesse outro significado e valor que o de um encontro de convivência fraterna. Além disso, fica às vezes escurecida a necessidade do sacerdócio ministerial, que se funda na sucessão apostólica, e a sacramentalidade da Eucaristia se reduz unicamente à eficácia do anúncio. Também por isso, aqui e ali, surgem iniciativas ecumênicas que, ainda sendo generosas em sua intenção, transgridem com práticas eucarísticas contrárias à disciplina com a qual a Igreja expressa sua Fé. Como não manifestar profunda dor por tudo isso? A Eucaristia é um dom demasiadamente grande para admitir ambiguidades e reduções”.
Ao ler esta grave reflexão não me sinto afetado em alguma medida? E se pessoalmente nesta matéria não tenho de que censurar-me, não vejo em torno de mim exemplos de abandono, de abusos, de ambiguidades ou de reduções? E se os vejo -em minha família, por exemplo, ou em minha paróquia- que faço para corrigi-los ou para reparar o prejuízo? Acaso não está em mim fazer algo, por pouco que seja?
A queixa do Papa Wojtila me interpela, a não ser como o avestruz que mete a cabeça debaixo da terra para não ver o perigo. Estas realidades saltam aos olhos, não deveriam ocorrer e clamam por deixar de ser!
A Eucaristia é um dom demasiadamente grande, sim, e demasiado menosprezado.♦
Assunção, julho de 2019