Válidas para todas as épocas históricas, as normas dadas pelo Divino Mestre aos setenta e dois discípulos delineiam o perfil de um autêntico evangelizador e constituem precioso guia para conduzir os homens à verdadeira felicidade
Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP
Conquanto não seja possível saber com precisão a ordem cronológica dos fatos ocorridos na fase da vida de Nosso Senhor contemplada no Evangelho de hoje, muitos comentaristas concordam em reunir, como concernentes a uma única viagem, o relato de São João sobre a ida de Jesus a Jerusalém, para a Festa dos Tabernáculos (cf. Jo 7, 1-53), e o de São Lucas, ao registrar que o Salvador resolvera dirigir-Se à Cidade Santa porque o tempo da Paixão se aproximava (cf. Lc 9, 51).6
Segundo essa interpretação e e de acordo com a narração do terceiro Evangelista, foi durante essa viagem que Tiago e João perguntaram ao Mestre se poderiam fazer vir fogo do céu sobre os inospitaleiros samaritanos, sendo repreendidos com a belíssima afirmação acerca da missão do Redentor: “O Filho do Homem não veio para perder as vidas dos homens, mas para salvá-las” (Lc 9, 56). Em seguida, o Evangelista registra três diálogos entre Jesus e algumas pessoas com vocação para segui-Lo. Os conselhos dados por Nosso Senhor deixam evidenciada a seriedade do chamado para ser Apóstolo e a necessidade imposta pela vocação de romper os laços com o mundo (cf. Lc 9, 57-62).
Situando a escolha dos setenta e dois discípulos logo a seguir, São Lucas compõe um quadro bastante expressivo a respeito da impostação de espírito e da conduta que deve caracterizar os convocados a propagar o Reino de Deus. Provavelmente foi após o término das comemorações religiosas mencionadas por São João que Jesus, visando à evangelização da vasta região da Judeia, instituiu o novo método de ação apostólica considerado no trecho do Evangelho deste domingo.
Naquele tempo, 1 o Senhor escolheu outros setenta e dois
discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e
lugar aonde ele próprio devia ir.
Já no primeiro versículo, São Lucas mostra o objetivo fundamental da missão: predispor as almas para receber o próprio Mestre. Essa preparação, atraindo ao bem mediante o apostolado de um discípulo, é muito importante — e não poucas vezes imprescindível — para que, no momento do encontro com o Bem em Pessoa, a alma esteja aberta à ação da graça e não levante obstáculos, entregando-se sem reservas.
Por outro lado, percebe-se o divino zelo de Cristo por seus seguidores, constituindo duplas de discípulos antes de enviá-los à pregação. Com efeito, tendo de atuar no mundo, o enviado necessita de um especial apoio colateral para não sucumbir às investidas do demônio, como ensina o Eclesiastes: “Se é possível dominar o homem que está sozinho, dois podem resistir ao agressor” (Ecl 4, 12). Por isso, “deviam ir de forma que um sustentasse o outro”.7 Estava instituído o método de ação a ser obedecido, ao longo dos séculos, por inúmeras ordens religiosas, cujas regras prescrevem aos seus membros andarem sempre acompanhados por um irmão de vocação ao desempenhar atividades em ambientes alheios à vida comunitária.8
A necessidade de operários
2 E dizia-lhes: “A messe é grande, mas os trabalhadores
são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande
trabalhadores para a colheita”.
A vida cotidiana dos habitantes da Palestina, região com terras férteis e bem cultivadas, era muito marcada pela agricultura. A imagem da seara madura, além de bastante acessível, despertava com facilidade nos ouvintes de Jesus a relação de semelhança que Ele desejava provocar ao empregá-la. Em geral, a semeadura era feita pelo proprietário sozinho, exigindo, contudo, a contratação de numerosos ceifadores para o momento de recolher a safra. Referindo-se à falta de “trabalhadores para a colheita”, Nosso Senhor deixava claro ser obra de Deus a distribuição da semente da graça nas almas e sua germinação, operando as conversões, restando ao homem tão só a tarefa de colher os frutos. A esse respeito, o Salvador já havia ensinado, à beira do poço de Jacó: “Um é o que semeia, outro é o que ceifa. Enviei-vos a ceifar onde não tendes trabalhado” (Jo 4, 37-38).
O concurso humano, embora não seja necessário ao Onipotente, é por Ele desejado como meio de estimular a caridade fraterna, cuja essência se cifra no empenho de conduzir o próximo a amar e servir o Senhor da messe.
Além disso, essa passagem põe em destaque um dos insondáveis mistérios da Providência: a desproporção entre o número de missionários e as almas a serem evangelizadas. Tal situação é uma constante na História da Igreja, inclusive quando há generoso florescimento de vocações religiosas. E o Divino Mestre faz depender de nossa oração o aumento do número desses trabalhadores, indicando a necessidade de rezar não apenas pela conversão do mundo, como também para que a Providência se digne enviar almas particularmente chamadas ao apostolado, cheias de amor a Deus e de zelo pela salvação dos homens.
Cordeiros entre lobos
3 “Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos”.
Devido à forte ligação existente entre a atividade pastoril e o cotidiano judaico, torna-se muito viva essa outra metáfora usada por Jesus para significar as dificuldades com as quais os discípulos se deparariam ao anunciar o Reino de Deus, conforme diria Ele mesmo mais tarde: “O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de perseguir” (Jo 15, 20).
Determinava, assim, como deveriam reagir em tais situações: à semelhança do cordeiro, animal reconhecido pela manifesta mansidão ao ser levado ao matadouro, deveriam suportar com espírito sereno as perseguições, não se deixando tomar pelas apreensões causadas pelos ataques. Colocando-os na perspectiva de estarem em constante risco durante a evangelização, do mesmo modo que o cordeiro em meio a uma alcateia de lobos, o Bom Pastor pedia aos discípulos a inteira confiança em sua proteção. Não obstante, a mesma afirmação soava como uma admoestação à vigilância em relação aos adversários, incitando os discípulos à sagacidade no exercício da missão, pois eram “enviados não como presas, mas como distribuidores da graça”,9 explica Santo Ambrósio.
Curiosamente, as próprias perseguições comprovam o constante amparo de Nosso Senhor a seu rebanho, como ressaltam as palavras que São Cirilo de Alexandria põe nos lábios de Deus: “Eu farei dos perseguidores uma ajuda para os perseguidos. Farei com que os que humilham meus ministros colaborem com a boa vontade destes”.10 De fato, ao investir contra os discípulos de Jesus, os inimigos criam excelentes circunstâncias para a prática de muitas virtudes, tais como a humildade e a resignação diante das afrontas e maus tratos, e o robustecimento da fé e da confiança na Providência. Sobretudo propiciam a purificação do amor a Deus.
Desse modo incide sobre eles a promessa relativa à bem-aventurança de padecer perseguição por causa da justiça, tornando-os merecedores de grande recompensa no Céu (cf. Mt 5, 10). Se a hostilidade chega ao extremo do martírio, a violência se transforma em glória para os cristãos, permitindo-lhes receber o prêmio da fé, na vida eterna. E dali, intercedendo junto a Deus pelos fiéis que permanecem na Terra, estreitam os vínculos entre a Igreja triunfante e a Igreja militante, fortalecendo o Corpo Místico de Cristo.
Não raras vezes, porém, sucede algo diferente. A força da graça conferida pelo Salvador à sua grei é tal que muitos “lobos” acabam sendo convertidos em “cordeiros”… Exemplo supremo é o de Saulo, fariseu que “só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor” (At 9, 1), o qual veio a tornar-se o Apóstolo por excelência.
Instruções aos enviados
Depois desses precedentes, Nosso Senhor passa a instruir os discípulos sobre a conduta a ser seguida na evangelização. Pressuposto fundamental para bem considerarmos os próximos versículos é termos em vista que Jesus falava de acordo com os costumes do tempo, muito diferentes dos hábitos da atualidade. Todavia, como a palavra de Deus “permanece eternamente” (Is 40, 8), tais determinações continuam válidas em nossos dias, bastando saber interpretá-las. Passemos, portanto, a analisar essas normas, registradas por São Lucas à maneira de um diretório de apostolado, um autêntico vade-mécum de quem é chamado a evangelizar.
4a “Não leveis bolsa nem sacola nem sandálias…”
Devido aos contratempos próprios a um deslocamento a pé, um par extra de sandálias era acessório indispensável a qualquer viajante, bem como a bolsa e a sacola. Esta última servia para transportar, além de outros pertences, alimentos frugais — em geral, frutos secos, como tâmaras e figos —, para repor as energias pelo caminho.11 O dinheiro era guardado na bolsa. Diante da real necessidade de tais apetrechos numa viagem, parece um tanto estranha a recomendação do Divino Mestre. No entanto, ela visava imunizar os discípulos contra o mundanismo, vício que leva a pessoa a colocar sua primeira atenção nos bens materiais, buscando neles a própria segurança.
De acordo com essa errônea visualização, os utensílios mencionados por Nosso Senhor tinham certo valor simbólico, pois indicavam as condições financeiras de seu proprietário e, enquanto tais, eram usados com a intenção de angariar prestígio junto à opinião pública. Mas, procedendo-se do modo indicado por Jesus, exigia-se dos discípulos o inteiro abandono à Providência, como ensina São Gregório Magno: “Tal deve ser a confiança do pregador em Deus que, mesmo não estando munido das coisas necessárias para a vida, deve estar persuadido de que elas não lhe faltarão. Não aconteça que, enquanto se ocupa de prover-se das coisas temporais, deixe de procurar, para os outros, as eternas”.12
Vigilância no relacionamento humano
4b “…e não cumprimenteis ninguém pelo caminho!”
Os costumes sociais judaicos seguidos naquele tempo não permitiam cumprimentos rápidos e simplificados, como os adotados no mundo hodierno, no qual as normas da educação, já reduzidas ao essencial, tornam-se cada vez mais carentes de gentileza e distinção. Às interjeições monossilábicas pronunciadas por duas pessoas quando se encontram hoje em dia correspondiam outrora cerimoniosas e prolongadas saudações, e entre os orientais elas eram acrescidas de uma razoável conversa, trocando-se notícias a respeito dos familiares, dos negócios e da saúde, entre outros assuntos.13
Além de adiar a realização dos deveres de evangelização — sobretudo nas estradas palestinas, onde sempre havia intensa circulação de viajantes —, tais cumprimentos podiam ser uma temeridade para o missionário, devido às más influências às quais se expunha, relacionando-se com pessoas que, grosso modo, viviam de acordo com máximas do mundo. Além disso, não eram os transeuntes o alvo da missão, e sim as populações dos locais indicados por Jesus. Com isso, Nosso Senhor ensinava não só aos que O ouviam no momento, mas a todos os seus futuros seguidores, o quanto a falta de vigilância no convívio com pessoas cuja vida não está pautada pela boa doutrina pode levar ao esmorecimento das convicções religiosas. E ressaltava a importância de nunca colocarmos em risco nossa própria salvação sob o pretexto de fazer o bem aos outros.
A palavra, instrumento da graça
5 “Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz
esteja nesta casa!’ 6 Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz
repousará sobre ele; se não, ela voltará para vós”.
Nesses dois versículos, o Mestre assinala como à voz do discípulo está vinculada a ação da graça, e confere aos seus enviados o poder de estabelecer a paz nas almas dóceis à intervenção de Deus. Ora, segundo a clássica definição de Santo Agostinho, a paz é a tranquilidade da ordem.14 Portanto, os seguidores de Jesus — em especial os chamados a exercer o ministério sagrado — devem estar compenetrados de que suas palavras são revestidas de particular expressividade, unção e força de persuasão para ordenar as almas rumo ao cumprimento de sua finalidade, ou seja, à santidade e à glória de Deus. E tal é a sublimidade da vocação que o apóstolo se beneficia inclusive quando a pregação é rejeitada ou recebida com indiferença, pois os esforços por ele empregados nesses casos não são frustrados, redundando em graças para seu próprio progresso espiritual.
O sustento material
7a “Permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que
tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário”.
Renunciando à possibilidade de obter lucros profissionais, como o comum das pessoas, o missionário consome toda a sua existência no exercício da missão, cabendo aos beneficiários dela a responsabilidade de lhe prover sustento e hospedagem, como argumenta São Paulo: “Se entre vós semeamos bens espirituais, será, porventura, demasiada exigência colhermos de vossos bens materiais?” (I Cor 9, 11). Como consequência do auxílio prestado aos discípulos, os doadores participam de maneira mais profunda das graças concedidas pela Providência àquela missão específica e, no momento de prestar contas a Deus, no Juízo após a morte, tal assistência se transformará em elemento de misericórdia, segundo a promessa do Salvador: “Quem vos der de beber um copo de água porque sois de Cristo, digo-vos em verdade: não perderá a sua recompensa” (Mc 9, 41).
7b “Não passeis de casa em casa”.
Nesta ordem, Jesus pede dos enviados a virtude que tanto se identifica com a alma generosa de um apóstolo: a abnegação.
Nunca se atendo às próprias comodidades, nem exigindo regalias, devem adaptar-se com facilidade às circunstâncias adversas, sabendo viver na penúria e também na abundância (cf. Fl 4, 12). Como aponta São Gregório Nazianzeno, “em resumo, eles devem ser tão virtuosos que o Evangelho se propague mais pelo modelo de sua vida do que por sua palavra”.15
Fator de salvação ou de condenação
8 “Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei
do que vos servirem, 9 curai os doentes que nela houver e dizei
ao povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vós’”.
Além de reiterar a norma contida no versículo anterior, Nosso Senhor ordena aos discípulos que sanem as enfermidades — sobretudo as espirituais, causadas pelo pecado — e, procurando livrar as almas das preocupações terrenas para elevá-las às considerações sobrenaturais, anunciem-lhes a proximidade do Reino de Deus. Teofilato relaciona os dois aspectos: “Quando são curados na alma, aproxima-se deles o Reino de Deus, que está longe daquele em quem domina o pecado”.16
10 “Mas, quando entrardes numa cidade e não fordes bem
recebidos, saindo pelas ruas, dizei: 11 ‘Até a poeira de vossa
cidade que se apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós’.
No entanto, sabei que o Reino de Deus está próximo! 12 Eu vos digo
que, naquele dia, Sodoma será tratada com menos rigor do que
essa cidade”.
Diante da rejeição daqueles a quem o apóstolo quis fazer o bem, a atitude indicada por Nosso Senhor é uma forma de incentivar o temor a Deus, “um apelo à consciência”.17 Mesmo quando repudiado, o pregador não deve calar-se sobre as verdades da Fé, conforme o conselho dado a Isaías: “Clama em alta voz, sem constrangimento; faze soar a tua voz como a corneta.
Denuncia a meu povo suas faltas” (Is 58, 1). E acrescenta o Salvador que, no dia do Juízo, a consideração dada à palavra dos representantes de Deus será fator de salvação ou de condenação para cada um dos que a ouviram.
17 Os setenta e dois voltaram muito
contentes, dizendo: “Senhor, até
os demônios nos obedeceram
por causa do teu nome”.18 Jesus
respondeu: “Eu vi Satanás
cair do céu, como um
relâmpago”.
O sucesso obtido nesta primeira missão — “indício manifesto do grande triunfo”18 da Igreja no decorrer da História, como observa São João Crisóstomo — é sublinhado por São Lucas ao descrever o estado de ânimo geral dos setenta e dois: voltaram cheios de alegria, pois haviam atingido o objetivo para o qual Jesus os enviara, além de terem comprovado a força d’Ele, a cujo nome os próprios demônios obedeciam.
Fazendo alusão à queda de satanás, precipitado no inferno ainda antes da criação do homem, Nosso Senhor dava mais uma prova de divindade, declarando sua eternidade, e anunciava que, com a expansão da pregação evangélica, o demônio, dominador do mundo desde o pecado original, começava a ser definitivamente derrotado: “Se Jesus persegue tanto os demônios, […] é que Deus age n’Ele com império e seu reino já começou”.19
A vocação, dom mais precioso que o poder
19 “Eu vos dei o poder de pisar em cima de cobras e
escorpiões e sobre toda a força do inimigo. E nada vos poderá fazer mal”.
Os Atos dos Apóstolos apresentam um fato ilustrativo da efetividade de tal poder ao narrar o ocorrido com São Paulo durante uma de suas incursões na bacia do Mediterrâneo, para difundir o Evangelho: picado por uma víbora, não sofreu nenhum mal, deixando estupefatos os nativos da região (cf. At 28, 3-6).
No entanto, muito mais amplo é o significado da promessa feita pelo Mestre. Segundo um conceituado exegeta moderno, as mordidas e veneno desses animais peçonhentos “sintetizavam, no mundo antigo, os perigos da morte, e são símbolo do ‘poder do inimigo’”,20 ao qual Cristo Se refere. Nosso Senhor confirma, portanto, estarem os discípulos imbuídos de força sobrenatural para enfrentar os assaltos do demônio. Essa proteção divina nunca falta aos que se encontram no exercício das atividades próprias à sua vocação específica, e havia sido especialmente comprovada pelos setenta e dois durante o período da missão.
20 “Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem.
Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos no céu”.
Os excelentes resultados da evangelização, na qual os discípulos haviam manifestado em abundância os dons recebidos da Providência para o benefício das almas, atraíam os aplausos da opinião pública, como sói acontecer. Se tais homenagens não fossem restituídas a Deus, convencendo-se eles de que eram mero instrumento para a ação da graça, o bom êxito do apostolado poderia constituir perigoso obstáculo para a vida espiritual de cada um. Pouco a pouco, de modo quase imperceptível para eles, o desejo inicial de glorificar a Deus seria substituído pelo egoísmo pretensioso, ávido de receber honras pessoais.
Por isso, “o Salvador afasta a primeira jactância e a corta pela raiz, pois dela nasce o desejo de vanglória; corta-a com rapidez, imitando os melhores agricultores que, no mesmo momento em que veem brotar uma praga no jardim ou entre as hortaliças, arrancam-na pela raiz”.21 Em seguida, com grandeza e simplicidade infinitas, Jesus lhes revela a mais sublime dádiva por Ele concedida, muito superior ao domínio sobre a natureza e as potências infernais, e pela qual realmente deveriam exultar de contentamento. Por cumprirem com perfeição sua finalidade nesta Terra, devotando a Deus a glória que Lhe era devida, a cada um deles estava garantida a verdadeira e eterna felicidade: seus nomes estavam “escritos no Céu”.
Chamados ao Reino da verdadeira felicidade
O conjunto dos ensinamentos contidos no Evangelho deste 14º Domingo do Tempo Comum nos leva a uma importante conclusão. A ilusão óptica é uma das numerosas impressões enganosas captadas por nossos sentidos, os quais, por esse motivo, devem ser submetidos aos sensatos juízos da razão. Entretanto, se muitas das percepções transmitidas pela sensibilidade podem ser falsas, nada é causa de tantas ilusões — desde os primórdios da História, a começar por Adão e Eva, no Paraíso — como o modo de se obter a felicidade. Esse é o primordial desejo do homem, procurado com ardor insaciável durante toda a vida.
No mundo atual, muitos a confundirão com as inovações da técnica ou da ciência; outros, com os ditames da moda e do culto à saúde; outros ainda, com os lucros financeiros, o bom êxito nos negócios, o relacionamento social, a realização profissional, os sonhos românticos, etc. Além de não saciarem a sede de felicidade natural, essas ilusões do mundo não poucas vezes colocam em risco também a felicidade eterna, por conduzirem ao pecado, o qual, sendo uma desordem do homem em relação a seu fim, que é Deus, traz como consequência inevitável, após uma satisfação passageira, a frustração e a tristeza.
À missão dos setenta e dois discípulos escolhidos por Jesus bem caberia o título de evangelização da felicidade, sob dois aspectos. Primeiro quanto aos discípulos, porque se davam por inteiro em benefício do próximo, movidos pelo amor a Deus, experimentando em si mesmos como “há mais alegria em dar do que em receber” (At 20, 35). Depois quanto às almas favorecidas pela pregação, porque lhes era oferecida a possibilidade de cumprirem os desígnios de Deus, transformando a vida terrena em preparação para o Céu.
Também a todos nós, batizados, o Mestre chama à verdadeira felicidade, fruto da boa consciência e da fidelidade à vocação individual outorgada por Ele próprio, quer se desenvolva esta no estado sacerdotal, quer no religioso ou no leigo. Tal felicidade terá como essência a evangelização, ou seja, fazer o bem às almas, apresentando-lhes as belezas do sobrenatural e instruindo-as na verdade trazida por Cristo ao mundo. Em suma, hoje o Salvador nos convoca a transmitir a todos os homens a alegria de glorificar a Deus, trabalhando para que a vontade d’Ele seja efetiva na Terra assim como o é no Céu. ♦
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O Inédito sobre os Evangelhos. Vol 06. XIV Domingo do Tempo Comum.
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5) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma contra os gentios. L.III, c.24. 6) A esse respeito, ver FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, v.II; LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. L’Évangile de Jésus-Christ avec la synopse évangélique. Paris: Lecoffre – J. Gabalda, 1954
7) PEIRÓ, SJ, Francisco Xavier. Evangelio comentado. Madrid: Sapientia, 1954, v.I, p.807.
8) Já no século V, Santo Agostinho recomendava em sua regra: “Quando sairdes de casa, ide juntos; quando chegardes aonde fordes, permanecei também juntos” (SANTO AGOSTINHO. Regula ad Servos Dei, IV, 2. In: Obras. Madrid: BAC, 1995, v.XL, p.570).
9) SANTO AMBRÓSIO. Tratado sobre el Evangelio de San Lucas. L.VII, n.46. In: Obras. Madrid: BAC, 1966, v.I, p.367. 10) SÃO CIRILO DE ALEXANDRIA. Comentario al Evangelio de Lucas, 61, apud ODEN, Thomas C.; JUST, Arthur A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Evangelio según San Lucas. Madrid: Ciudad Nueva, 2006, v.III, p.246.
11) Cf. LAGRANGE, op. cit., p.213.
12) SÃO GREGÓRIO MAGNO. Homiliæ in Evangelia. L.I, hom. 17, n.5. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, p.602.
13) Cf. CARRILLO ALDAY, Salvador. El Evangelio según San Lucas. Estella: Verbo Divino, 2009, p.217.
14) Cf. SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XIX, c.13, n.1. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v.XVI-XVII, p.1398.
15) SÃO GREGÓRIO NAZIANZENO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Lucam, c.X, v.3-4.
16) TEOFILATO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO, Catena Aurea, op. cit., v.5-12.
17) PEIRÓ, op. cit., p.810.
18) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO, Catena Aurea, op. cit., v.3-4.
19) LAGRANGE, op. cit., p.358.