Dez curas e um milagre

XXVIII Domingo do Tempo Comum

Compadecido dos sofrimentos físicos de dez leprosos, quis Nosso Senhor conceder-lhes a cura miraculosa que tinham pedido confiantes. Mas, como apenas um deles exprimiu sua gratidão, só este foi favorecido com o milagre mais importante

Monsenhor João S. Clá Dias, EP, Fundador dos Arautos do Evangelho e do Apostolado do Oratório


Duas classes de milagre: do corpo e do espírito

Na época de Nosso Senhor, o leproso, devido à falta de recursos médicos que possibilitassem o seu tratamento — carência que se prolongou por muitos séculos —, era um pária desprezado pela sociedade. Uma vez detectada a enfermidade, era ele apresentado ao sacerdote que, após um minucioso exame, o declarava legalmente impuro mediante um cerimonial apropriado. Se é verdade que ele não era deportado para uma ilha, segundo o costume adotado em tempos posteriores, deveria, contudo, ausentar-se da cidade, do convívio humano e viver isolado no campo. Obrigavam-no, ademais, a utilizar uma veste característica para anunciar a situação de excomunhão social em que se encontrava e a seguir certas normas, como a de se deslocar tocando uma campainha para indicar sua presença, de forma que as pessoas abrissem caminho, evitando o risco de contaminação pelo contato ou pela simples cercania.

Continue lendo “Dez curas e um milagre”

O pobre e o rico

Comentário ao Evangelho do XXVI Domingo do Tempo Comum

Estamos, uma vez mais, diante de uma cena evangélica sobre a condenação eterna. O inferno se apresenta nesta parábola com algumas características ainda não conhecidas até então, e em dramático contraste com o prêmio celeste

Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP, Fundador dos Arautos do Evangelho e do Apostolado do Oratório

A parábola do Evangelho deste domingo se desdobra em três atos sucessivos. No primeiro, assistimos ao paroxismo de situações opostas, entre o pobre Lázaro e o rico, ainda nesta Terra. A seguir, ambos morrem, e são conduzidos a destinos bem diferentes. Lázaro vai para o Céu e o rico para o inferno. Este, em meio aos tormentos do fogo, se dirige a Abraão, rogando um lenitivo. Por último, implora pelos próprios parentes, a fim de evitar que caiam na mesma desgraça.

Tendo em vista a profundidade dos múltiplos significados das palavras e ações do Divino Mestre, procuremos apreciar com amor todas as importantíssimas lições contidas no Evangelho deste domingo.

Continue lendo “O pobre e o rico”

A prudência da carne e a prudência santa

Comentário ao Evangelho do XXV Domingo do Tempo Comum

O administrador infiel usa de prudência para garantir sua própria subsistência. Essa mesma sagacidade e diligência deveriam ter os filhos da luz para alcançar a santidade

Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP, Fundador dos Arautos do Evangelho e do Apostolado do Oratório

O homem ante a pobreza

Havia um certo país onde, segundo narra São João Damasceno, os cidadãos anualmente elegiam um novo rei a fim de evitarem os riscos de uma possível tirania. Conhecedores da sede de mando existente em todo homem, não permitiam a estabilidade perene do monarca: no final do ano, ele era destronado e deportado para uma ilha deserta na qual, depois de algum tempo, falecia por falta de recursos e de alimentos. Foi esse o destino de vários reis até que um, durante o exíguo reinado de 360 dias, transportou para a tal ilha tudo quanto pôde em matéria de subsistência para o resto de sua vida.

Soube ele contornar o mais temido dos males, ou seja, a pobreza. E, em parte, compreende-se esse temor em função de alguns instintos de nossa natureza, como, por exemplo, o de conservação e o de sociabilidade. A perspectiva da carência do essencial para nossa vida nos deixa aturdidos. A miséria extrema, sem uma intervenção de Deus, destrói no homem as últimas energias, aferra sua atenção à matéria e o incapacita de elevar as vistas para as considerações espirituais. Tal era, de acordo com a narração de São João Damasceno, a situação dos reis exilados após expirar seu mandato, lutando pela vida numa ilha sem recursos.

Deixemos de lado os casos agudos como o mencionado acima e focalizemos a pobreza comum, aquela consistente em obter estritamente o necessário e, assim mesmo, mediante um árduo esforço. Nessas circunstâncias, embora conhecendo o grande apreço que Deus manifesta pela pobreza, assim como todos os privilégios a ela inerentes — as Escrituras encontram-se pervadidas de menções a esse respeito — as apreensões da criatura humana face às contingências da pobreza, conduzem-na a optar pelas vias da falsa ou verdadeira prudência.

Continue lendo “A prudência da carne e a prudência santa”

Basta rezar?

Comentário ao Evangelho do XIX Domingo do Tempo Comum

Um cofre sem fechadura de nada vale. Assim também, uma alma sem vigilância fica à mercê do inimigo. Por isso Jesus insiste tanto nesta virtude, à qual deve sempre complementar uma autêntica piedade

Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP

Virtude da vigilância

“Vigiai e orai para que não entreis em tentação” (Mt 26, 41), disse o Senhor aos três Apóstolos que mais de perto O acompanhavam na oração no Horto das Oliveiras, na noite em que ia ser entregue. Por mais que o espírito esteja pronto, a carne é fraca, afirmou Ele logo a seguir.

E de fato, a História confere realidade a esta afirmação de Jesus: não poucas almas facilmente perdem o fervor e caem na tibieza, e às vezes até mesmo em pecados graves, por puro descuido. A tal ponto não nos basta somente a oração que a recomendação do Salvador se inicia pela vigilância. Assim como numa fortaleza, havendo uma brecha desguarnecida em sua muralha, por ali penetra o inimigo, da mesma forma o demônio espreita os lados mais débeis de nossa alma para nos atacar e derrotar.

Por isso nos adverte São Pedro: “Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar” (I Pd 5, 8).

Continue lendo “Basta rezar?”

A tentação da “limbolatria”

XVIII Domingo do Tempo Comum

Diante dos prazeres, até legítimos, que a vida nesta Terra pode oferecer, facilmente o homem se esquece da eternidade para a qual foi criado

Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP


A vocação trocada por uma fechadura….

Conta-se que certa vez um monge acabou por abandonar sua vocação em troca de uma mera bagatela. Havia ele trabalhado durante anos como exímio ferreiro e, em determinado momento, sentira em seu interior um forte impulso para seguir as vias da vida contemplativa. Deixando tudo, dirigiu-se a um mosteiro, onde foi admitido.

Passado algum tempo, foi-lhe destinada uma cela cuja porta rangia e batia sem cessar dia e noite, pois não se fechava bem. Querendo resolver o problema, nosso monge pediu licença ao superior e fabricou uma magnífica fechadura. Além disso, aproveitou para consertar a própria porta, ajustando-a melhor ao marco da parede. Afinal, conseguiu transformá-la numa peça modelar para toda a comunidade.

Encantado com seu próprio labor, passeava pelos corredores do edifício, admirado por não achar nenhuma fechadura comparável à dele, tão perfeita e bem acabada. Entretanto, com o correr dos meses, foi criando dentro de si um apego excessivo pelo acessório, aparentemente inofensivo.

Continue lendo “A tentação da “limbolatria””

O poder da oração pertinaz!

XVII Domingo do Tempo Comum

Com insuperável beleza literária, neste domingo, Jesus não só nos ensina a bem rezar, como nos indica os meios de tornar infalível nossa oração, incentivando-nos a uma confiança sem limites em suas divinas palavras

Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP

A oração de Jesus

Jesus ora ao Pai enquanto homem

Um grande mistério e divino exemplo eram as orações de Jesus ao Pai. Como explicar a atitude do Homem-Deus rogando ao Pai por tantas intenções, se Ele mesmo é onipotente e, sobretudo, sendo Eles iguais entre Si? Não parece um tanto contraditório Deus pedir a Deus um auxílio para Si próprio? Não seria mais adequado Ele diretamente tornar efetivos seus anseios, ao invés de orar?

Essas dúvidas e muitas outras se desfarão se meditarmos sobre um comentário feito pelo Santo Patriarca Hesíquio de Jerusalém.1 Diz-nos este autor que, desde toda eternidade, o Filho desejava poder dirigir-se ao Pai enquanto inferior, mas era-Lhe impossível realizá-lo, pois, segundo nos explica a Teologia com base na Revelação, as Pessoas da Santíssima Trindade são iguais entre Si. Por sua vez, também o Pai desejava doar algo ao Filho, mas através de que meio, se Eles são idênticos?

Continue lendo “O poder da oração pertinaz!”