Assim como outrora Jesus, o Bom Pastor, procurou atrair todos para seu Rebanho, sua voz continua hoje a ressoar nos corações, apelando para que nos deixemos apascentar por Ele. Os fariseus O recusaram decididamente. Que atitude tomará este nosso mundo?
Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP. Fundador dos Arautos do Evangelho
O simbolismo na obra da criação
Do nada, Deus criou todas as coisas, e de forma instantânea; não transformou seres preexistentes, mas agiu por um ato exclusivo de sua onipotência, incomunicável a qualquer outro ser, mesmo por milagre.1 Ele tornou realidade o universo tendo em vista sua própria glória: “D’Ele, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele a glória por toda a eternidade!” (Rm 11, 36). O Concílio Vaticano I é categórico neste particular: “Se alguém negar que o mundo foi criado para a glória de Deus, seja anátema”. (…)
A dois mil e treze anos do início da era cristã, num mundo marcado por contínuas mudanças, com evoluções e revoluções, avanços e regressos, guerras e tratados de paz, a voz do Divino Pastor continua a chamar suas ovelhas e atraí-las para junto do Seu celestial rebanho. O Evangelho nunca sairá de moda, ele chegou até nós através do Ungido de Deus, o Cristo (no Grego) ou Messias (pelo hebraico). Por isso, há séculos a Igreja proclama ufana Cristo ontem, hoje e sempre!
De forma profunda, clara e atraente, o presente comentário de Mons. João Clá Dias ao Evangelho de São João recorda-nos eficazmente do amor de Deus para com suas frágeis criaturas.
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz, Eu as conheço, e elas Me seguem” (Jo 10, 27).
A Sabedoria infinita de Deus nelas (ovelhas) pensou desde toda a eternidade, para assim melhor Se fazer entender pelos homens no relacionamento entre Criador e criatura. A própria natureza da Judeia facilitava as características desta simbologia usada pelo Divino Mestre. A terra naquelas regiões não era fértil para a plantação, devido aos seus consideráveis trechos pedregosos e um tanto áridos. O pastoreio ali se adaptava mais comodamente do que a agricultura e, assim mesmo, exigia do rebanho um grande número de deslocamentos. Essa situação redundava na necessidade de vigilância e aplicação mais esmeradas do pastor. As circunstâncias tornavam mais nítidas as diferenças entre o autêntico pastor e o mercenário. Deus quis o nascimento da figura do pastoreio e a colocou com destaque na pluma dos literatos. Até os poetas pouco dados a compreenderem a excelsitude da castidade são levados a realçar a pureza virginal do zelo caridoso dos pastores, em geral, por suas ovelhas.
A vida do pastor nos leva a considerar seu amor casto, inocente, governando sem decretos, muito pelo contrário, baseado num relacionamento íntimo, fortemente paternal — talvez melhor se diria maternal — através do qual atende todas as conveniências e necessidades de suas ovelhas. Ele sabe entretê-las, defendê-las, ampará-las, levá-las a pastar e até mesmo agradá-las com seus cantos ou com as melodias de sua flauta. “Ele chama as suas ovelhas uma a uma pelos seus nomes” (Jo 10, 3). São Tomás de Aquino ressalta a grande familiaridade existente nesse relacionamento, pois chamar pelo nome significa ter íntima amizade. Ao revertermos os símbolos aos simbolizados, a realidade e a significação se tornam incomparavelmente mais profundas. Cristo conhece a natureza e o ser de cada uma de suas ovelhas, e também o objetivo imediato, tanto quanto o último, para o qual foram criadas, assim como o que são e o que poderão vir a ser com o auxílio de sua graça. Por isso o Doutor Angélico julga ver nesse “chamar pelo nome” (nominatim) “a eterna predestinação, pela qual Deus conhece cada ovelha, cada homem” (São Tomás, Comentario in Io., 10, lec. Iª, 3 – Marietti, p. 280.).
O homem, o mais elevado ser percebido por nossos sentidos, não é criado em série. Deus aplica seu poder criador sobre cada pessoa, uma a uma, e por isso não há homens iguais, nem moral nem fisicamente, nem sequer no referente às circunstâncias da vida individual e menos ainda no que tange à vocação pessoal. Daí a profundidade insondável desse conhecimento dispensado por Jesus a cada um de nós, a ponto de compará-lo ao existente entre o Pai e o Filho (Jo 10, 15), ato eterno tão absoluto que, através dele, uma Pessoa divina é gerada pela outra. O conhecimento que o Pai tem do Filho, portanto, não é uma imagem intelectual acidental, como acontece em nós, ao fazermos uso de nossa razão. O conhecimento do Pai é substancial e amoroso, através do qual, por geração, Ele dá sua própria essência ao Filho. Este, por sua vez, com amor substancial e infinito também, restitui ao Pai o que d’Ele recebe; e tão rico é esse amor mútuo que dele procede o Espírito Santo. Ora, aí está o padrão do conhecimento de Jesus a cada um de nós. Por isso nada de nosso exterior ou interior — seja-nos nocivo ou útil, nossas enfermidades físicas ou espirituais, seus remédios, etc. — nada foge à sua onisciência. Não há em Jesus uma fímbria sequer de frieza nesse conhecimento em relação a nós, como Ele mesmo disse e realizou na figura do Bom Pastor, aquele que dá a vida por suas ovelhas.
Por outro lado, as ovelhas seguem o Pastor. Pela sua graça, conhecem as maravilhas que estão n’Ele, sua doutrina dotada de potência, sua vida, sua misericórdia, sua sabedoria, numa palavra, sua humanidade e divindade. E, por isso, ao ouvirem sua voz, elas O seguem, como Saulo no caminho de Damasco (At 9, 5-9) ou como Madalena ao ser chamada pelo nome, junto ao Sepulcro do Senhor (Jo 20, 16). Portanto, ao conhecê-Lo, seguem-No no cumprimento de seus desígnios: “Aquele que diz conhecê-Lo e não guarda os seus mandamentos é mentiroso e a verdade não está nele” (1 Jo 2, 4). Quando ouvem sua voz, enchem-se de amor pelo Pastor, a ponto de estarem dispostas a entregar suas vidas por Ele, e ardem do desejo de que Ele inabite em suas almas.
(Excerto do Artigo “Somos todos ovelhas de Jesus?” de Mons. João Clá Dias – Revista Arautos do Evangelho, nº 64, abril de 2007.)