E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura (Marcos 16,15)
Uma nova era na espiritualidade do gênero humano
se inicia publicamente com o milagre das Bodas de
Caná. Além de conferir ao casamento um altíssimo
significado, Jesus inaugura a mais excelente via para
se obter o perdão e a graça: confiar na mediação e
na onipotência suplicante de Maria
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Depois de chamar os cinco primeiros seguidores, quis o Mestre operar algo para confirmá-los na Fé. Foi provavelmente por essa razão que Jesus “manifestou sua glória”, efetuando seu primeiro milagre nas Bodas de Caná (Jo
2, 11). E assim procedeu devido a uma suave e afetuosa súplica de sua Mãe.
O Evangelho ressalta o importante papel de intercessora de Maria. Jesus estava iniciando sua missão pública e desejava fundar a Igreja com vistas à santificação de todos. Ora, a célula mater da estruturação social sempre foi, e nunca deixará de ser, a família. Nas Bodas de Caná, segundo a interpretação de famosos teólogos e exegetas, Jesus quis reafirmar a importância conferida pela sociedade antiga à união conjugal e santificá-la, preparando assim as vias para dar-lhe um caráter sacramental.
A súplica onipotente de Maria
A História nada registra sobre a origem das relações entre a Sagrada Família e os nubentes, nem sequer por que Jesus e Maria foram convidados para a festa. Os detalhes perderam-se pelo caminho, talvez por desígnio de Deus, a fim de concentrar a atenção dos séculos futuros na tão paradigmática festa das núpcias de Caná. Ali está simbolizado o lar católico como deve ser, e indicada a conduta a seguir face aos problemas e dificuldades da vida. Ali está prefigurada a família cristã assistida por Cristo, através da intercessão de Maria.
A partir desse episódio, todos os cônjuges, até o fim do mundo, devem firmar-se na certeza de que Jesus solucionará qualquer drama ou aflição, se invocarem a onipotente mediação de Maria.
Por intercessão de Maria
E foi numa festa nupcial que, a pedido de sua Mãe, Jesus quis realizar seu primeiro milagre, para assim tornar patente aos olhos do mundo o quanto o matrimônio deve ser tomado como uma via de santificação. Maria já se encontrava nas bodas quando chegaram Jesus e seus discípulos. Jesus operou a transformação da água em vinho por intercessão de Maria, para nos inculcar a convicção de que, apesar de não haver chegado a hora, por uma palavra dos lábios da Mãe, Ele nos atenderá. Eis que em Caná abriu-se uma nova era na espiritualidade do gênero humano, com a inauguração de um especial regime da graça.
Ademais, em Caná, Maria nos ensina algo muito importante. Numa análise superficial, parece inexplicável a atitude de Nossa Senhora, pois, apesar da negação de Jesus, Ela ordena aos criados fazerem tudo quanto Este lhes dissesse. Não havia Ele dito que não chegara ainda sua hora? Fica, portanto, em quem lê o Evangelho, a impressão de Maria não ter feito caso dessa resposta negativa.
Esclarecem-nos os teólogos ser esta atitude de Maria uma excelente lição para nós. Nem todas as determinações de Deus são absolutas. Há algumas que são condicionadas às nossas orações. Se Maria não tivesse recomendado aos serventes que agissem de acordo com as orientações de Jesus, os noivos e seus convidados não teriam tomado o melhor dos
vinhos da História, nem os Apóstolos assistido a tão grandioso milagre.
Em Caná, aprendemos de Maria o quanto Deus quer as nossas orações e a nossa colaboração em sua obra. Devido a esse sublime papel de medianeira e de onipotência suplicante da Santíssima Virgem, que se inicia publicamente nas Bodas de Caná, talvez pudéssemos dividir a História da espiritualidade em duas grandes eras: antes de Maria e depois de Maria.
Veja também:
II Mistério Luminoso
Transformação da água em vinho nas Bodas de Caná
O melhor vinho para o fim: o “vinho” de Maria
Nossa Senhora atenta aos necessitados
Como sempre, despreocupada de Si, Maria Santíssima prestava atenção em tudo, desejosa de fazer o bem aos outros. Percebeu, então, talvez sem ninguém Lhe ter comunicado, a situação embaraçosa: acabara o vinho. Que vergonha para os anfitriões! Quão grande seria a decepção quando isto viesse a saber-se! Tal, porém, não aconteceu, pois o Coração de Maria não poderia ver uma necessidade, uma aflição e, mesmo sem ser rogada, intervém pedindo um milagre para tirar de embaraços esses humildes esposos.
Nossa Senhora tudo interpretava com sabedoria e por certo considerou que a Providência permitira a falta de vinho para dar a Jesus ocasião de manifestar sua Divindade. Ele ainda não operara prodígio algum, mas Ela não duvida de seu poder sobrenatural, e sua comunicação implica numa súplica de que faça o possível, mesmo um milagre.
Oração Preparatória
Ó Virgem Santíssima de Fátima, Mãe de Deus e nossa, a quem oferecemos esta meditação em reparação ao vosso Coração Imaculado: intercedei hoje por nós do mesmo modo como outrora o fizestes nas Bodas de Caná, e rogai a vosso adorável Filho que nos conceda as graças que nos faltam e das quais tanto necessitamos para aceitarmos os milagres da misericórdia divina em nossa vida e em nossa peregrinação rumo ao Céu. Amém.
Clique na foto abaixo e tenha acesso ao texto completo da Meditação.
Veja também: “Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração”
Nosso Senhor não esquece os que ama
Então o Anjo disse às mulheres: “Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar em que Ele estava. Ide depressa contar aos discípulos que Ele ressuscitou dos mortos, e que vai à vossa frente para a Galileia. Lá vós O vereis. É o que tenho a dizer-vos” (Mt 28, 5-7).
Apesar dessa manifestação grandiosa, não mais estamos no Antigo Testamento, quando a aparição de um Anjo era considerada prenúncio imediato de morte. O mensageiro celeste sabe tratar de maneira adequada cada criatura humana e diz às mulheres: “Não tenhais medo!”. Na verdade, depois de tudo o que acabara de suceder não faltavam motivos para recear, mas ele dá a entender que desígnios superiores pairavam sobre aqueles acontecimentos, portadores de esperança. Prepara-as assim para acolher o anúncio que contém a essência do Evangelho selecionado para esta solene cerimônia: “Ressuscitou, como havia dito!”.
Embora o estupendo milagre da Ressurreição tivesse sido predito por Nosso Senhor, suas palavras não encontraram suficiente eco na alma dos que O seguiram nos anos de vida pública, caindo no esquecimento perante as aparências contrárias presenciadas na Paixão. No entanto, já era hora de recordarem esta profecia: “Destruí vós este Templo e Eu o reerguerei em três dias” (Jo 2, 19). Com estas palavras Ele Se referiu ao seu próprio Corpo, que passaria pela Morte e Ressurreição. Lembremo- nos de que tanto seu sagrado Corpo quanto sua Alma, mesmo estando separados pela morte, permaneceram unidos hipostaticamente à divindade, por cujo poder ambos se reassumiram mutuamente no momento da Ressurreição. O Redentor cumprira a promessa, ressurgindo com todas as características que possuíra na vida mortal, acrescidas de glória.
Prelibando a fase de expansão da Igreja que dentro em breve se iniciaria, o Anjo transmite às mulheres uma incumbência: comunicar aos discípulos a notícia da Ressurreição, pois, abatidos pelo desânimo e decerto pesarosos por sua própria prevaricação, a Morte de Nosso Senhor lhes poderia dar a ideia de que Ele Se esquecera dos que estimava. Talvez pensassem que, uma vez tendo partido deste mundo, Jesus Se havia afastado para não mais conviver com os seus. Vemos que o Anjo desmente essas impressões falsas com o aviso de um novo encontro na Galileia, deixando claro o quanto o Mestre os ama apesar de todas as infidelidades.
Um misto de medo e alegria
As mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos (Mt 28, 8).
As mulheres, que sempre acompanhavam Nosso Senhor onde quer que Ele fosse, estavam habituadas a vê-Lo sair-Se bem em todas as circunstâncias. Foi o que se verificou, por exemplo, quando o paralítico descido pelo teto foi curado e seus pecados foram perdoados, deixando os adversários do Divino Mestre confundidos e furiosos (cf. Lc 5, 18-26; Mc 2, 3-12; Mt 9, 2-8); ou quando houve a multiplicação dos pães e, pelo instinto materno próprio à psicologia feminina, também sentiram pena da multidão faminta que seguia Nosso Senhor, contemplando maravilhadas a prodigiosa solução dada por Ele, na ocasião (cf. Mt 14, 15-21; Mc 6, 35-44; Lc 9, 12-17; Jo 6, 5-14). Episódios semelhantes ocorridos ao longo da pregação de Jesus robusteceram-nas numa fé sincera em relação a Ele, fruto da retidão de quem não tem arrière-pensée ou desconfianças próprias aos que fazem considerações materialistas, esquecendo-se da existência de fatores sobrenaturais que podem explicar os acontecimentos extraordinários.
Animadas por tão bom espírito, retiraram-se elas do sepulcro sôfregas por transmitir a mensagem recebida. Neste versículo, todavia, transparece algo muito humano: o misto de alegria e medo que as invadiu, apesar da advertência angélica. A alegria, como é natural, vinha do magnífico anúncio da Ressurreição de Nosso Senhor, e o temor tinha sua origem em possíveis represálias dos judeus naquela situação ainda muito instável. Para extirpar por completo esse receio, nada mais eficaz que um contato com o Mestre.
O encontro com Nosso Senhor
De repente, Jesus foi ao encontro delas, e disse: “Alegrai-vos!” As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés (Mt 28, 9).
No intuito de animar as Santas Mulheres, o próprio Jesus tomou a iniciativa de ir ao encontro delas, mostrando que Ele vai à procura dos que realmente O amam. E eis que a sua primeira palavra é “Alegrai-vos!”, para, em seguida, permitir que Lhe abraçassem os pés.
O conjunto dos pormenores de outros relatos evangélicos desta passagem sugere a hipótese de que Maria Madalena não estivesse junto às mulheres nesse instante, mas sozinha, em busca de Nosso Senhor (cf. Mc 16, 9-11; Jo 20, 11-18). Tudo indica que o encontro que tiveram com Ele deu-se em momentos e lugares diversos: primeiro apareceu à pecadora arrependida, a quem ordenou “Não me retenhas!ˮ (Jo 20, 17), e depois às demais, enquanto corriam. É curioso notar a diferença em seu divino modo de agir, pois não deixou aquela que havia “demonstrado muito amor” (Lc 7, 47) externar toda a sua veneração, e aqui, pelo contrário, as Santas Mulheres seguram seus pés e Ele não lhes opõe resistência.
Como explicar este aparente paradoxo? Santa Maria Madalena tinha uma fé robusta e o Mestre não queria tirar-lhe o mérito. Caso ela chegasse a tocá-Lo — ou se demorasse muito ao fazê-lo, conforme sustentam alguns autores(1) —, confirmaria cabalmente que Ele havia ressuscitado e não era um espírito, mas o mesmo Homem-Deus cujos pés lavara com suas lágrimas e enxugara com os cabelos (cf. Lc 7, 37-38). Jesus estava como que a dizer-lhe: “Não Me toques, porque Eu te reservo um mérito maior: o de crer sem comprovar”.
Às outras, consentiu que dessem largas às suas manifestações de adoração. Elas já haviam visto um espírito e sua primeira impressão ao deparar-se com o Salvador seria de que também se tratava de um ser imaterial, até porque possuíam uma fé menos vigorosa que a de Maria Madalena. Além disso, acompanharam-No continuamente antes da Paixão e, enquanto os homens costumam dar menos importância à ausência física, elas, como mulheres, eram mais sensíveis à separação e ao abandono. Precisavam, pois, verificar que Jesus estava vivo e não as desamparara.
Ao abraçar os pés do Senhor, devem ter visto e osculado as marcas dos cravos, além de sentir seu inconfundível perfume, agora intensificado em virtude da glorificação do Corpo. Ficaram comovidas por perceber que a Ressurreição era real e experimentaram, sem a menor dúvida, uma consolação extraordinária. Põe-se aqui um problema sobre qual será a maior graça: obter o mérito de crer sem constatar ou poder estreitar o Corpo glorioso do Mestre? Deixemos que os teólogos tratem dessa delicada questão, pois para ninguém será fácil a escolha, que depende do feitio de cada pessoa.
Arautos da Ressurreição nomeadas pelo Senhor
Então Jesus disse a elas: “Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles Me verão” (Mt 28, 10).
Depois do imenso favor de permitir que tocassem em seu Corpo ressurrecto, Nosso Senhor recomenda “Não tenhais medo”, para certificar mais uma vez de que Ele não era um fantasma e infundir-lhes coragem ante a perspectiva de uma possível perseguição movida pelos judeus. E deixa um recado destinado aos discípulos: que partissem rumo à Galileia para um encontro, pois Ele não havia desaparecido. Assim, o Salvador as constitui arautos para propagar a Boa-nova da Ressurreição, que os próprios Apóstolos ainda não conheciam.
Que modo de proceder contundente para os padrões estabelecidos pela sociedade da época! Os Doze, que eram Bispos e foram os primeiros a comungar o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, são obrigados a receber a notícia através de mulheres! Eles fraquejaram, fugiram de medo e acabaram sendo postos à margem na hora da Ressurreição, pois Jesus quis dar um prêmio às que não haviam faltado à caridade. Não será que, se não nos convertermos a um amor tão intenso quanto Ele espera de cada um, seremos ultrapassados pelos que consideramos inferiores a nós? Sejamos verdadeiramente fervorosos, para que isto não nos aconteça!
Jesus ainda convive com eles ao longo de quarenta dias para então subir aos Céus, mas compensa sua ausência enviando o Espírito Santo e prolonga sua presença no Sacramento da Eucaristia, confirmação da promessa feita por Ele antes de partir: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).
NOTA:
1) Cf. FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954, p.710-711; TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, v.V, 1964, p.602; GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Pasión y Muerte. Resurrección y vida gloriosa de Jesús. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, v.IV, p.446; LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. Évangile selon Saint Matthieu. 4.ed. Paris: J. Gabalda, 1927, p.541.
(Excerto do livro “O inédito sobre os Evangelhos” Vol VII, de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP – Comentário ao Evangelho da Vigília Pascal.)
Veja também: Sexta-feira Santa – Temos parte nos sofrimentos de Jesus
As perdas que Jesus sofreu na Paixão
Conforme nos ensina Santo Afonso de Ligório, Nosso Senhor perdeu na sua dolorosíssima Paixão as quatro espécies de bens que o homem pode possuir nesta terra. Perdeu seus vestidos até à extrema nudez. Perdeu sua reputação pelos desprezos mais abomináveis. Perdeu a saúde robusta e florescente que tinha, pelos maus tratos mais cruéis. Perdeu, enfim, a vida, por uma morte atroz e infamante no alto da Cruz.
Gloriosa reconquista de tudo que perdeu
Porém, ao ressurgir glorioso da morte e sair triunfante do fundo do sepulcro, Jesus recebe de volta, glorificado, tudo o que perdeu. O que era pobre, ei-lo feito riquíssimo e senhor de toda a terra. O que era considerado verme e opróbrio dos homens, ei-lo coroado de glória. O que até há pouco era um varão de dor e sofrimento, ei-lo dotado de nova força e de uma vida imortal e impassível. E o que tinha sido morto, ei-lo ressuscitado por sua própria virtude, com seu corpo glorioso.
Jamais um romano poderia ser condenado à morte de crucifixão, por ser símbolo máximo de desonra, reservada aos piores criminosos.O sinal da vergonha por excelência foi abraçado por Jesus, “Ele próprio carregava a sua cruz…” (Jo. 19, 17).
Bem se poderia ver naquela cruz a imagem de nossos pecados. “Quem pode, entretanto, ver as próprias faltas? ” (Sl 18, 13). Quem entenderá o pecado? Este é o pior de todos os males, o ato de maior oposição a Deus.
Naquela cruz estavam todos os meus pecados…