As dúvidas de alguns ajudam a fé de muitos

V Domingo da Páscoa

As antigas revelações eram conhecidas e abraçadas pelos Apóstolos. Porém, as inovações externadas pelo Senhor ampliaram muito seus horizontes, causando-lhes algumas perplexidades. As dúvidas positivas de Tomé e as ingênuas de Filipe contribuíram para enriquecer ainda mais as novas revelações

Mons. João S. Clá Dias

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 1 “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em Mim também. 2 Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, Eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós, 3 e quando Eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde Eu estiver estejais também vós. 4 E para onde Eu vou, vós conheceis o caminho”. 5 Tomé disse a Jesus: “Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?” 6 Jesus respondeu: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim. 7 Se vós Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. E desde agora O conheceis e O vistes”. 8 Disse Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” 9 Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e não Me conheces, Filipe? Quem Me viu, viu o Pai. Como é que tu dizes: ‘Mostra-nos o Pai?’ 10 Não acreditas que Eu estou no Pai e que o Pai está em Mim? As palavras que vos digo, não as digo por Mim mesmo, mas é o Pai, que, permanecendo em Mim, realiza as suas obras. 11 Acreditai-Me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. Acreditai, ao menos, por causa destas mesmas obras. 12 Em verdade, em verdade vos digo: quem acredita em Mim fará as obras que Eu faço, e fará ainda maiores do que estas. Pois Eu vou para o Pai” (Jo 14, 1-12).

Não se perturbe o vosso coração

A previsão feita por Jesus a seus discípulos, sobre a tríplice negação de Pedro antes de o galo cantar, como também o anúncio da traição que iria ser perpetrada por Judas, foram de molde a perturbar seus corações. E por este motivo afirma Maldonado: “Na opinião de todos os autores gregos, esta frase foi dita por Cristo para os Apóstolos não se assustarem demais ao ouvir a previsão a respeito de Pedro (o qual O negaria) e pensarem que eles também, contra a sua vontade, iriam traí-Lo, uma vez que o chefe e mais valente de todos haveria de cair”. Daí, também, concluírem alguns desses autores constituir esse conselho de Cristo uma prova de sua divindade, por demonstrar conhecer o pensamento de seus discípulos.

Os Apóstolos tinham fé em Deus desde a infância, por terem sido educados nos princípios da Religião verdadeira pelos pais. Por outro lado, em inúmeras ocasiões tiveram a oportunidade de manifestar essa crença. Mas, a partir de então, Jesus quer um passo a mais nesse caminho. “É até mesmo o leitmotiv de todo esse discurso: Jesus exige de seus discípulos que eles tenham fé n’Ele como a possuem no Pai, que creiam que Ele está no Pai e que o Pai está n’Ele”.

Esse conselho de Jesus também se estende a nós, pois, se temos a Cristo, que com sua providência divina governa todas as coisas e de todos os acontecimentos pode tirar frutos para sua glória, como pode perturbar-se nosso coração? Ele é nosso Salvador que tudo previu e que, além de ter passado por todas as provas, nos acompanha a cada passo com uma profusão de graças e dons, visando nossa própria glorificação. Em vista disto, não ter fé ou tê-la de forma débil, ou até mesmo não saber apoiar-se nela durante as dificuldades, aflições e angústias, é ser infeliz. E pior ainda quando se busca consolo no mundo ou na carne, porque ambos são incapazes de nos ajudar.

A promessa do Reino dos Céus

O Reino dos Céus é o Paraíso dos Bem-aventurados, criado desde o princípio do mundo, cujas portas se fecharam pelo pecado do homem. Jesus anuncia, não só que Ele vai abrir essas portas com sua Morte, Ressurreição e Ascensão, mas também que tomará posse do Reino em seu nome e pelos seus méritos, e preparará nele um lugar para cada um de nós.


E apesar de o Evangelho acentuar a nota da multidão das moradas, são elas diferentes e, portanto, desiguais. A esse respeito, com propriedade, comenta São Gregório: “As muitas moradas combinam com o único denário, pois, embora uns se alegrarão e regozijarão mais que os outros, todos, no entanto, gozarão na posse única da visão de seu Criador. […] Tampouco sentem os efeitos dessa desigualdade, porque ali cada qual recebe de glória aquilo que lhe basta”.

Jesus preparará o lugar e retornará para nos levar com Ele

A esse comentário acrescenta Santo Agostinho: “E assim Deus será tudo para todos, porque, sendo Ele a caridade, por essa caridade se fará que o bem que alguém possua seja comum a todos. Desta maneira, cada um possui o bem que ele próprio não tem, na proporção em que o ama no outro. Não haverá, pois, inveja na desigualdade de glória, porque reinará a unidade de amor”.

“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”

Jesus já lhes havia dito em outras ocasiões que retornaria ao Pai, depois de ser entregue ao Sinédrio, ter sido crucificado e ressuscitar, esse seria seu caminho. É por tal motivo que respondeu anteriormente a Pedro: “Para onde vou, não podes seguir-Me agora, mas seguir-Me-ás mais tarde” (Jo 13, 36). Portanto, os Apóstolos sabiam.

Ninguém pode ir ao Pai senão por seu intermédio. Por isso, comenta-nos Santo Hilário: “Não pode conduzir-nos por lugares extraviados Aquele que é o Caminho, nem enganar-nos com falsas aparências Aquele que é a Verdade, nem abandonar-nos no erro da morte Aquele que é a Vida”.

“Tudo posso n’Aquele que me conforta”

Dirá mais tarde Tiago, em sua Epístola, que a fé sem as obras é morta (cf. Tg 2, 17). Aqui, o Salvador afirma o quanto essa fé por Ele exigida será profícua em realizações divinas. Essa virtude cria um liame divino. O próprio São Paulo afirmará: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20); e ainda: “Tudo posso n’Aquele que me conforta” (Fl 4, 13). Indo para o Pai a fim de ser glorificado em sua humanidade triunfante, estenderá aos discípulos que n’Ele creem o poder de fazer milagres que recebeu do próprio Pai. Se os mistérios nos são difíceis de alcançar, as obras falam por si e nos facilitam a crença.

Que esse dom concedido pelo Salvador aos seus fiéis servidores não os envaideça, como adverte Santo Agostinho: “Não se eleve o servo acima do Senhor, nem o discípulo acima do Mestre. Diz que os discípulos hão de fazer maiores obras do que Ele, mas entende-se que é Ele quem opera nos discípulos ou por meio dos discípulos, e não os discípulos por si mesmos. A Ele se dirige o louvor: ‘Ó Senhor, que és minha fortaleza, Te amarei’. Quais são essas obras maiores? Seria porque, à passagem deles, a sua sombra curava os doentes? Era de fato obra mais admirável curar um doente com a sombra do que com a orla do vestido. Isto o fez por Si mesmo; aquilo, por meio dos discípulos. Mas ambas as coisas as fez Ele”. ♦


O Inédito sobre os Evangelhos, Vol. 01, Ano A, Páscoa.

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