Solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora

O dom mais excelso de toda a ordem da criação

Em Maria, Deus quis unir a insuperável dignidade da maternidade divina ao maior dom da graça, o qual restaurou a beleza do universo criado e iniciou a história de nossa Redenção

Monsenhor João S. Clá Dias, EP, Fundador dos Arautos do Evangelho e do Apostolado do Oratório



Naquele tempo, 26 no sexto mês, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, 27 a uma Virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da Virgem era Maria. 28 O Anjo entrou onde Ela estava e disse: “Alegra-Te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” 29 Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. 30 O Anjo, então, disse-Lhe: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. 31 Eis que conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. 32 Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi. 33 Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu Reino não terá fim”. 34 Maria perguntou ao Anjo: “Como acontecerá isso, se Eu não conheço homem algum?” 35 O Anjo respondeu: “O Espírito virá sobre Ti, e o poder do Altíssimo Te cobrirá com sua sombra. Por isso, o Menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. 36 Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, 37 porque para Deus nada é impossível”. 38 Maria, então, disse: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em Mim segundo a tua palavra!” E o Anjo retirou-se (Lc 1, 26-38).

A glória da Imaculada Conceição

Segundo a expressão repetida por muitos Santos, de Maria nunquam satis — de Maria nunca se dirá o suficiente. E assim como nunca nos sentimos satisfeitos de ouvir falar d’Ela, também nunca nos contentamos quando se trata de glorificá-La.

Estabelecida a Solenidade da Imaculada Conceição no Advento, a Igreja suspende o caráter de austeridade deste tempo litúrgico para celebrá-la com grande pompa e alegria. Entre a abundância de comentários a que tal comemoração dá ensejo, lembremo-nos de que este dom especialíssimo de Maria é um triunfo do próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, pois tudo o que Ela possui se deve ao fato de ser Mãe d’Ele. Por tal razão, o louvor que tributamos à Mãe tem como causa e termo final o Filho.

E foi precisamente a maternidade divina um dos argumentos nos quais a piedade popular se apoiou para sustentar a Conceição Imaculada, muito antes da proclamação do dogma. Pelo processo natural da gestação, Nossa Senhora deu o seu sangue para a constituição física do Salvador, de modo que a Carne e o Sangue de Jesus são a carne e o sangue de Maria. Seria um absurdo imaginar o Homem-Deus sendo formado a partir de um sangue não puro, num claustro materno maculado pela culpa original, pois de uma fonte impura não pode brotar o que é puro. Em virtude da Encarnação do Verbo, Maria tinha de ser isenta do pecado. E se nós defendemos a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, é forçoso que defendamos também a Imaculada Conceição de sua Mãe.

Mais um belo aspecto deste privilégio é a glória que ele significa para a Igreja, da qual Nossa Senhora é Mãe. Sendo a missão da Igreja combater o pecado, diminuir os seus efeitos e distribuir a graça às almas, não pode haver honra maior para ela do que ter uma Mãe e Rainha Imaculada e cheia de graça. Mas, também em relação a Maria a Igreja exerceu sua função de santificar com uma perfeição impossível de ser igualada em qualquer outra criatura: durante os anos em que a Santíssima Virgem viveu depois da Ascensão de Jesus, orientando e amparando maternalmente a Igreja nascente, Ela se beneficiou do Sacramento da Eucaristia, e cada Comunhão aumentava n’Ela, em imensas proporções, o extraordinário tesouro de graça recebido em sua Concepção Imaculada.

A proclamação do dogma

Coube ao Beato Pio IX — cujo longo pontificado transcorreu num período de grande tensão contra a Igreja — incluir este título mariano entre os dogmas de Fé. O ambiente católico já se encontrava preparado, sobretudo porque o Santo Padre e vários de seus predecessores há muito vinham promovendo a devoção à Imaculada Conceição, inclusive com proibição de se difundirem teses contrárias a essa doutrina.

Conta-se que, em certa ocasião, estando o Papa desterrado em Gaeta, o Cardeal Lambruschini lhe disse: “Santo Padre, Vossa Santidade não mudará o mundo senão declarando o dogma da Imaculada Conceição”. Foi pouco depois disso, a 2 de fevereiro de 1849, que o Papa lançou a Encíclica Ubi Primum, dirigida aos Patriarcas Primazes, Arcebispos e Bispos da Igreja Universal, consultando-os sobre essa questão.

Salvo pouquíssimas exceções — menos de dez por cento de um total de mais de 600 cartas enviadas —, as respostas foram todas favoráveis. E quando voltou a Roma, em 1850, Pio IX convocou todos os Bispos do mundo para contribuírem no trabalho da comissão encarregada de preparar a Bula de definição do dogma.

Finalmente, a 8 de dezembro de 1854, às onze horas da manhã, reuniram-se na Basílica de São Pedro duas centenas de dignitários eclesiásticos, entre Cardeais, Arcebispos e Bispos, para a solene Missa pontifical, durante a qual se deu a cerimônia de definição do dogma. Antes do Ofertório, o Cardeal Macchi, decano do Sacro Colégio, aproximou-se do trono pontifício onde se encontrava o Papa e, em nome da Igreja, dirigiu-lhe a súplica, como prescrevia o cerimonial: “Santíssimo Padre, dignai-vos levantar vossa voz apostólica em meio à celebração do sacrifício incruento começado e pronunciar o decreto dogmático da Imaculada Conceição, que fará nascer novo júbilo no Céu e encherá de alegria todo o mundo”. Levantando-se, Pio IX deu ordem de que se entoasse o Veni Creator Spiritus, acompanhado em uníssono por todos os presentes. Concluído o cântico, o povo se pôs de joelhos e o Papa, de pé, iniciou a leitura da Bula Ineffabilis Deus, cujo auge foram as seguintes palavras:

“Depois de, na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja, a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignasse dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo; depois de implorarmos o socorro de toda a corte celeste, e invocarmos com gemidos o Espírito consolador; por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da Fé Católica, e para incremento da Religião Cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:

“A doutrina que sustenta que a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”.


Terminada a proclamação, ouviu-se a salva do canhão do Castelo de Sant’Angelo e o repicar dos sinos da Cidade Eterna, festejando o reconhecimento oficial da Igreja a esta prerrogativa de Maria, a qual faz os Céus se rejubilarem, os infernos tremerem, enche de consolação os filhos d’Ela na Terra e de tristeza os seus adversários. Numa palavra, é um dogma que evidencia a inimizade entre a linhagem da Virgem e a de satanás.

Algumas considerações sobre a fórmula do dogma

Admiráveis são a beleza e a precisão dos termos usados na fórmula dogmática. Por exemplo, a expressão “no primeiro instante de sua Conceição” indica ter sido Maria isenta do pecado no momento em que, por assim dizer, Deus pronunciou o fiat para a sua criação e Ela passou a existir no tempo tal como fora idealizada desde toda a eternidade. Já as palavras “por singular graça e privilégio de Deus Onipotente” deixam claro que o normal seria que Nossa Senhora fosse concebida com a mancha do pecado, como qualquer filho de Adão e Eva; mas como para Deus nada é impossível, Ele quis dispensar sua Mãe dessa herança de morte. E o argumento teológico fundamental do dogma é expresso logo em seguida: “em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original”.

Explicando esta doutrina, a teologia recorre a uma expressiva analogia: os dois modos de se remir um cativo. Há casos em que ele está no cárcere e, mediante o pagamento do resgate, é posto em liberdade. Há outros, entretanto, em que a pessoa corre o risco de ser levada para o cativeiro, e antes que isto aconteça alguém paga o seu resgate. Reportando nossa imaginação àquela eterna conversa da Santíssima Trindade, podemos supor que o Filho tenha Se dirigido ao Pai, dizendo: “Antes que o pecado original toque em minha Mãe, Eu Lhe aplico o preço de meu Sangue que será derramado no Calvário”.

Por ter sido objeto dessa Redenção preventiva, “Maria tem em comum com todos os homens o ter sido resgatada pelo Sangue de seu Filho; mas tem algo de particular, pois este Sangue foi tirado de seu casto corpo. […] Ela tem em comum conosco que este Sangue se derrama sobre Si para santificá-La; porém tem o particular de n’Ela estar a sua fonte. De tal modo que nós podemos dizer que a concepção de Maria é como que a primeira origem do Sangue de Jesus. É dali que este belo rio começa a se espalhar, este rio de graças que corre em nossas veias pelos Sacramentos e que leva o espírito de vida para todo o corpo da Igreja”.

Por conseguinte, na concepção de Nossa Senhora iniciou-se a história de nossa Redenção. A Solenidade de hoje é a festa da libertação de quem era escravo do demônio e se entrega inteiramente a Nosso Senhor Jesus Cristo, pelas mãos da Santíssima Virgem. Somos filhos de Maria Imaculada!

E se temos apreço por nossa mãe natural, muito maior deve ser nosso amor por Aquela que é Mãe de nossa vida sobrenatural. Cheios de gratidão, peçamos a Ela que, assim como triunfou sobre o pecado, triunfe em nossa alma, infundindo-lhe um raio de sua imaculabilidade.

E que, purificados de todas as nossas misérias, sejamos assistidos por seu Divino Esposo e nos transformemos em instrumentos eficazes para a promoção de um outro triunfo, por Ela prometido em Fátima e tão desejado por nós: o do seu Sapiencial e Imaculado Coração. ♦

 

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