Uma sociedade marcada pela inocência – Comentário ao Evangelho Dominical

Naquele tempo, 30 Jesus e seus discípulos atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, 31 pois estava ensinando a seus discípulos. E dizia-lhes: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles O matarão. Mas, três dias após sua Morte, Ele ressuscitará”. 32 Os discípulos, porém, não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar. 33 Eles chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes: “O que discutíeis pelo caminho?” 34 Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior. 35 Jesus sentou-Se, chamou os Doze e lhes disse: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!” 36 Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles, e abraçando-a disse: 37 “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a Mim que estará acolhendo. E quem Me acolher, está acolhendo, não a Mim, mas Àquele que Me enviou” (Mc 9, 30-37).

Estando com seus discípulos na Galileia, o Divino Mestre lhes fala de perseguições, Morte e Ressurreição, em contraposição à ideia de um Messias meramente humano, restaurador do poder temporal de Israel. Diante deles abre-se um panorama inteiramente novo: humildade, desapego e serviço serão as características de quem quiser exercer a autoridade segundo o espírito de Jesus.

XXV Domingo Do Tempo Comum

Por Mons. João S. Clá Dias, EP

A causa mais profunda das dissensões

Afirma o Apóstolo São Tiago na segunda leitura (Tg 3, 16―4, 3) deste 25º Domingo do Tempo Comum, “onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más” (Tg 3, 16).

De fato, é a inveja um dos vícios mais perniciosos. Quem por ela se deixa levar não conhece a felicidade. O invejoso está sempre se comparando com os outros, e quando se depara com quem o supera em qualquer ponto, logo se pergunta: “Por que ele é mais e eu menos? Por que ele tem e eu não?”. Esta atitude torna ácida e amargurada a sua vida, causando toda espécie de dissabores e, por vezes, até de mal-estar físico.

Deste “por quê?” ― proveniente em última análise do orgulho — decorrem os males todos. Com muita clareza o aponta São Tiago: “De onde vêm as guerras? De onde vêm as brigas entre vós? Não vêm, justamente, das paixões que estão em conflito dentro de vós?” (Tg 4, 1).

Quanta luta trava o homem hoje, por exemplo, para obter mais dinheiro, mais poder ou mais prestígio, recorrendo muitas vezes a meios ilícitos ou até criminosos! Em quantas misérias morais cai ele, para atingir este objetivo!

Porém, mesmo tendo acumulado imensa fortuna ou galgado o suprassumo do poder, nunca estará satisfeito. Sempre quererá mais, porque a alma humana é insaciável, por natureza, uma vez que é feita para o infinito, para o absoluto, para o eterno. Daí conclui São Tiago: “Cobiçais, mas não conseguis ter. Matais e cultivais inveja, mas não conseguis êxito. Brigais e fazeis guerra, mas não conseguis possuir” (Tg 4, 2).

Enorme esforço faz o homem ganancioso para obter algo que, em vez de trazer-lhe a felicidade, o fará perder a paz de alma!

A santidade faz recuperar o equilíbrio perdido

Para vencer as paixões desregradas e recuperar o equilíbrio de alma perdido por causa do pecado há apenas um caminho: abraçar as vias da santidade.

Na luta constante contra as próprias paixões, procurando submetê-las à Lei Divina, irá o homem restaurando a inocência primitiva e, com isso, suas reações de alma se tornarão cada vez mais semelhantes àquelas que teria no Paraíso. O que ali lhe seria fácil, custa-lhe agora, nesta Terra de exílio, grande esforço, dura luta interior e muita ascese, acompanhados do indispensável auxílio da graça. Pois sem esta nenhum homem é capaz de dominar a tremenda ebulição de suas paixões.

O Reino de Deus, portanto, prosperará aqui na Terra na medida em que houver entre os homens almas santas, faróis de virtude e de inocência a iluminar o caminho da humanidade. Será o Reino da inocência, à imagem do Inocente por excelência, Nosso Senhor Jesus Cristo. Teremos, assim, a realização mais próxima possível da civilização paradisíaca. É esta uma das importantes lições a tirar do rico Evangelho deste domingo.

O bem mais precioso que o homem pode receber

Preservar a inocência batismal — ou recuperá-la, caso se tenha tido a desgraça de perdê-la — deve ser a meta de todo cristão. Porque quem a possui conserva na alma Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai e o Espírito Santo.

A inocência é o bem mais precioso que o homem pode receber. A união com quem jamais pecou, a própria Santíssima Trindade, outorga-lhe uma autoridade que nem o poder, nem o dinheiro, nem as manobras diplomáticas são capazes de conceder.

Em sua primitiva inocência, o homem era inerrante, pois, como ensina São Tomás, “a retidão do primeiro estado não era compatível com nenhum engano do intelecto”. De maneira análoga, o homem que mantém sua inocência batismal será infalível à medida que se deixe guiar pela graça, pelas virtudes infusas e os dons do Espírito Santo.

Assim o afirma o padre Garrigou-Lagrange: “Na ordem da graça, a fé infusa nos faz aderir à Palavra divina e ao que ela exprime. […] Enquanto os sábios dissertam longamente e levantam toda sorte de hipóteses, Deus faz sua obra naqueles que têm o coração puro”.

Devemos, por conseguinte, envidar todos os esforços para manter sem pecado a nossa alma, ainda que seja necessário para isto sacrificar até mesmo a vida. E se, por infelicidade, tivermos perdido a inocência batismal, empenhemo-nos ao máximo em recuperá-la, como o fez Santa Maria Madalena, através de um ardente amor ao Divino Redentor. Ela tanto amou que se assemelhou ao Amado, a ponto de ser venerada como a primeira das virgens na Ladainha de Todos os Santos. ♦️


Excertos de “O Inédito sobre os Evangelhos”. Vol. IV. Ano B.

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