“A quem iremos, Senhor?”…

Naquele tempo, 60muitos dos discípulos de Jesus que O escutaram disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” 61Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? 62E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? 63O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. 64Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-Lo. 65 E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a Mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. 66 A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com Ele. 67 Então, Jesus disse aos Doze: “Vós também vos quereis ir embora?” 68 Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. 69 Nós cremos firmemente e reconhecemos que Tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 60-69).

XXI Domingo Do Tempo Comum

Em um episódio decisivo no anúncio do Reino de Deus, os discípulos se dividiram entre aqueles que se escandalizaram com as palavras de Jesus e aqueles que, mesmo sem entendê-las, aceitaram-nas por um ato de fé.

Por Mons. João S. Clá Dias, EP

Jesus é o “pão da vida”

A contradição dos judeus

“Como pode este Homem dar-nos de comer a sua Carne?” ouviram Jesus fazendo referência ao Sacramento da (Jo 6, 52), perguntavam entre si os judeus que Eucaristia. E Ele lhes respondeu: “se não comerdes a Carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu Sangue, não tereis a vida em vós mesmos” (Jo 6, 53).

Com uma fé insuficiente, como poderiam alcançar o verdadeiro significado das revelações feitas pelo Messias?

Os judeus não queriam admitir que o Divino Redentor pudesse Se autodenominar “pão da vida” (Jo 6, 48). De fato, Ele o é, tanto pela divindade, como por sua humanidade. Enquanto Deus, Ele cria, sustenta no ser e alimenta todos os viventes. Ao assumir um corpo, sua Carne é vivificante por ser o Verbo de Deus. Da mesma forma que o ferro se torna incandescente ao ser introduzido no fogo, adquirindo a substância e as propriedades deste, sem deixar de ser ferro, assim também o sagrado Corpo de Jesus está unido à natureza divina. Por isso, sem a Eucaristia o homem pode ter vida natural, mas não a vida eterna.

Hoje nos damos conta de quanto a rejeição dos judeus ao precioso convite de Nosso Senhor é inexplicável. Os seus antepassados haviam adorado não poucos deuses falsos, além de terem admitido as mais absurdas doutrinas. Ao Se apresentar o verdadeiro Deus, oferecendo-Se como alimento de imortalidade, a reação deles foi de repulsa.

Quando Moisés subiu ao Monte Sinai para receber as Tábuas da Lei, os israelitas permaneceram à sua espera no sopé da montanha. Como tardasse muito a descer e o povo estivesse já cansado, Aarão foi instado a fazer-lhes um deus visível que eles pudessem seguir, indo-lhes adiante nos deslocamentos (cf. Ex 32, 1). No fundo queriam ter um Deus — um Elohim, o Deus verdadeiro que criou o Céu e a Terra — sob espécie visível. Ora, o que Jesus lhes oferecia neste discurso eucarístico do capítulo 6 de São João é bem isto: “Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6, 51).

É um paradoxo: o que os judeus pediram a Aarão, recebemos nós. Sim, na Eucaristia está o Elohim sob as espécies visíveis. Com uma grande diferença: os judeus julgaram ser possível operar esta maravilha por mãos humanas e nós cremos, com toda a fé, que isto se realiza por exclusiva autoridade divina: “fazei isto em memória de Mim” (Lc 22, 19). O curioso é que, apesar de os judeus acreditarem ser possível realizar este grande mistério através de forças naturais e humanas, não creram que Deus onipotente fosse capaz de concretizá-lo.

Mistério da Fé

Nas palavras de Cristo se encontra um grandioso mistério: “Caro enim mea verus est cibus, et sanguis meus vere est potus — minha Carne é verdadeiramente uma comida e o meu Sangue, verdadeiramente uma bebida” (Jo 6, 55). Ouçamos São Tomás: “Que o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo estejam no Sacramento não se pode apreender pelo sentido, mas somente pela fé, que se apoia na autoridade divina”.

O problema se centra em que “toda conversão que acontece segundo as leis da natureza é formal”. Ora, no caso da Eucaristia devemos considerar que a ação de Deus “se estende a toda natureza do ser. Portanto, Ele não só pode realizar a conversão formal […]; mas também a conversão de todo o ser, de modo que toda substância de um ser se converta em toda a substância de um outro. E isso se realiza, portanto, neste Sacramento pelo poder divino. Com efeito, toda substância do pão se converte em toda a substância do Corpo de Cristo, e toda a substância do vinho, em toda a substância do Sangue de Cristo. Por isso, esta conversão não é formal, mas substancial. […] pode-se chamar com o nome apropriado de ‘transubstanciação’”.

Ademais, devemos considerar que as dimensões da Hóstia consagrada não correspondem às do Corpo de Nosso Senhor. Ela continua com as mesmas medidas que lhe eram próprias quando nela se encontrava a substância pão. Porém, “é absolutamente necessário confessar, segundo a Fé Católica, que Cristo está todo neste Sacramento”.

Alimento espiritual e material

Não é exagero julgar que o alimento material foi criado para o desenvolvimento e sustento orgânico do homem, com vistas também a servir de símbolo para a instituição da Eucaristia. Há, entretanto, uma distinção entre o alimento material e o espiritual. O primeiro produz em nós seus efeitos, convertendo-se em substância de nosso organismo, ao ser por ele assimilado. Com o segundo se passa exatamente o contrário, pois nós somos assumidos por ele, como diz Santo Agostinho: “A força que nele se simboliza é a unidade, para que agregados a seu Corpo, feitos membros seus, sejamos o que recebemos”.

Pela Eucaristia passamos a ser outros Cristos

Pela Eucaristia, participamos não só da vida de Jesus como de todo o tesouro de seu Sagrado Coração, dos méritos de sua oração, sacrifício, etc. Esta realidade mística arranca surtos de entusiasmo das almas dos Bem-aventurados: “Para vir ao mundo a fim de nos redimir, Deus Se fez Homem. Quando tu vais ao altar e O recebes, és tu que te transformas n’Ele. E se dissesses que te fazes Cristo, não mentirias”.

Por outro lado, ao comungarmos, passamos a ser parte d’Ele: “Quando comungas, […] passas a ser membro do Corpo de Cristo […]. Assim como a mão é parte do corpo, vive e se sustenta nele, assim tu fazes parte de Cristo, vives e te sustentas n’Ele, incorporando-te pela comunhão em Cristo, como o membro no corpo”.

Ora, se a Eucaristia como que nos transforma em Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa vida moral também será participativa da santidade d’Ele. Não é sem fundamento que se afirma: “Christianus alter Christus — O cristão é um outro Cristo”, pois, na realidade, pelo Batismo passamos a ser outros Cristos, e a Eucaristia vai paulatinamente reproduzindo em nós os mesmos sentimentos e virtudes próprias ao Homem-Deus. Com o tempo, e pela assídua frequência a este Sacramento, pensaremos, amaremos e agiremos tal como Ele. Nossa caridade, humildade, obediência e demais virtudes serão semelhantes às d’Ele.

Antídoto contra o pecado e fortaleza para a luta

Além disso, a Eucaristia é um grande antídoto contra o pecado, pois, segundo São Tomás de Aquino,15 mais do que nos conferir a graça, ela — que contém o Autor da graça, Cristo Jesus — aumenta em nós a caridade, diminui a concupiscência e, portanto, aumenta a devoção, perdoa os pecados veniais, etc.

Este Sacramento produz seus frutos na alma que o recebe “ex opere operato”, ou seja, operando por si mesmo. Contudo, seus efeitos podem ser excelentes em maior ou menor grau, dependendo das disposições com as quais é recebido. Se a preparação interior for ótima, melhor será seu aproveitamento. O rompimento e a renúncia explícita a tudo quanto possa inclinar-nos ao pecado constitui condição essencial para obtermos a plenitude das graças conferidas pela Comunhão Eucarística.

Por outro lado, não devemos nos perturbar por causa de nossas debilidades e imperfeições, pois elas não impedem de nos aproximarmos da Sagrada Mesa, mas, pelo contrário, o Pão Vivo nos dará fortaleza para a luta. Quer se trate de um vaidoso, um arrogante, um preguiçoso ou um tíbio, na Eucaristia ele encontrará a inspiração e a energia para trilhar o bom caminho.

Aliás, em nossa vida espiritual não são poucos os combates que devemos enfrentar contra o demônio, o mundo e a carne, e “é necessária a fortaleza da alma que resista a este semelhante tipo de dificuldades, da mesma maneira que, pela força corporal, o homem domina e remove obstáculos físicos”. Ora, onde buscar tal fortalecimento senão na Eucaristia?

“O salutaris Hostia, […] bella premunt hostilia, da robur, fer auxilium” — canta tão belamente o imortal hino eucarístico — “Ó Hóstia de salvação, […] nas guerras que nos fazem nossos inimigos, dai-nos força e coragem”.

A virtude da obediência

Sendo Deus o Senhor de toda a criação, os seres inte ligentes — Anjos e homens — têm a obrigação de reconhecer, amar e servir este senhorio. Os inanimados assim procedem pela própria natureza, e os irracionais, de modo instintivo. Ele é Senhor de todas as nossas faculdades e, sobretudo, de nosso entendimento e vontade. Daí ter afirmado São João da Cruz que no entardecer desta vida seremos julgados segundo o amor, pois estamos obrigados a querer o que Deus deseja que queiramos.

Ora, na ordem do universo está incluída a vontade do homem, a qual, por ser livre, deve estar em harmonia com a de Deus através da virtude da obediência. Esta última não é uma virtude superior às teologais, fé, esperança e caridade. Todavia, é um meio veloz para unirmo-nos a Deus e sermos agradabilíssimos a Ele. Através dela fazemos uma entrega em suas adoráveis mãos, com mais valor do que se fizéssemos qualquer sacrifício: “se alguém padecesse o martírio, ou distribuísse todos os seus bens aos pobres, se não orientasse tudo isto para o cumprimento da vontade divina, o que diz respeito diretamente à obediência, tais obras não teriam o menor mérito […]. Assim está escrito: ‘Aquele que afirma conhecer Deus mas não guarda os seus Mandamentos é mentiroso’”.

Aí está bem focalizado o convite à prática da obediência que nos é feito pela Liturgia deste 21º Domingo do Tempo Comum: na primeira leitura (Js 24, 1-2a.15-17.18b), com as palavras de Josué: “Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (24, 15), obtendo do povo a resposta: “nós também serviremos ao Senhor, porque Ele é nosso Deus” (24, 18); na segunda leitura (Ef 5, 21-32), epístola de Paulo: “Vós que temeis a Cristo, sede solícitos uns para com os outros. […] Cristo é a Cabeça da Igreja, Ele, o Salvador do seu Corpo. […] como a Igreja é solícita por Cristo, […] como o Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela” (Ef 5, 21.23-25); e, sobretudo no Evangelho, a propósito da fé, causando-nos perplexidade aquela apostasia de “muitos dos discípulos”, que se recusaram a crer e, em consequência, a obedecer.

Excelente ocasião de um exame de consciência para quem vive em nossa época, que deve se perguntar: qual o grau de fé e de submissão a Deus, à Igreja e ao Evangelho do homem dos tempos presentes? ♦️


Excertos de “O Inédito sobre os Evangelhos”, Vol. IV. Ano B.

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